terça-feira, 10 de novembro de 2015

Ruth e Alex

Freeman e Keaton injetam cumplicidade a este adorável 'feel good movie'

Com os veteranos Morgan Freeman e Diane Keaton em grande forma, Ruth e Alex é adoravelmente despretensioso ao promover uma inusitada mistura de situações. A partir de um interessante ponto de partida, a dolorosa venda de um apartamento no Brooklyn, o diretor Richard Loncraine (Wimbledon: O Jogo do Amor) realiza uma espécie de raio-x sobre a relação de um apaixonado casal de setentões, explorando com extrema naturalidade o misto de emoções em torno desta negociação. Numa combinação pouco usual, romance, especulação imobiliária e ameaça terrorista se confundem numa premissa improvavelmente bem amarrada, contrastando a humanidade dos protagonistas com voracidade da cidade de Nova Iorque. O resultado é um 'feel good movie' divertido que, mesmo previsível, questiona de maneira honesta o estilo de vida das novas gerações.


Centrado basicamente na relação deste experiente casal, o argumento assinado por Charlie Peters, adaptando o livro de Jill Ciment, discorre através de um ponto de vista maduro e otimista sobre a estrutura dos relacionamentos atuais. Fazendo da apressada Nova Iorque o cenário ideal para a sua crítica, Loncraine adota um tom quase nostálgico ao falar sobre o amor na terceira idade e o envelhecimento em uma grande cidade, valorizando sentimentos como a cumplicidade, o respeito mútuo e a afetuosidade. Na trama, encontrando dificuldades para subir as escadas do seu adorado apartamento, a ex-professora Ruth (Keaton) e o pintor Alex (Freeman) decidem colocar o seu lar a venda. Mesmo sabendo da paixão do marido pelo imóvel, comprado há quarenta anos no antes desvalorizado bairro do Brooklyn, ela decide colocar a negociação nas mãos da sua sobrinha Lily (Cynthia Nixon), uma determinada corretora que logo inicia um frenético leilão pelo apê. Uma correria desenfreada que só aumenta quando um suspeito de terrorismo é visto pelo bairro, reacendendo o alerta vermelho em torno dos trágicos atentados do 11\09.


Costurando passado e presente com enorme sutileza, Richard Loncraine é categórico ao passear pelas memórias afetivas dos protagonistas. Entre flashbacks e pontuais narrações, o realizador inglês transforma o apartamento um verdadeiro personagem, fazendo dele - e logicamente da iminente despedida - uma espécie de estopim para a reflexão em torno dos quarenta anos de lembranças vividas no imóvel. Sem grande alarde, o longa é contido ao levantar temas espinhosos, se distanciando - na medida do possível - da atmosfera melodramática ao evidenciar os dilemas deste simpático casal. Ainda que a magnética Claire van der Boom e o esforçado Korey Jackson se saiam bem ao darem vida a versão jovem do casal, a força motora de Ruth e Alex reside nas soberbas atuações de Morgan Freeman e Diane Keaton. Tirando proveito do esperto argumento e da intimista direção de Loncraine, a dupla de veteranos exibe uma incrível elegância ao potencializar as nuances dos seus respectivos personagens, construindo dois tipos completamente distintos. Talvez a grande dama do cultuado Woody Allen, Keaton novamente impressiona ao construir uma mulher moderna, determinada, que nunca se acomoda diante dos obstáculos. Exibindo a sua particular feminilidade, a atriz encara o romantismo de sua personagem com enorme praticidade, esbanjando química e cumplicidade ao construir a relação com Freeman. Com a sua voz marcante, o veterano ator exibe um afiado senso de humor, dando a Alex um ar naturalmente descompromissado.


Inspirado ao conceber este caprichada relação, o argumento não é tão preciso ao propor esta análise acerca do frenético modo de vida atual. Por mais que os questionamentos sejam interessantes, principalmente quando ressaltam a paranoia e a intolerância dos norte-americanos em torno da ameaça terrorista, as subtramas nos quais eles estão inseridos são desenvolvidas de forma caricata, potencializando alguns dos estereótipos mais comuns envolvendo os moradores de uma metrópole. Desta forma, enquanto o experiente casal de protagonistas é divertido, culto e refinado, os personagens mais novos são mal humorados, artificiais e\ou esquisitos, criando por diversas vezes um forçado contraste. Ao menos a acelerada Lily, vivida com desenvoltura por Cynthia Nixon (a Miranda de Sex and The City) se revela uma das boas surpresas da trama, expondo com irreverência a especulação imobiliária no agora valioso bairro do Brooklyn. Independente da previsibilidade do último ato, que encerra a jornada do casal de maneira acelerada, Ruth e Alex merece elogios por não se garantir somente no talento dos expressivos Morgan Freeman e Diane Keaton. Ainda que os dois carismáticos veteranos sejam a alma do longa, o inglês Richard Loncraine foge do lugar comum ao dar corpo a uma premissa no mínimo curiosa, trabalhando com situações pouco usuais dentro das comédias românticas.


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