Resgatando as tradições da franquia, Spectre é protocolar ao arrematar a jornada do "novo" James Bond
Bradando aos quatro ventos que não deseja retornar ao papel de James Bond, Daniel Craig inegavelmente cumpriu a sua missão à frente do icônico agente 007. Apesar das críticas iniciais em torno da sua ousada escalação, os fãs mais intransigentes chegaram a ameaçar um boicote por o achar distante do tipo físico idealizado por Ian Flemming, o ator inglês comprovou já no fantástico Cassino Royale (2006) que tinha todos os requisitos para brilhar. Aliando talento à força, Craig soube explorar as evidentes mudanças no rumo da franquia, que resolveu se render as sequências de ação realísticas e ao tom mais sóbrio, absorvendo esta roupagem mais humana e emocionalmente profunda envolvendo a "nova" versão do agente 007. Desta forma, após o truncado Quantum of Solance (2008) e o magnífico Operação Skyfall (2012), de longe o que melhor soube equilibrar o passado e o presente da série, Daniel Craig volta a ser o principal trunfo da película no divertido 007 Contra Spectre. Novamente sob a batuta do refinado Sam Mendes (Beleza Americana), o longa arremata de maneira protocolar o arco do "novo" James Bond, se garantindo muito mais nas espetaculares sequências de ação e no carisma do protagonista, do que propriamente na qualidade do inconstante argumento.
E esse talvez seja o principal problema da nova investida do agente 007. Apesar das excessivas duas horas e meia de projeção, Spectre possui o argumento mais raso da "era Daniel Craig", subaproveitando interessantes questões na ânsia de resgatar alguns dos elementos mais tradicionais da franquia. Procurando dialogar tanto com o passado recente do personagem, marcado por traumas envolvendo a misteriosa Vesper Lynd (Eva Green) e a sua mentora M (Judi Dench), quanto com algumas das mais icônicas figuras da série, o roteiro assinado por John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth segue um caminho mais seguro ao construir o desfecho da jornada de James Bond. Ainda convivendo com as consequências da trágica operação Skyfall, Bond (Craig) resolve, contra a vontade do seu chefe M (Ralph Fiennes), seguir o paradeiro de uma poderosa organização secreta chama Spectre. Contando com o auxilio dos seus parceiros Q (Ben Whishaw) e Moneypenny (Naomie Harris), ele entra em rota de colisão com o misterioso Franz Oberhauser (Christoph Waltz), iniciando um jogo de gato e rato que poderá mudar o destino da sua própria agência. Principalmente quando C (Andrew Scott), o novo chefe do departamento de segurança, resolve colocar um fim nos agentes 00, iniciando um plano de vigilância mundial que iria tornar defasada as missões da agência de espionagem MI-6.
Numa época em que os escândalos de espionagem andam em alta, vide a polêmica do Wikileaks e dos "grampos" do governo norte-americano, Sam Mendes e os roteiristas não parecem muito interessados em explorar este atualizado pano de fundo. Na verdade, ainda que o "fim" do MI-6 seja uma ameaça velada ao longo da trama, se revelando um dos pontos altos da película graças à nebulosa figura vivida por Andrew Scott, o argumento parece realmente disposto a reintroduzir alguns dos mais icônicos elementos da franquia. Em meio as novas peripécias do agente James Bond, aqui mais inabalável e confiante do que nos seus três primeiros longas, Mendes não demonstra a mesma inspiração ao dialogar com os filmes anteriores, recorrendo exageradamente ao passado da série cinematográfica. Pra ser sincero, enquanto os excêntricos Mr. Hinx (Dave Bautista) e Oberhauser (Waltz) remetem naturalmente aos melhores antagonistas da saga, se tornando dois oponentes à altura de Bond, algumas outras referências são praticamente jogadas em cena, funcionando apenas como 'easter eggs' para os fãs mais atentos. Além disso, mesmo conseguindo se distanciar da previsibilidade, o roteiro também patina ao desenvolver - dentre outras coisas - as personagens femininas. No ano em que Rebecca Fergunson se tornou a maior surpresa do fantástico Missão Impossível: Nação Secreta, chega a ser frustrante ver as talentosas Monica Bellucci, uma coadjuvante de luxo, e Léa Seydoux, numa personagem um pouco mais interessante, reduzidas a tipos tão burocráticos. Um retrocesso dentro da própria franquia, que recentemente viu Eva Green, Judi Dench e a própria Naomie Harris roubar a cena em papéis instigantes e bem elaborados.
Por outro lado, ainda que Bond siga no centro das atenções, é legal ver como o roteiro abre espaço para os outros agentes do MI-6. Enquanto Ben Whishaw se torna o responsável por alguns dos melhores alívios cômicos como o nerd Q, Harris volta a se destacar como a confiável Moneypenny, colaborando ativamente nas explosivas investidas do agente 007. Nada que, no entanto, supere a intensa performance de Daniel Craig. Apesar do seu discurso pessimista quanto ao retorno à franquia, o ator inglês está completamente à vontade em cena, potencializando o charme, a frieza e a confiança deste tradicional personagem. Na verdade, ainda que o argumento prefira se concentrar na ação e nos novos romances do agente, Craig faz o possível para explorar as nuances do protagonista, que surge em Spectre mais convicto e menos abalado emocionalmente. Exibindo uma evidente química com a bela Léa Seydoux, o ator constrói também uma particular relação com o vilanesco personagem interpretado por Christoph Waltz. Mesmo exageradamente protegido pela comportada trama, o que o coloca abaixo dos excelentes Silva (Javier Badem) e Le Chiffre (Mads Mikkelsen), o cerebral Oberhauser cresce ao longo do elegante último ato, elevando consideravelmente o nível da película. Méritos que precisam ser divididos com a fantástica fotografia de Hoyte Van Hoytema e com a estilosa direção de Sam Mendes, que amenizam a superficialidade do roteiro ao fazer de Spectre um espetáculo visual irretocável. Desde a impressionante cena de abertura, quando Bond entra em ação durante a celebração do Dia dos Mortos no México, o refinado realizador adiciona sofisticação as enérgicas sequências de ação, explorando com perícia as sombras, os cenários escuros, as coreografias e as excelentes perseguições.
No embalo da vibrante trilha sonora de Thomas Newman, que repete o ótimo desempenho apresentado em Operação Skyfall, 007 Contra Spectre se distancia dos riscos ao pontuar o arco do "novo" James Bond de maneira correta e inegavelmente satisfatória. Responsável por trazer um pouco mais de humanidade ao agente criado por Ian Fleming, Daniel Craig supera os altos e baixos do roteiro ao tornar crível a jornada de amadurecimento do seu protagonista. Na ânsia de resgatar alguns dos elementos mais icônicos da franquia, no entanto, Sam Mendes abre mão da profundidade e do senso de urgência presente na "Era Craig" ao valorizar de maneira exagerada os 'gadgets', o charme das 'Bond Girls' e o retorno de velhos conhecidos.
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