quinta-feira, 27 de março de 2014

47 Ronins

Ainda que superficialmente, longa acerta ao transferir para o universo pop as lendas e mitos envolvendo o Japão feudal


Se inspirando em uma das mais tradicionais lendas envolvendo o Japão feudal, 47 Ronins chega aos cinemas trazendo a primeira versão Hollywoodiana deste mitológico conto envolvendo Samurais. Apresentando uma abordagem mais voltada à cultura pop, o longa dirigido pelo estreante Carl Rinsch aposta as suas fichas na exótica estética visual e na frieza de Keanu Reeves para tentar dar vida a essa cultuada passagem na história do Japão. Explorando temas como lealdade, honra e vingança, os realizadores conseguem fazer um filme pipoca sem desrespeitar a essência deste clássico mito. A superficialidade da trama e a falta de experiência do diretor, no entanto, acabam limitando o potencial deste longa. 

Sétima adaptação cinematográfica deste conto*, 47 Ronins narra a história de Kai (Keanu Reeves), um mestiço de passado obscuro que passa a ser criado no próspero vilarejo de Ako. Apesar de não ser tratado como igual, principalmente pelo Samurai Ôishi (Hiroyuki Sanada), Kai tem o respeito de Lorde Asano (Min Tanaka), líder deste povo. A prosperidade que reina o local, no entanto, acaba sendo perturbada quando o Shogun Tsunayoshi (Cary-Hiroyuki Tagawa) chega ao vilarejo para um grande evento, trazendo ao seu lado o lorde Kira (Tadanobu Asano). Alimentando uma grande rivalidade com o Lorde Asano, Kira acaba se juntando a uma maldosa feiticeira (Rinko Kinkuchi) para dar início a um grande plano que acabaria não só com a honra de Asano, mas também com a paz que cercava o vilarejo de Ako.


Apostando em um roteiro eficiente, que segue à risca a cartilha dos bons filmes de ação, a trama assinada por Chris Morgan e Hossein Amini explora de forma interessante todos os ideais que cercavam este período. Lidando muito bem com questões como honra e justiça, características do povo japonês, a trama apresenta ao espectador interessantes rituais envolvendo esta época. Mesmo sem ser extremamente didático, opção que merece destaque, o estreante Carl Rinsch mostra cuidado ao desenvolver icônicas cerimônias para os asiáticos. Somos apresentados assim a termos nem tão conhecidos para nós ocidentais, como Ronin, Shoggun, Bushido e Seppuku. Ainda que o argumento não se aprofunde nos ideais japonenses, os roteiristas - ao menos - demonstram respeito por esses rituais, que ganham uma interessante abordagem. Com destaque para o seppuku, um ato de suicídio voltado para a classe guerreira. Um sinal de honra para qualquer Samurai derrotado, condenado ou envergonhado por suas atitudes. Filmado com muita categoria por Rinsch, que, aliás, explora com destreza o lado exótico deste período, as cenas envolvendo o ritual são genuinamente belas. Um dos grandes acertos do filme, que apesar de não esconder o seu lado comercial, procura se manter fiel  à lenda destes Samurais. Apostando numa interessante mescla entre paisagens virtuais e grandes cenários, a estética visual de 47 Ronins contribui para o bom clima criado, conseguindo transportar o espectador para um colorido Japão feudal. Demonstrando cuidado com o figurino e a maquiagem, a parte artística se torna o principal trunfo do longa. Por outro lado, apesar do bem construído apelo visual, Carl Rinsch é pouco hábil na condução das sequências de ação. Com uma câmera muito movimentada e cortes rápidos, algumas das lutas não são tão exploradas como deveriam.


O principal problema do longa, no entanto, fica pela falta de cuidado com relação a trama. Na verdade, durante a pré e a pós-produção aconteceram uma série de mudanças na história, inclusive no processo de edição, o que influenciou diretamente no corte final. Apesar do bom ritmo, o roteiro acaba pecando nos detalhes e apostando em soluções pouco inspiradas. Além da já citada superficialidade em torno da história, o desenvolvimento de alguns personagens deixa a desejar. A começar pelo extremamente frio Kai. Apesar da boa entrega de Reeves, que com sua pouca expressividade pareceu a escolha ideal para o papel, o passado envolvendo o mestiço e as intenções dele não são bem trabalhadas. Outro ponto que incomoda fica pelo desenvolvimento do vilão Lorde Kira. O que deveria ser o principal antagonista da trama, Kira ganha uma versão frágil e de motivações dúbias, ficando muito aquém do time de Samurais. Ele, no entanto, acaba salvo pela ótima figura da Feiticeira, muito bem interpretada pela promissora Rinko Kikuchi (Círculo de Fogo). Ainda sobre o elenco, o time de atores japoneses se mostrou uma escolha certeira da produção. Um dos destaques do longa Wolverine - Imortal, Hiroyuki Sanada vai muito bem como o complexo Oishi. Personagem de maior carga dramática, Sanada demonstra eficiência não só nas cenas mais físicas, como também nos momentos mais densos. Quem também deixa um bom cartão de visitas é Kô Shibasaki. No primeiro grande papel em Hollywood, Shibasaki não decepciona como a frágil filha do Lorde Asano. Vale destacar ainda os desempenhos de Min Tanakka, que constrói um respeitoso Asano, do experiente Cary-Hiroyuki Tagawa e do carismático Takato Yonemoto.


Ainda que seja muito asséptico para um filme de samurais, em função da baixa classificação etária, 47 Ronins é uma exótica e divertida versão desta clássica lenda japonesa. Apostando em uma trama funcional e nos bem aplicados recursos visuais, os realizadores tem como grande mérito o fato de transformarem em filme pipoca uma das mais sangrentas e violentas histórias do Japão feudal. Conseguindo, mesmo que de forma superficial, demonstrar algum respeito com o passado e a história do povo asiático.


* As anteriores foram A Vingança dos 47 Ronin (1941), Chûshingura (1958), Os Vingadores (1962), Akô-jô Danzetsu (1978), Shijûshichinin no Shikaku (1994) e Saigo no Chûshingura (2010).

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