Trilha sonora marcante e grandes atuações dão o tom para esse intenso e pessimista drama
Com base no texto original assinado pelo protagonista Johan Heldenbergh e adaptado pelo próprio Felix Van Groeningen, Alavama Monroe narra a história do casal Didier (Heldenbergh) e Elise (Veerle Baetens). Enquanto Didier é um músico sonhador, entusiasta do estilo de vida americano, Elise é uma bela tatuadora, marcada por um passado repleto de fracassos envolvendo os relacionamentos amorosos. Encantada pelo talento de Didier, Elise logo se apaixona pelo cantor. E dessa passional relação acaba nascendo a bela Maybelle (Nell Cattrysse), uma inesperada filha que muda drasticamente o estilo de vida dos dois. Sem deixar a música de lado, Didier e Elise passam assim a se dedicar integralmente a pequena filha, encontrando a felicidade e o rumo que tanto buscavam para as suas vidas. O aparente conto de fadas, no entanto, é travado pela surpreendente doença da bela Maybelle. Despedaçados com a descoberta da leucemia, o casal inicia uma luta não só para salvar a criança, mas também para manter vivo o - até então - inabalável elo entre os dois.
Apostando numa narrativa não linear repleta de idas e vindas em relação a vida do casal, Alabama Monroe surpreende por seu interessante ritmo e pela forma como consegue costurar os fragmentos desta conflitante história de amor no melodrama familiar. Desde a primeira cena, quando Didier surge na tela se apresentando em um show, nós somos instigados a desvendar o futuro deste casal apaixonado. Explorando muito bem cenas contrastantes, aliadas a um roteiro que não floreia nos momentos mais dramáticos, o diretor Felix Van Groeningen consegue criar um clima de densidade ímpar para a sua história. Por mais paradoxal que seja, o longa começa sugerindo a vida perfeita, o conto de fadas. Não demora muito, porém, para o espectador ser sugado pela contrastante realidade do casal. Alegria e tristeza, amor e ódio, sonho e realidade, vida e morte. O diretor sustenta a trama nestes dualismos. Através desta opção, na verdade, a impressão que fica é que Van Groeningen não deseja que o público embarque no clima de aparente tranquilidade que algumas cenas poderiam sugerir. Ele alimenta dúvidas. Sugere diferenças. Estabelece os obstáculos. O mais curioso, no entanto, é que esse contraste acaba potencializado graças ao empolgante ritmo do bluegrass. Apesar da trilha sonora acompanhar a natureza dos fatos, oscilando entre acordes mais alegres para os momentos mais animados e canções mais lentas para as cenas mais densas, o estilo remete ao alto-astral, a alegria, ao clima festivo. O que, de fato, pouco condiz com os eventos apresentados na trama. Em algumas passagens, inclusive, o cineasta aposta em cortes abruptos que chegam a quebram um pouco da emoção do espectador. O clima de tensão criado por eles, em contrapartida, é inquestionável.
Melhor que todos esses contrastes, no entanto, é a reflexão que o filme proporciona, principalmente quando envereda para o debate entre ciência e a religião. Em meio aos problemas envolvendo a a condição da pequena Maybelle, o casal entra em rota de colisão através de suas crenças. Enquanto Elise tem uma criação cristã, encontrando no poder da religião um alívio para esses problemas, Didier é ateu e não tolera essa abordagem religiosa. Tratado com muito cuidado por Felix Van Groeningen, o dilema se inicia com uma cena extremamente singela, envolvendo Heldenbergh e a pequena Nell Cattrysse. No entanto, de forma até surpreendente, a trama passa a abordar incisivamente o tema do meio para o fim, se apoiando em discussões atuais e no desespero de seus personagens para gerar um provocante debate. Os desdobramentos destes debates são bem desenvolvidas e casam com o clima pesado que o filme toma conta do filme na metade final. É interessante ver, aliás, como o diretor se mantém imparcial neste embate filosófico até os minutos finais. Ele respeita a dor dos protagonistas e ao mesmo tempo o efeito dela nas suas visões de mundo. Escolher um lado, aqui, não é um problema, ou um desvio de curso, mas uma pequena concessão ao espectador, a está altura já arrebentado emocionalmente pelas desventuras que cercam o casal.
Ainda que a trama seja bem desenvolvida e a trilha sonora assinada pelo estreante Bjorne Erikson dite o ritmo do material apresentado, é através do elenco que Alabama Monroe se torna um longa diferenciado. A começar pela pequena Nell Cattrysse, que, do alto de seus oito anos, tem uma atuação de gente grande, esbanjado carisma e intensidade. Conduzida com delicadeza por Felix Van Groeningen, em especial nas passagens mais dramáticas, Cattrysse emociona facilmente o espectador. A cena em que ela questiona o pai sobre a religião é de uma sensibilidade única. Em contrapartida, temos a atuação forte do não menos ótimo Johan Heldenbergh. Autor da obra original, Johan conhecia muito bem o personagem Didier e talvez esta seja a melhor explicação para o seu brilhante desempenho. Além do excelente trabalho na parte musical, o ator caminha muito bem entre os gêneros, demonstrando grande intensidade, sensibilidade e, até mesmo, desequilíbrio. Como se não bastasse isso, a química com a bela Veerle Baetens é invejável. Desde a primeira cena percebemos que um personagem foi feito para o outro, e acreditamos nisso. Diferente da atuação mais crua de Jonah, Veerle aposta no seu charme e intensidade. Radiante como uma ousada tatuadora, a personagem é a que tem mais nuances dramáticas em cena. E corresponde a todas elas, criando uma Elise altamente crível, cheia de erros e acertos.
Uma espécie de conto de fadas às avessas, Alabama Monroe é um retrato fiel e extremamente dramático sobre as peças que só a vida pode nos pregar. Conduzido com mãos fortes por Felix Van Groening, o longa tem como grande mérito a forma direta como aborda alguns delicados temas e as questões que acaba por levantar. Embalado pelo ritmo incessante do bluegrass e pelo com grande desempenho do time de atores, o drama mostra a vida como ela é. Repleta de alegrias, amores, decepções, tristezas e perdas. Despedidas que muitas vezes colocam em cheque não só as nossas crenças, como também o rumo da nossa existência.
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