terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Alabama Monroe

Trilha sonora marcante e grandes atuações dão o tom para esse intenso e pessimista drama

Você conhece o Bluegrass? Não fique preocupado caso a sua resposta seja negativa. Alabama Monroe vai te apresentar. Embalado por esta vertente musical - uma espécie de pai da música Country - o longa belga dirigido por Felix Van Groeningen é visceral ao narrar as desventuras familiar de um apaixonado casal de músicos. Apostando nas intensas atuações do trio de protagonistas, incluindo ai o estupendo desempenho da pequena Nell Cattrysse, e numa narrativa repleta de ritmo, o drama ressalta de forma densa os contrastes que só a vida pode nos proporcionar. Não é por menos que, de forma até surpreendente, Alabama Monroe figura na lista final de indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. 

Com base no texto original assinado pelo protagonista Johan Heldenbergh e adaptado pelo próprio Felix Van Groeningen, Alavama Monroe narra a história do casal Didier (Heldenbergh) e Elise (Veerle Baetens). Enquanto Didier é um músico sonhador, entusiasta do estilo de vida americano, Elise é uma bela tatuadora, marcada por um passado repleto de fracassos envolvendo os relacionamentos amorosos. Encantada pelo talento de Didier, Elise logo se apaixona pelo cantor. E dessa passional relação acaba nascendo a bela Maybelle (Nell Cattrysse), uma inesperada filha que muda drasticamente o estilo de vida dos dois. Sem deixar a música de lado, Didier e Elise passam assim a se dedicar integralmente a pequena filha, encontrando a felicidade e o rumo que tanto buscavam para as suas vidas. O aparente conto de fadas, no entanto, é travado pela surpreendente doença da bela Maybelle. Despedaçados com a descoberta da leucemia, o casal inicia uma luta não só para salvar a criança, mas também para manter vivo o - até então - inabalável elo entre os dois.

Apostando numa narrativa não linear repleta de idas e vindas em relação a vida do casal, Alabama Monroe surpreende por seu interessante ritmo e pela forma como consegue costurar os fragmentos desta conflitante história de amor no melodrama familiar. Desde a primeira cena, quando Didier surge na tela se apresentando em um show, nós somos instigados a desvendar o futuro deste casal apaixonado. Explorando muito bem cenas contrastantes, aliadas a um roteiro que não floreia nos momentos mais dramáticos, o diretor Felix Van Groeningen consegue criar um clima de densidade ímpar para a sua história. Por mais paradoxal que seja, o longa começa sugerindo a vida perfeita, o conto de fadas. Não demora muito, porém, para o espectador ser sugado pela contrastante realidade do casal. Alegria e tristeza, amor e ódio, sonho e realidade, vida e morte. O diretor sustenta a trama nestes dualismos. Através desta opção, na verdade, a impressão que fica é que Van Groeningen não deseja que o público embarque no clima de aparente tranquilidade que algumas cenas poderiam sugerir. Ele alimenta dúvidas. Sugere diferenças. Estabelece os obstáculos. O mais curioso, no entanto, é que esse contraste acaba potencializado graças ao empolgante ritmo do bluegrass. Apesar da trilha sonora acompanhar a natureza dos fatos, oscilando entre acordes mais alegres para os momentos mais animados e canções mais lentas para as cenas mais densas, o estilo remete ao alto-astral, a alegria, ao clima festivo. O que, de fato, pouco condiz com os eventos apresentados na trama. Em algumas passagens, inclusive, o cineasta aposta em cortes abruptos que chegam a quebram um pouco da emoção do espectador. O clima de tensão criado por eles, em contrapartida, é inquestionável. 


Melhor que todos esses contrastes, no entanto, é a reflexão que o filme proporciona, principalmente quando envereda para o debate entre ciência e a religião. Em meio aos problemas envolvendo a a condição da pequena Maybelle, o casal entra em rota de colisão através de suas crenças. Enquanto Elise tem uma criação cristã, encontrando no poder da religião um alívio para esses problemas, Didier é ateu e não tolera essa abordagem religiosa. Tratado com muito cuidado por Felix Van Groeningen, o dilema se inicia com uma cena extremamente singela, envolvendo Heldenbergh e a pequena Nell Cattrysse. No entanto, de forma até surpreendente, a trama passa a abordar incisivamente o tema do meio para o fim, se apoiando em discussões atuais e no desespero de seus personagens para gerar um provocante debate. Os desdobramentos destes debates são bem desenvolvidas e casam com o clima pesado que o filme toma conta do filme na metade final. É interessante ver, aliás, como o diretor se mantém imparcial neste embate filosófico até os minutos finais. Ele respeita a dor dos protagonistas e ao mesmo tempo o efeito dela nas suas visões de mundo. Escolher um lado, aqui, não é um problema, ou um desvio de curso, mas uma pequena concessão ao espectador, a está altura já arrebentado emocionalmente pelas desventuras que cercam o casal. 


Ainda que a trama seja bem desenvolvida e a trilha sonora assinada pelo estreante Bjorne Erikson dite o ritmo do material apresentado, é através do elenco que Alabama Monroe se torna um longa diferenciado. A começar pela pequena Nell Cattrysse, que, do alto de seus oito anos, tem uma atuação de gente grande, esbanjado carisma e intensidade. Conduzida com delicadeza por Felix Van Groeningen, em especial nas passagens mais dramáticas, Cattrysse emociona facilmente o espectador. A cena em que ela questiona o pai sobre a religião é de uma sensibilidade única. Em contrapartida, temos a atuação forte do não menos ótimo Johan Heldenbergh. Autor da obra original, Johan conhecia muito bem o personagem Didier e talvez esta seja a melhor explicação para o seu brilhante desempenho. Além do excelente trabalho na parte musical, o ator caminha muito bem entre os gêneros, demonstrando grande intensidade, sensibilidade e, até mesmo, desequilíbrio. Como se não bastasse isso, a química com a bela Veerle Baetens é invejável. Desde a primeira cena percebemos que um personagem foi feito para o outro, e acreditamos nisso. Diferente da atuação mais crua de Jonah, Veerle aposta no seu charme e intensidade. Radiante como uma ousada tatuadora, a personagem é a que tem mais nuances dramáticas em cena. E corresponde a todas elas, criando uma Elise altamente crível, cheia de erros e acertos.


Uma espécie de conto de fadas às avessas, Alabama Monroe é um retrato fiel e extremamente dramático sobre as peças que só a vida pode nos pregar. Conduzido com mãos fortes por Felix Van Groening, o longa tem como grande mérito a forma direta como aborda alguns delicados temas e as questões que acaba por levantar. Embalado pelo ritmo incessante do bluegrass e pelo com grande desempenho do time de atores, o drama mostra a vida como ela é. Repleta de alegrias, amores, decepções, tristezas e perdas. Despedidas que muitas vezes colocam em cheque não só as nossas crenças, como também o rumo da nossa existência.


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