Conhecido por comédias pastelão e filmes família, Ben Stiller comprova em A Vida Secreta de Walter Mitty que é bem mais qualificado do que muitos acreditam. Dirigido e estrelado pelo astro de Uma Noite no Museu e Quem Vai Ficar com Mary, o longa é extremamente perspicaz ao trazer novamente para as telonas o conto de 1939, escrito por James Thurber. Brincando com o modo de vida atual, onde cada vez mais os sonhos são colocados em segundo plano, Stiller nos apresenta um trabalho maduro e visualmente belo, que flutua com eficiência entre o drama, a comédia e, até mesmo, a aventura. A grande sacada, no entanto, fica pelo pano de fundo para o desenvolvimento desta história: o fim da versão impressa da revista Life.
Na verdade, esse fato aconteceu em 2007. Considerada uma das maiores e mais importantes revistas dos Estados Unidos, a Life deixou de ser impressa no dia 20 de abril do mesmo ano. A partir daí, a revista passou a sobreviver virtualmente, fato que ocasionou uma série de mudanças dentro da empresa de comunicação. Em cima deste fato real, a nova versão assinada por Steven Conrad abusa da criatividade para atualizar o conto, principalmente ao se apoiar na revista Life - vida em inglês - para discutir a nossa condução do dia-a-dia. Na trama, Walter Mitty (Ben Stiller) é o diretor do departamento de negativos fotográficos da Life. Há 16 anos, ele segue uma mesma rotina: da casa para o trabalho, do trabalho para casa. Mitty, no entanto, foi um garoto sonhador, que acabou mudando a sua personalidade após uma perda familiar. Os únicos momentos de "escape" eram os seus lapsos, segundos em que fugia da realidade, e a atração pela colega de trabalho Cheryl (Kristen Wiig). A sua rotina acaba se alterando quando os novos executivos resolvem fazer mudanças na revista, colocando um ponto final na versão impressa. Liderados pelo despreparado Ted (Adam Scott), os novos executivos resolvem lançar uma última edição da revista. E para a matéria de capa usariam a melhor foto do maior fotógrafo da revista, o excêntrico Sean O'Oconnel (Sean Penn). Chamada de a "Quinta-essência da vida", ela desaparece nas mãos de Walter, que inicia assim uma corrida para recupera-la.
Explorando muito bem essa estética sonhadora do personagem título do longa, Ben Stiller acaba criando uma metáfora interessante em cima do fechamento da revista Life. Afinal, é com a perda da foto chamada "quinta-essência da vida", que Walter passa a - com o perdão da redundância - viver a sua vida. Apesar do filme ser mais longo do que o necessário, a trama tem um bom desenvolvimento, e acerta pela simplicidade ao abordar essa transição de Walter. Aliás, é justamente neste ponto que Stiller mostra que não se resume a comédia pastelão, conseguindo trazer naturalidade nesta transição do contido ao aventureiro. Se como ator Stiller não decepciona, é como diretor que ele surpreende. Praticamente todas as suas decisões são acertadas, a começar pela beleza visual que o filme possibilita. Se apoiando nesses lapsos de sonhos, o diretor cria cenas que colocam alguns filmes de super-heróis "no chinelo", incluindo ai a disputa pelo boneco Stretch Amstrong pelas ruas de Nova Iorque. Apesar de usadas com certo exagero nos primeiro minutos do filme, essas cenas se mostram eficientes e diferenciadas.
É, no entanto, na transição de Walter Mitty que Ben Stiller mostra o seu bom gosto estético. A cena que marca esse momento, por exemplo, é de uma beleza impar. Quando Walter corre através das capas da revista Life, vemos que aquele homem contido ficou para trás e que um novo personagem acaba de nascer. Explorando as belas paisagens do filme, que viaja a lugares exóticos, como a Groenlândia, o Himalaia e a Islândia, Stiller explora uma fotografia luminosa e expressiva, que contrasta muito bem com o lado contido de Walter. Já na condução do elenco, Stiller não tem muito trabalho. Como o filme gira praticamente em torno dele, funcionando como uma espécie de road movie, algumas boas participações pontuam o filme. Uma delas é a de Adam Scott (Solteiros com Filhos), um personagem irritante e autoritário que funciona como uma espécie de antagonista do filme. Com pouco tempo em cena - infelizmente - Shirley Mclaine também tem um bom desempenho, assim como Adrian Martinez (Tão forte, Tão Perto), Patton Oswalt (Two and a Half Men) e Sean Penn, numa eficiente aparição. Por outro lado, Kristen Wiig decepciona com uma atuação apagada. Sempre carismática, Wiig mostra boa química com Stiller, mas pareceu pouco explorada dentro do seu ponto forte, que é o humor. Nesse ponto, aliás, o filme acaba dando umas derrapadas. Repleto de boas sacadas, a trama deixa de lado a parte cômica envolvendo os personagens, principalmente no grande clímax. Outro pequeno problema fica pelo desenvolvimento do clímax. Sem querer revelar muito, a impressão é que o filme ganha uma leve acelerada, abreviando alguns momentos e se apoiando em acasos para ligar alguns pontos. Felizmente, Stiller retoma as rédeas nas cenas finais, apostando em um final extremamente condizente à sua proposta.
Após seis tentativas frustradas de ser levado aos cinemas, desde 1994 existia um projeto para que o conto fosse novamente adaptado, A Vida Secreta de Walter Mitty acabou caindo em boas mãos. Desta vez, a obra não só saiu do papel, mas também ganhou uma interessante abordagem nas mãos de Ben Stiller. Visualmente belo, o longa se apoia na atmosfera fantástica para promover uma eficiente reflexão sobre a forma como conduzimos a nossas vidas. Um filme repleto de boas intenções, que através de uma certa dose de perspicácia, traz os seus personagens para os bastidores do fechamento da revista Life. Uma publicação que tinha como grande lema o positivismo para com a vida.
3 comentários:
A premissa é muito interessante. Mais um filme para conferir.
Abraço
Veja sim, pois vai gostar. Pelo menos a mim, acabou surpreendendo.
Muito bom!
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