terça-feira, 30 de agosto de 2016

Águas Rasas

Blake Lively encarna a personagem mais 'bad-ass' do ano num suspense vibrante e surpreendente

Dono de uma consistente filmografia, o versátil Jaume Collet-Serra já merece ser considerado uma referência no que diz respeito a construção do suspense nos seus projetos. Mesmo nos seus trabalhos menos inspirados, como o curioso A Casa de Cera (2005) e o esquecível Desconhecido (2011), o realizador espanhol esbanja destreza ao manter o clima de tensão sempre em alta, instigando o espectador independente do gênero no qual o seu filme esteja inserido. Recentemente, por exemplo, ele causou arrepios com o terror A Órfã (2009), explorou a paranoia terrorista no thriller Sem Escalas (2014) e resgatou a adrenalina do cinema de ação no vigoroso Noite Sem Fim (2015). Em nenhuma destas produções, porém, Collet-Serra chegou perto de provocar o nível de aflição apresentado no surpreendente Águas Rasas. No trabalho mais virtuoso de sua carreira, o diretor supera o desafio que é filmar em baixo d'água com louvor e nos brinda com um suspense de sobrevivência vibrante, reluzente e absolutamente memorável. Uma obra que, apesar dos seus inegáveis predicados técnicos, se preocupa também com o fator humano, encontrando na radiante Blake Lively a energia necessária para compor a personagem feminina mais 'bad-ass' deste ano de 2016.




Com agilidade e poder de síntese, o argumento assinado por Anthony Jaswinski (Mistério da Rua 7) consegue ser simples sem parecer óbvio. Por mais que a premissa possa soar forçada num primeiro momento, afinal de contas não é todo dia que vemos uma mulher ir surfar sozinha numa praia deserta, o roteiro consegue encontrar maneiras para tornar crível esta opção e criar uma ligação afetiva entre a protagonista e a paradisíaca enseada. Na trama, ainda convivendo com uma dolorosa perda, a jovem Nancy (Lively) deixa a sua família para trás e parte para uma viagem solitária pelos confins do México. Aventureira e destemida, a ex-médica resolve tomar carona com um habitante local rumo a uma ensolarada praia, um point de surfe deserto e naturalmente belo. Impressionada com a beleza, Nancy não perde tempo e resolve explorar o mar antes que a maré desça. Numa destas peças do destino, no entanto, a jovem é surpreendida pelo ataque de um devastador tubarão branco. Sozinha e acuada, ela precisará utilizar todo o seu instinto para conseguir sobreviver, iniciando uma dolorosa batalha contra a natureza selvagem.


Mesmo se rendendo às soluções familiares em alguns momentos, vide a irrelevante relação da protagonista com uma pequena ave lesionada, Águas Rasas não poupa o espectador no que diz respeito ao sofrimento da sua personagem. Numa mistura de maquiagem e efeitos sonoros, Jaume Collet-Serra transforma os enxutos noventa minutos de projeção numa experiência angustiante e naturalmente impactante aos olhos do público, realçando a dor por trás de cada uma das lesões sofridas por Nancy ao longo da película. Somado a isso, o realizador espanhol cria uma sufocante atmosfera de tensão ao realçar os perigos em torno da protagonista, principalmente quando ela adentra o mar. No melhor estilo Tubarão (1975), o clássico de Steven Spielberg que se tornou um dos primeiros grandes blockbusters de verão nos EUA, Collet-Serra faz um expressivo uso da câmera subjetiva, ressaltando que a ameaça sempre está a espreita dela. Impulsionado pela colorida fotografia de Flavio Martínez Labiano (Sem Escalas), impecável ao capturar o misto de cores e luzes em torno do paradisíaco cenário, o diretor investe pesado também nas cenas submersas, driblando as dificuldades de se filmar num ambiente marítimo ao criar uma série de momentos empolgantes, críveis e absolutamente memoráveis. Por diversas vezes, inclusive, chega a impressionar a facilidade com que o realizador emerge, submerge e eleva a sua câmera, acompanhando por diversos ângulos e enquadramentos a luta da protagonista pela sua vida. Sem querer revelar muito, as sequências de surfe são de tirar o fôlego, assim como os vistosos takes aéreos e as cenas de ação envolvendo Nancy e o gigantesco tubarão.


Neste sentido, aliás, é preciso elogiar a maneira pontual e esperta com que Jaume Collet-Serra explora o recurso do CGI. Apesar de rodado em ambientes reais, o realizador optou por utilizar a computação gráfica para criar o gigantesco tubarão branco, construindo uma criatura crível e realmente ameaçadora. Indo de encontro ao clássico Tubarão, que, limitado pelos problemas envolvendo o pesado protótipo desenvolvido para as filmagens, se viu obrigado a apostar no poder da sugestão, Águas Rasas coloca o animal no centro da trama, o transformando num elemento decisivo para a construção do suspense. Melhor ainda, no entanto, é a maneira com que o realizador espanhol passeia pelos dilemas pessoais da protagonista. Ainda que brevemente, o argumento é sutil ao abrir uma generosa brecha para introduzir o passado de Nancy, permitindo que o espectador sinta o seu drama e crie uma sincera conexão com ela. Uma opção que só adiciona mais ingredientes para a surpreendente performance de Blake Lively. Conhecida pela série Gossip Girl, a atriz demonstra uma força até então inédita em sua carreira, nos fazendo crer na resiliência e na energia da sua determinada personagem. Dona de uma beleza estonteante, Lively nos presenteia com um tipo carismático e independente, indo da frágil à 'bad-ass' com extrema confiança. Méritos que, verdade seja dita, precisam ser divididos com Jaume Collet-Serra, impecável ao impedir que a sua protagonista seja reduzida a um mero símbolo sexual.


Fazendo um excelente uso dos gadgets tecnológicos (relógios, celulares, Go Pro), que situam a trama e unem os personagens com inteligência e naturalidade, Águas Rasas se revela um dos raros filmes de tubarão capaz de fazer jus ao clássico setentista de Steven Spielberg. Contando ainda com a evocativa trilha sonora Marco Beltrami, fundamental para a construção da atmosfera de suspense, o longa eleva o patamar da carreira de Jaume Collet-Serra ao se revelar uma película intensa, repleta de ritmo e inquestionavelmente bem filmada. Na verdade, após os excelentes Sem Escalas (2014) e Noite sem Fim (2015), acho que chegou a hora de encarar o diretor espanhol não mais como uma surpresa, mas como um nome que já merece ser considerado uma certeza em Hollywood.

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