sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

La La Land: Cantando Estações

A encantadora jornada de dois sonhadores

Revigorante, puro e apaixonante, La La Land é, na falta de uma definição melhor, um clássico instantâneo. Com dois dos mais virtuosos astros da nova geração em mãos, o versátil Ryan Gosling e a radiante Emma Stone, o prodígio Damien Chazzele revisita uma fase áurea de Hollywood sob um prisma moderno e urbano, resgatando a magia dos clássicos musicais ao nos brindar com uma obra estética e narrativamente triunfante. Indo de encontro ao seu imponente último trabalho, o intenso e sufocante Whiplash: Em Busca da Perfeição, o jovem realizador esbanja doçura ao narrar a fascinante jornada de dois sonhadores, traduzindo os altos e baixos desta realista relação dentro de um contexto único, otimista e genuinamente universal. Em suma, La La Land é uma obra preciosa, um longa encantador guiado pela inebriante trilha sonora, pela refinada direção e pelo magnetismo do casal de protagonistas.



Com argumento assinado pelo próprio Damien Chazelle, La La Land é primoroso ao revisar um gênero tão tradicional sem precisar abrir mão da originalidade. Mesmo nos momentos mais formulaicos, o roteiro faz questão de se esquivar dos clichês românticos, dando uma roupagem particular e nada condescendente a questões já exploradas em diversos outros longas. Assim como em Whiplash, aliás, o realizador é igualmente habilidoso ao utilizar o cenário artístico, mais precisamente o desgastado mundo do jazz e a concorrida indústria do cinema, como um pano de fundo para a construção da história de amor entre Mia e Sebastian. Devotados à sua arte, enquanto ele, um pianista integro e virtuoso, esbarrava frequentemente nos interesses comerciais dos seus contratantes, ela, uma atriz novata em busca de uma chance para brilhar, era rotineiramente esnobada em testes frustrantes para personagens ridículos. Cabisbaixa após uma noitada decepcionante, Mia se sente atraída pela música de Sebastian e resolve entrar no bar em que ele tocava. Após um início turbulento, os dois logo se sentem atraídos, aproximados pelos constantes fracassos profissionais e pela paixão de ambos pela música e o cinema. Este afetuoso romance, porém, é colocado em teste quando Mia e Sebastian decidem abraçar novas oportunidades em suas carreiras, convivendo com as consequências por trás da realização dos seus respectivos sonhos.


No embalo da espetacular sequência de abertura, uma cena marcante que dita o teor urbano da película ao usar um engarrafamento como o cenário para uma expressiva apresentação musical, La La Land fisgou a minha atenção já nos primeiros minutos de projeção. Equilibrando romance, humor e drama com enorme naturalidade, Damien Chazelle é cuidadoso ao introduzir o seu adorável casal de protagonistas. Com leveza e intimidade, o realizador não só estabelece a identidade de Mia e Sebastian, como também o senso de integridade dos dois quanto aos seus respectivos sonhos, permitindo que o espectador crie uma sincera conexão com os personagens. Em meio aos mágicos números dançantes, o realizador encontra tempo para realçar a crescente cumplicidade entre os dois, as suas semelhanças e diferenças, ingredientes sólidos que se tornam decisivos para a construção deste fascinante romance.


O que transforma La La Land numa obra singular, no entanto, é a sensibilidade de Chazelle ao desenvolver os conflitos do casal. No momento em que a trama parecia inclinada a flertar com as soluções mais genéricas, o jovem realizador mostra maturidade ao utilizar esta estrutura aparentemente requentada em prol de uma abordagem mais moderna e realista. Após introduzir os sonhos de Sebastian e Mia durante a transcendente primeira hora, o diretor esbanja categoria ao desvendar as consequências em torno das suas respectivas aspirações, se distanciando gradativamente do ponto de vista onírico\ingênuo ao discorrer com franqueza sobre os obstáculos impostos pelo 'show biz', o abismo existente entre o mundo ideal e o mundo real e o impacto da distância nesta apaixonante relação. O resultado é um último ato denso e refrescante, um desfecho repleto de sentimento que se revela coerente com o misto de integridade e obstinação defendido pelos dois personagens.


