sábado, 10 de outubro de 2015

Dope

Entre o "Clube dos Cinco" e "Os Donos da Rua", longa promove uma vigorosa crítica social 

Questionador, indomável e aventureiro, Dope foge do lugar comum ao esmiuçar os estereótipos raciais enraizados na sociedade norte-americana. Promovendo uma inusitada mistura de gêneros, o afiado longa dirigido por Rick Famuyiwa (Nossa União, Muita Confusão) arranca inúmeras gargalhadas ao flertar tanto com a leveza oitentista dos clássicos juvenis de John Hughes, quanto com o engajamento social de realizadores mais viscerais como John Singleton e Spike Lee. Embalado por uma incrível trilha sonora, recheada de hits do Hip-Hop, o perspicaz argumento rompe com os clichês de ascensão social impostos por uma sociedade racista e desigual ao narrar as desventuras de três garotos dispostos a escreverem a sua própria história. Um relato "moleque", mas absolutamente realístico, que não só traduz com extremo bom humor alguns dos mais universais anseios da juventude, como também deixa uma poderosa mensagem de luta contra o sistema.




Indo dos dilemas geracionais popularizados por Clube dos Cinco (1985) à crítica social 'gangsta' impressa em Os Donos da Rua (1991), o roteiro assinado pelo próprio diretor é desenvolto ao ressaltar a baixa expectativa em torno da formação educacional do jovem afro-americano. Num cenário marginalizado e violento, onde o esporte, a música e o crime eram os principais trampolins de ascensão social, conhecemos os deslocado Malcom (Shameik Moore), um adolescente negro preocupado "com problemas de brancos, como tirar boas notas ou ir para a faculdade". Geek e fã da cultura hip-hop noventista, o inteligente jovem se esforçava para levar uma vida correta e conseguir a sua tão sonhada vaga para a rigorosa universidade de Harvard. Ao lado dos fieis amigos Jib (Tony Revolori) e Diggy (Kiersey Clemons), o garoto sofria as consequências por nadar contra a corrente, sendo frequentemente perseguido por valentões e criminosos devido ao seu jeitão estudioso e o visual considerado ultrapassado. Disposto a experimentar um pouco da popularidade antes da formatura (olha ela ai), o trio resolve aceitar o convite do traficante Dom (Rakim Mayers), um "chefão" da área que os convida para sua festa de aniversário após Malcom o ajuda-lo em uma questão pessoal. Na ânsia de impressionar a bela Nakia (Zoe Kravitz), no entanto, ele se envolve numa desastrada aventura, tendo que "sobreviver" dentro de um mundo a qual parecia não pertencer. 



Num recorte fluido e de atmosfera vibrante, Dope cativa ao contestar de maneira espirituosa as aspirações do jovem negro dentro da sociedade norte-americana. Através do seu obstinado protagonista, um adolescente comum disposto a renegar os estereótipos raciais ao tentar uma chance em uma poderosa universidade, Rick Famuyiwa questiona com o seu humor ácido não só a ineficiência do sistema educacional dos EUA, como também a acomodação individual diante desta realidade naturalmente opressora. Em meio as afiadas referências à cultura pop, Breaking Bad praticamente invade o ensino médio, o argumento é sagaz ao integrar estes temas mais engajados à divertidíssima jornada dos personagens. Ao longo desta imprevisível aventura, Malcom, Jib e Diggy se transformam nos porta-vozes de uma crítica social moleque e sagaz, dialogando com dilemas completamente inerentes a sua geração. Desde as animadas primeiras cenas, quando conhecemos a rotina, a personalidade e os gostos destes amigos, Famuyiwa é preciso ao pintar este cenário naturalmente irreverente, quase satírico, mas que de certa forma reproduz com fidelidade parte dos problemas encarados pelos moradores de um violento bairro do subúrbio americano. Esbanjando energia durante a maior parte da projeção, o roteiro é igualmente preciso ao explorar as peripécias do trio, numa história que cresce à medida que eles se veem presos a um destino tão distante do que planejaram. Desta forma, ao mesmo tempo perigosas e instigantes, as novas experiências vividas por Malcom se tornam decisivas para o rumo da sua jornada.


Melhor ainda, no entanto, é a maneira como o roteiro conduz a dinâmica relação de amizade entre os três adolescentes. Por mais que o texto ágil e a esperta montagem colaborem ativamente, principalmente quando explora visualmente a interface, os memes e alguns dos elementos mais populares das principais redes sociais, o talentoso trio de protagonistas entrega magníficas performances. Exalando química em cena, os três injetam vigor a esta agitada aventura, arrancando inúmeras gargalhadas ao reproduzir a aura nerd dos seus personagens. Figura central da história, Shameik Moore passeia com naturalidade pelos anseios do seu Malcom, indo do orgulhoso ao desesperado com enorme categoria. Apesar do evidente foco na figura do estudioso jovem, Jib e Diggy também são habilmente explorados pela trama, interpretados com afinco pelo hilário Tony Revolori e pela expressiva Kiersey Clemons. A banda fictícia do trio, aliás, adiciona um charme especial à película, potencializada pelas ótimas canções assinadas por Pharrell Williams. Por outro lado, à medida que se aproxima do último ato, o argumento pesa a mão ao arrematar a jornada do protagonista, se distanciando da invejável pegada descompromissada dos dois primeiros atos. Ainda que o reflexivo discurso final do protagonista seja interessante, Famuyiwa não é tão inspirado ao preparar o terreno para o acelerado 'plot twist', subaproveitando uma das sacadas mais inteligentes da irreverente premissa. Além disso, o interesse romântico vivido pela contida Zoe Kravitz não ganha um desenrolar à altura do desempenho da atriz, o que se torna um grande pecado já que o "casal" funciona a contento em cena.


Brincando com a expectativa do público do primeiro ao último minuto, Dope se revela uma aventura estudantil que vai bem além do recorrente baile de formatura. Aclamado no respeitado Festival de Sundance, o longa produzido e narrado (elegantemente) pelo ator Forest Whitaker pincela um relato otimista e altamente descontraído ao narrar a jornada de um jovem sonhador que decidiu encarar as barreiras raciais e lutar pelo seu próprio futuro. Tirando o máximo proveito do fantástico repertório musical e do colorido cenário noventista concebido pela direção de arte, este convidativo longa nos surpreende ao - tal qual o seu protagonista - não se prender a rótulos, estereótipos e as imposições de um gênero.


Filme assistido na 17ª Edição do Festival do Rio. 

2 comentários:

Hugo disse...

Gostei da dica, não conhecia este filme.

Abraço

thicarvalho disse...

É novo Hugo, assisti no Festival do Rio. Fez sucesso lá em Sundance. Extremamente divertido. Abs.