terça-feira, 6 de setembro de 2016

Memórias Secretas

Remissão e culpa

Impulsionado por sua instigante premissa, Memórias Secretas transforma o Mal de Alzheimer num elemento decisivo para a construção de uma elegante e reveladora história de vingança. Mesmo escorado em uma série de soluções frágeis, daquelas que soam exageradamente convenientes à medida que a trama avança, o longa dirigido por Atom Egoyan cumpre a sua missão no que diz respeito à construção do suspense, nos instigando a descobrir a verdade por trás da obstinada busca do senil Zev (Christopher Plummer). Em suma, uma obra capaz de surpreender, um fato cada vez mais raro dentro deste concorrido gênero. 

Na trama, após perder a sua querida esposa Ruth, o desmemoriado idoso resolve dar início a um misterioso plano, uma caçada a um nazista que teria aniquilado a sua família e a de muitos amigos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Seguindo o plano arquitetado pelo seu amigo Max (Martin Landau), Zev decide fugir com apenas alguns dólares e uma carta, um apanhado de informações que iria guia-lo sempre que a sua memória falhasse. Ao longo desta desgastante jornada, no entanto, Zev terá que lutar não só contra a sua limitação física, mas  também com as consequências em torno deste reencontro com um passado trágico e devastador. 


Sem apelar para os melodramas, o argumento assinado por Benjamin August é habilidoso ao construir o drama do seu protagonista. Mesmo sem se aprofundar no passado de Zev, o roteiro consegue realçar os traumas, a dor e os mistérios por trás do confuso personagem, revelando somente o necessário para que o espectador possa criar um vínculo com ele e com a sua nebulosa jornada. Além disso, Egoyan é cuidadoso ao construir a gradativa escala de tensão, principalmente nos encontros de Zev com os possíveis algozes, criando sequências contidas, amargas e naturalmente penosas. À medida que o longa avança, no entanto, o realizador não consegue se desvencilhar dos problemas de acabamento da trama. Ainda que a reviravolta final seja bem construída, Egoyan se prende a uma série de soluções inegavelmente frágeis, por vezes repetitivas, reduzindo o senso de realidade em torno do drama de Zev. Os lapsos de memória do personagem, por exemplos, são explorados com exagerada conveniência, se distanciando da realidade daqueles que realmente sofram do Mal de Alzheimer. Somado a isso, o argumento parece subestimar a inteligência do espectador em alguns momentos, principalmente quando se rende as didáticas e desnecessárias explicações acerca dos planos do vingativo judeu. Por diversas vezes, inclusive, o roteiro é que parece sofrer de amnésia, vide o desnecessário epílogo e as redundantes aparições de Max. 


Menos mal que, em meio a estes inegáveis deslizes narrativos, o talentoso elenco mostra serviço e torna crível as nuances dos seus personagens. Dono de um vigor inabalável, Christopher Plummer impressiona ao construir o obstinado Zev, um tipo frágil, simpático, mas que esconde segredos e sofrimento. Sem apelar para recursos visuais, como flashbacks e imagens de arquivo, Atom Egoyan encontra neste veterano ator a expressividade necessária para traduzir o impacto do holocausto na rotina de um sobrevivente. Com um menor tempo em cena, Martin Landau mostra o seu reconhecido talento ao absorver a intensidade de Max, uma figura sedenta por vingança que se revela a grande mente por trás dos planos de Zev. No melhor estilo 'road movie', o restante do envelhecido elenco tem aparições ocasionais, mas impactantes, com destaque para Bruno Ganz, Dean Norris e Jürgen Prochnow. 


Longe de ser um suspense impecável, Memórias Secretas funciona ao transitar com um bem vindo comedimento por temas árduos e naturalmente incômodos. Com uma trilha sonora crescente, decisiva para a construção da atmosfera de tensão, Atom Egoyan mostra categoria ao "proteger" os segredos em torno do seu protagonista, escancarando os mais incômodos fantasmas por trás de um conflito do porte da Segunda Guerra Mundial. 

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