terça-feira, 29 de setembro de 2015

Evereste

Um aterrorizante relato inspirado em fatos


Não espere atos de bravura, grandes heróis ou jornadas de redenção. Evereste não parece interessado em poupar o espectador dos trágicos fatos por trás de uma devastadora história real. Conduzido com intensidade pelo islandês Baltasar Kormákur (Sobrevivente), o longa impressiona ao criar uma atmosfera genuinamente aterrorizante, esmiuçando de maneira nua e crua as desventuras de um grupo de alpinistas durante uma desastrosa incursão ao monte Evereste no ano de 1996. Num ágil recorte envolvendo as passagens de alguns dos pivôs deste fatídico episódio, este assustador representante do cinema catástrofe vai bem além do visual irretocável, trazendo uma elevada dose de oxigênio ao gênero ao valorizar o fator humano e criar uma natural conexão entre público e personagens.

Inspirado em diversos livros e entrevistas envolvendo o pior desastre da história na região do Evereste, o argumento assinado pela dupla William Nicholson e Simon Beaufoy é extremamente habilidoso ao construir os seus personagens e explorar a dinâmica entre eles. Narrando a angustiante escalada sob uma vasta gama de pontos de vistas, o que de longe é um dos grandes atrativos do longa, a trama acompanha a jornada do experiente alpinista Rob Hall (Jason Clarke). Um dos pioneiros no turismo ao monte, o neozelandês prosperou ao guiar os adeptos desta pratica esportiva de maneira segura e completamente planejada. Liderando um grupo de turistas já com experiência em escalada, Rob se une ao excêntrico Scott (Jake Gyllenhaal) e inicia uma nova e aparentemente corriqueira expedição sem saber que uma grande tempestade estava se aproximando. Ao lado de tipos como o espirituoso Beck (Josh Brolin), o esforçado Doug (John Hawkes), o repórter Krakauer (Michael Kelly) e a veterana Yasuko (Naoko Mori), Rob coloca a sua experiência em prática ao ser obrigado a enfrentar o lado mais devastador da montanha em busca de sobrevivência.


Com um timaço do primeiro escalão de estrelas de Hollywood em mãos, Kormákur parece se inspirar no cinema de terror ao desenvolver esta reconhecidamente trágica premissa. Alimentando uma crescente e sempre presente dose de tensão, nas mãos do realizador islandês o Evereste se torna uma espécie de vilão implacável, daqueles que crescem sorrateiramente à medida que os personagens vão o reconhecendo como uma verdadeira ameaça. Em vários momentos, o perigo surge por trás dos protagonistas, sem que eles percebam, nos deixando com uma sensação de impotência digna dos bons representantes do gênero. Embalado pela irretocável fotografia de Salvatore Totino (O Código Da Vinci), que cria um magnífico contraste ao ressaltar as belezas naturais por trás desta opressora montanha, Kormákur faz questão de construir um relato verossímil, ressaltando de maneira visualmente torturante a deterioração física e mental dos alpinistas durante a escalada. Em meio a uma série de sequências vertiginosas, potencializadas pelo desnecessário 3-D, o diretor não se mostra interessado em conceder ao espectador qualquer tipo de alívio, tornando a atmosfera do longa naturalmente aflitiva.


Além disso, no auge do caos, o longa procura se manter fiel aos fatos, tornando o protagonismo de alguns personagens uma questão meramente supérflua. Desta forma, apesar da trama acompanhar de perto a expedição liderada por Rob, se aprofundando de maneira esperta nas motivações do seu grupo de alpinistas, aos poucos o longa cria vínculos com uma série de personagens secundários, que passam a se integrar a trama de maneira completamente orgânica. Permitindo que todos tenham o seu lugar ao sol, nomes como os de Keira Knigthley, Emily Watson, Robin Wright e Sam Worthington ganham merecido destaque dentro do último ato, realçando com sutileza o lado mais dramático em torno desta trágica expedição. Antes disso, no entanto, Jason Clarke, Josh Brolin e John Hawkes entregam performances arrebatadoras, tornando o sofrimento dos seus respectivos alpinistas algo absolutamente comovente. A relação de latente rivalidade entre o cuidadoso Rob e o "vida loka" Scott, aliás, é um dos trunfos bem explorados pelo argumento, principalmente por destacar os diferentes 'modus operandi' de cada um dos guias. 


Ainda que falhe ao explorar temas interessantes, como as questões morais por trás destas perigosas excursões turísticas, Evereste sufoca ao mostrar de maneira assustadoramente realista a incansável luta de um grupo de alpinistas em busca da sobrevivência num ambiente hostil. Atribuindo a imensidão gélida da montanha um certo ar de antagonismo, Baltasar Kormákur é visceral ao evidenciar os obstáculos por trás desta escalada, se mostrando capaz de aterrorizar o espectador sem recorrer a assombrações e criaturas monstruosas. Até porque em muitos casos, a realidade pode ser bem mais assustadora do que a própria ficção.

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