terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Homem Mais Procurado

Phillip Seymour Hoffman fará falta

Último grande trabalho de Philip Seymour Hoffman, O Homem Mais Procurado é um desfecho digno para uma carreira precocemente encerrada. Reconhecido por seus desempenhos contidos, pela grande entrega e pela facilidade em acompanhar as nuances dos mais complexos personagens, Hoffman mostra nesse thriller de espionagem o tamanho da lacuna que a sua morte deixará para os fãs sétima arte. Dirigido com extrema competência por Anton Corbjin (Um Homem Misterioso), o longa oferece ao ator um papel à altura da sua versatilidade, capaz de convencer seja como um famoso escritor, um radialista excêntrico, um carismático padre ou, até mesmo, um espião decadente. Num daqueles típicos casos em que a vida, infelizmente, imita a arte.


E um dos responsáveis por este espião alemão chama-se John Le Carré, autor do livro homônimo que inspirou essa envolvente adaptação. Ex-agente da Inteligência Britânica, o escritor ficou reconhecido por suas obras literárias, quase todas relacionadas à espionagem e a temas recorrentes ao período em que prestou serviços para o MI5 e MI6. Fugindo dos clichês do gênero, que geralmente apostam em espiões sedutores ou na ação interrupta, as obras deste escritor se mostram amplamente críveis, marcada por personagens multidimensionais e pelo ritmo crescente. Qualidades que, diga-se de passagem, são muito bem capturadas pelo roteirista Andrew Bovell, que deixa em segundo plano alguns personagens para se concentrar no desenvolvimento do espião alemão Günther Bachmann (Philip Seymour Hoffman). Um agente da velha guarda que, em meio ao alerta do pós 11\09, se torna uma das maiores armas da inteligência contra possíveis atos terroristas no país.


Ainda se lamentando de uma falha do passado, que acabou o levando a este posto na cidade de Hamburgo, Günther vê a chance de dar a volta por cima quando um imigrante ilegal, o checheno Issa (Grigoriy Dobrygin), aparece na cidade. Ligado diretamente ao Islã, o jovem de passado misterioso chega ao país com o intuito de resgatar a herança deixada por seu pai, um militar russo de conduta obscura. Contando com a ajuda de uma advogada humanista (Rachel McAdams) e de um poderoso banqueiro local (Willem Dafoe), Issa desperta a atenção do agente, que parece farejar a possibilidade de alcançar um "peixe maior" seguindo os passos do muçulmano. A ausência de provas concretas, no entanto, faz com que Günther entre na mira não só do chefe da policia alemã (Rainer Bock), como também de uma decidida oficial norte-americana (Robin Wright). Tentando convencer a alta cúpula da validade de seu plano, o espião alemão terá que confiar naqueles que nunca acreditou para se aproximar de um dos grandes investidores das forças terroristas. 

Sabendo explorar as nuances do agente Günther Bachmann, Philip Seymour Hoffman tem um daqueles desempenhos avassaladores, num papel que parece refletir muito da instabilidade que reconhecidamente já abalava a sua rotina. Desmistificando a figura do espião, que aqui ganha um ar cansado, quase decadente, o ator mostra intensidade ao reproduzir a alternância emocional do seu personagem. Inicialmente frio e distante, à medida que Günther vai se aproximando do seu objetivo, Hoffman evidencia as tensões e incertezas em torno do agente, com um desempenho humano e expressivo. Méritos que, aliás, precisam ser divididos com o diretor Anton Corbjin, impecável na condução não só de Philip Seymour Hoffman, como também do ótimo elenco. Apostando em caprichados planos-sequência, a maioria deles protagonizados por Hoffman, o diretor holandês mantém o mistério até a última sequência, se aproveitando com habilidade do elaborado argumento e dos complexos personagens. Com direito ao contido desempenho de Grigoriy Dobrygin, surpreendente como o enigmático Issa, a usual competência de Rachel McAdams, relutante como uma advogada idealista, e a impressionante Robin Wright, que brilha como uma oficial de moral dúbia.


Conduzindo com grande estilo por Anton Corbjin, O Homem Mais Procurado poderia, facilmente, ficar marcado por ser o último grande papel da carreira de Philip Seymour Hoffman. Seria injusto da minha parte, porém, resumir esse thriller de espionagem ao magnetismo em torno do agente alemão vivido por ele. Apostando numa trama de ritmo invejável, que acrescenta altas doses de tensão a momentos aparentemente despretensiosos, o diretor holandês encontra numa roupagem simples o verdadeiro trunfo deste inteligente e elegante suspense.

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