Imagine uma inusitada mistura de A Felicidade Não se Compra (1946) com
Jovens, Loucos e Rebeldes (1993). Sim, apesar dos exageros em torno da
comparação, Sexo, Rock e Confusão (1995) traz em sua essência um pouco do
otimismo, da rebeldia e da aura 'feel good' destes dois clássicos do cinema
norte-americano. Ingênua e descompromissada, a comédia dirigida por Allan
Moyle, do elogiado Um Som Diferente (1990), tece um cativante relato sobre a
juventude na década de 1990 ao acompanhar as trapalhadas de um desajustado
grupo de funcionários de uma popular loja de discos. No embalo do radiante
elenco e da afiada trilha sonora, Moyle construiu uma película cheia de
energia, de boas intenções, mas que na época do lançamento foi detonada pela
crítica e esnobada pelo público americano. Um fracasso que até me parece
explicável, já que o filme carrega consigo uma deslocada ‘vibe’ oitentista, uma
pegada incompatível com o que vinha sendo produzido no gênero naquele ano, vide
os expoentes As Patricinhas de Beverly Hills e O Diário de um Adolescente. O fato é que o filme envelheceu muito bem e
me parece uma ótima pedida para os fãs de uma envolvente comédia musical.
Com roteiro assinado por Carol Heikkinen, Sexo, Rock e Confusão narra as
desventuras do confiante Lucas (Rory Cochrane), o gerente da queria loja de
discos Empire Records. Empolgado com a possibilidade de fechar a loja pela
primeira vez, ele é pego de surpresa ao se deparar com um documento de venda do
estabelecimento em que trabalhava. Acreditando que o seu chefe, o bondoso Joe
(Anthony LaPaglia), estivesse passando por apuros financeiros, o bem
intencionado Lucas resolve arriscar e decide apostar todo o dinheiro guardado
no cofre da loja numa mesa de dados em Las Vegas. Obviamente os seus planos não
saem como o esperado, principalmente quando ele descobre que os nove mil
dólares seriam utilizados para impedir o não fechamento da Empire Discos.
Ciente do seu erro, Lucas resolve encarar as consequências ao lado dos outros
funcionários, entre eles o apaixonado A.J (Johnny Whitworth), a depressiva
Debra (Robin Tunney), o carismático Mark (Ethan Embry), a iludida Corey (Liv
Tyler) e a fogosa Gina (Renée Zellweger), sem saber que este poderia ser o
último dia de trabalho para este carismático grupo de amigos.
Fazendo um criativo uso da linguagem de videoclipe, vide os cortes
rápidos, a ritmada montagem e a massiva presença da trilha sonora, Allan Moyle
mostra uma bem vinda despretensão ao investigar as nuances deste entrosado
grupo de jovens. Ainda que sob um viés ágil e superficial, o realizador é
habilidoso ao traduzir os dilemas dos seus singulares personagens, nos dando a
possibilidade de criar uma sincera conexão com eles. Por trás dos diálogos
irreverentes e da aparente irresponsabilidade dos protagonistas, Moyle consegue
ir além da comédia de erros e encontra espaço para transitar com propriedade
por conflitos inerentes ao seu público alvo. Sob um ponto de vista leve e
vibrante, o argumento fala, por exemplo, sobre o amor não correspondido, sobre
a crise de identidade, sobre a pressão familiar, sobre as inseguranças quanto
ao futuro e até mesmo sobre a depressão na juventude. Melhor ainda, aliás, é a
maneira intimista com que o diretor realça o senso de cumplicidade e a
particularidade dos personagens. Com uma câmera sempre móvel em mãos, Moyle
arranca sinceras risadas ao reproduzir tanto as trapalhadas deste grupo, quanto
os momentos mais singelos, transformando a Empire Records no cenário perfeito
para um 'mise en scene' envolvente e naturalmente acolhedor.
Curiosamente, apesar das impiedosas críticas, o longa ajudou a
popularizar a carreira de alguns talentosos atores. A começar pelo ótimo Rory
Cochrane, que recentemente voltou aos holofotes no elogiado Aliança do Crime.
Reconhecido por sua atuação no reflexivo Jovens, Loucos e Rebeldes, o ator
absorve com categoria a confiança do seu Lucas, um tipo cativante capaz de
colocar tudo a perder por suas bisonhas convicções. No mesmo nível do seu
parceiro de cena, a então jovem Renée Zellweger rouba a cena com a fogosa Gina,
uma figura de aparência estereotipada que rende algumas das mais sinceras e
vigorosas sequências do longa. Assim como ela, aliás, a expressiva Robin Tunney
transforma a problemática Debra no elemento mais interessante da película. Dirigida
com sutileza por Allan Moyle, a atriz traduz os tormentos da sua vendedora com
sagacidade e uma pitada de sarcasmo, conseguindo parecer sóbria sem destoar da
proposta bem humorada da película. Para muitos, porém, Sexo, Rock e Confusão
ficou conhecido por representar um dos primeiros grandes papéis da estonteante
Liv Tyler. Na pele da espevitada Corey, a filha do roqueiro Steve Tyler não
encontra maiores dificuldades para reproduzir os anseios da sua personagem, uma
jovem que sonha em ter a primeira relação sexual com um decadente rockstar. Por
fim, no melhor estilo George Bailey, o personagem símbolo de A Felicidade Não
se Compra, Anthony LaPaglia cumpre a sua missão ao tornar crível o zelo do seu
Joe, um homem compreensivo que mesmo nos momentos de maior irritação consegue
enxergar as boas intenções daqueles que o cercam.
Impulsionado pela seleta trilha sonora rock and roll, que transita dos
clássicos (AC\DC, Jimmy Hendrix, Dire Straits e Buggles) à hits tipicamente
noventistas (Cranberries, Quicksand, Dishwalla e Sponge) com enorme originalidade,
Sexo, Rock e Confusão se revela uma comédia despretensiosa recheada de figuras
cativantes e momentos adoráveis. Trazendo consigo uma bem vinda aura positiva,
o longa nos faz enxergar os dilemas e o espírito livre dos seus personagens
numa premissa marcada pela sinceridade e pela cumplicidade.
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