Antes de qualquer coisa, como é bom ver Johhny Depp de volta às grandes atuações. Após se dedicar a alguns personagens risíveis e colecionar antes impensáveis fracassos de público, o astro da franquia Piratas do Caribe volta a se levar a sério no violento Aliança do Crime. De longe o principal trunfo da película, Depp mostra a sua faceta mais assustadora ao encarnar o mafioso Jimmy "Whitey" Bulger, elevando consideravelmente o nível deste elegante, mas oscilante drama biográfico. Sob a batuta do talentoso Scott Cooper, dos intensos Coração Louco e Tudo por Justiça, o longa merece elogios pela forma com que se distancia do "glamour" dos populares filmes envolvendo a Máfia, propondo um relato cru e nada condescendente sobre este chefão do crime organizado de Boston. Quando se concentra na tal "aliança", no entanto, o argumento peca pela superficialidade, desperdiçando o talentoso elenco de apoio e uma história real por si só poderosa.
Narrado a partir dos depoimentos dos principais "colaboradores" de Whitey, o argumento assinado por Mark Mallouk e Jez Butterworth, inspirado no livro homônimo dos jornalistas Dick Lehr e Gerard O'Neill, é bem melhor resolvido quando o assunto é o mafioso irlandês. Através de uma narrativa ágil e nada didática, valorizada pelo caprichado cenário setentista\oitentista reproduzido pela equipe de direção de arte, Cooper é habilidoso ao introduzir a ascensão de Jimmy Bulger (Depp), um gangster de segunda categoria que nasceu e construiu a sua reputação na zona sul de Boston. Irmão do senador Billy Bulger (Benedict Cumberbatch), Whitey e a sua gangue viviam de pequenas contravenções, já que a área era dominada pela máfia italiana. Tudo muda, no entanto, quando o agente do FBI John Connely (Joel Edgerton), amigo de infância dos irmãos Bulger, decide firmar uma aliança com o criminoso. Em troca de informações privilegiadas sobre o chefão da máfia Jerry Angiulo (Bill Haims), Jimmy teria a proteção dos federais em seus "negócios". Enxergando neste acordo a chance de prosperar no crime organizado, Jimmy ultrapassa todos os limites ao construir um império no submundo da cidade de Boston, iniciando uma onda de violência que logo colocaria em cheque esta parceria com o FBI.
Confundindo agilidade com superficialidade, o roteiro de Aliança do Crime é ao menos competente ao desenvolver a trajetória de Jimmy Bulger. Num relato nada indulgente, Scott Cooper explora como pode as nuances do instável mafioso, evidenciando a frieza, a violência e também a ligeira dose de humanidade presente nesta agressiva figura. Acompanhando alguns dos principais episódios da vida pessoal deste criminoso, e como eles refletiram na postura do personagem, o argumento encontra no talento de Johnny Depp os predicados para reproduzir a complexa persona do irlandês. Com as suas feições completamente alteradas, num belíssimo trabalho da equipe de maquiagem, o ator cria um tipo assustador que se distancia da visão glamourosa com que Hollywood se acostumou a pintar os gangsteres. Depp vai do contido ao explosivo com rara inspiração, criando uma aura naturalmente sinistra potencializada pelos raivosos olhos azuis de Bulger e pela sua fala mansa e amedrontadora. Um dos pontos altos da trama, inclusive, fica para a relação entre o irlandês e o seu braço direito Steve, interpretado com absoluta intensidade por Rory Cochrane. A partir do ponto de vista deste interessante personagem, Cooper revela a faceta mais cruel de Whitey, construindo uma parceria que gradativamente vai se deteriorando.
À medida que a aliança entre criminoso e FBI ganha corpo, no entanto, o longa perde força, principalmente pela forma rasa com que o roteiro reproduz esta complexa relação. Com uma série de personagens em mãos, a maioria deles subaproveitados pelo argumento, Scott Cooper até consegue se manter fiel aos fatos, mas em nenhum momento confere o peso esperado para uma história deste porte. Por mais que a parceria entre os irmãos Bulger e o agente Connely seja introduzida com correção, Cooper e os roteiristas não parecem muito interessados em explorar os bastidores desta perigosa amizade, nem tão pouco o suspense policial, esvaziando algumas promissoras questões. A começar pela própria ascensão de Whitey, que em nenhum momento parece ter se tornado o chefão do crime organizado de Boston. Na verdade, entre crimes violentos e negociações repentinas, muito do "poder" do protagonista vem exclusivamente da odiosa persona concebida por Depp. Além disso, apesar da sucinta e elegante presença de Benedict Cumberbatch, a relação entre o senador e o seu irmão criminoso é totalmente subestimada, rendendo somente uma ou duas boas cenas. O grande pecado da película, porém, fica pelo problemático arco envolvendo o agente interpretado por Joel Edgerton. Ainda que o código de ética entre os dois amigos seja bem explorado pela trama, o talentoso ator australiano não encontra tempo hábil para tornar crível o misto de inocência, confiança e ambição do seu personagem, ficando uns degraus abaixo do seu companheiro de cena.
Falhando ainda ao desenvolver a relação de Whitey com a esposa, numa breve aparição da bela Dakota Johnson, e ao introduzir a sua conexão com o IRA, talvez a maior derrapada do roteiro, Aliança do Crime se revela um relato apenas correto sobre esta escusa parceria entre o FBI e a máfia irlandesa de Boston. Contundente ao reproduzir a onda de violência liderada por Jimmy "Whitey" Bulger, Scott Cooper até se esforça, a sua condução refinada compensa a evidente oscilação da trama, mas é graças ao desempenho de Johnny Depp que a película atinge um nível realmente aceitável. Um ator que, após "brincar" em títulos como Sombras da Noite (2012), O Cavaleiro Solitário (2013), Caminhos da Floresta (2014) e Mortdecai (2015), retorna a sua melhor forma ao construir um personagem poderoso e naturalmente assustador. Nomes como os de Kevin Bacon, Benedict Cumberbatch, Peter Sarsgaard e Julianne Nicholson, no entanto, não tiveram a mesma sorte e acabaram "atrofiados" pelo raso e previsível argumento.
4 comentários:
Gostei do filme e principalmente das atuações de Johnny Depp e Rory Cochrane, este último tendo um papel de destaque depois de muitos anos esquecido em personagens ruins.
Abraço
Concordo contigo. Eu gostei do filme, mas confesso que esperava mais. Sem dúvidas, as atuações destes dois atores elevam consideravelmente o nível da película. Abraço Hugo.
Gostei bastante do filme.
Valeu pela visita Lucas. Abs.
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