E se narrativamente o longa é praticamente irretocável, o único senão fica para um pequeno excesso dentro do clímax, uma solução inspirada que se estende além do necessário, La La Land é magnífico quando o assunto é o aspecto visual. Impulsionado pela estonteante fotografia de Linus Sandgren, impecável ao capturar as cores vibrantes, os radiantes cenários e o fluído bailar dos personagens em pouquíssimos cortes, Damien Chazelle mostra requinte ao arquitetar esta história de amor. Com enquadramentos expressivos, imponentes planos abertos e uma composição de cena milimetricamente calculada, o diretor exibe pleno domínio da ação tanto nos bem coreografados números musicais, quanto nas acolhedores tomadas mais intimistas, estendendo o seu virtuoso "tapete vermelho" para que os protagonistas pudessem brilhar. Sem querer revelar muito, as sequências em que Chazelle explora a iluminação do ambiente para ressaltar a expressão dos seus comandados são geniais, assim como os momentos em que ele se apropria de elementos urbanos (ônibus, fachadas, banners) para adicionar um significado especial às suas cenas. Melhor ainda, aliás, são os empolgantes números musicais. No embalo da sensível trilha sonora de Justin Hurwitz, o realizador transforma o Jazz num agente catalisador, indo de encontro ao nervoso Whiplash ao utilizar este requintado gênero dentro de um contexto mais leve e charmoso. Os agridoces riffs da cativante 'City of Stars', por exemplo, são aproveitados com rara precisão dentro da trama, ajudando a traduzir o estado de espírito do casal ao longo da película. Numa sacada perspicaz, porém, Chazelle é igualmente hábil ao brincar com a vocação purista de Sebastian, nos brindando com um par de hilárias apresentações envolvendo dois clássicos do 'synthpop' oitentista.


A alma de La La Land, no entanto, reside nas fantásticas atuações de Emma Stone e Ryan Gosling. Com o seu reconhecido carisma, ela atinge um novo patamar em sua carreira ao entregar uma performance natural e reluzente. Na pele de uma independente e resiliente jovem, Stone cria uma personagem atual, uma mulher capaz de superar as mais delicadas barreiras em prol dos seus sonhos. Impecável tanto nos momentos cômicos, quanto nas sequências dramáticas, a atriz esbanja harmonia também nos números musicais, cantando e dançando com extrema espontaneidade. Sem querer revelar muito, a sua última apresentação diante de dois produtores é de arrepiar, um dos momentos que fazem de La La Land uma obra especial. No mesmo nível da sua parceira de cena, Ryan Gosling mostra versatilidade ao compor o intenso Sebastian. Sem nunca soar esnobe, ele cria uma figura que valoriza a sua arte, um homem idealista que não aceita se vender por tão pouco.


Com nuances particulares em mãos, o ator nos faz crer nos dilemas do seu personagem, no seu apreço pelo Jazz e nas suas inúmeras frustrações. O seu desempenho como pianista, aliás, é sensacional e só amplia o grau de verdade em torno das canções. Além disso, Gosling surpreende ao protagonizar sequências realmente impagáveis, momentos engraçados potencializados pelo seu excepcional tempo de comédia. É enquanto casal, porém, que o trabalho da dupla alcança um nível de qualidade difícil de traduzir em palavras. Após atuarem juntos em Amor a Toda Prova (2011) e Caça aos Gangsters (2013), a dupla enche a tela de afeto e paixão ao encarnar esta história de amor, nos fazendo enxergar as diversas etapas desta relação. No centro das atenções do primeiro ao último minuto, Stone e Gosling exibem uma química irresistível, principalmente nos singelos duetos musicais, emocionando ao reproduzir os altos e baixos em torno deste romance. Ainda sobre o elenco, a presença do cantor John Legend se torna uma aposta certeira, uma figura legítima que surge como uma espécie de choque de realidade na vida de Sebastian.


Fazendo um inteligente uso do poder da sugestão dentro do comovente clímax, La La Land: Cantando Estações é uma obra otimista que "nasceu" para brilhar. Um daqueles raros projetos em que a máxima dedicação dos seus realizadores pode ser percebida em tela. Muito mais do que uma moderna e graciosa homenagem aos clássicos musicais, este magnífico longa comprova durante os seus envolventes 128 minutos a força, a pureza e o virtuosismo do cinema de Damien Chazelle, um jovem realizador que nos seus dois primeiros grandes trabalhos mostrou ser capaz de enfrentar o marasmo criativo que tomou conta de Hollywood.

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