Interpretações densas marcam esse excêntrico drama sobre choque de gerações
Baseado na peça original assinada por Tracy Lets, que também é a roteirista do longa, Álbum de Família é uma daquelas obras necessárias. Promovendo um interessante choque de gerações, seja entre os personagens, seja entre os próprios atores, o filme dirigido por John Wells é extremamente eficaz ao discutir o quão problemática pode ser a vida em família. Apostando num grande elenco, liderado por Meryl Streep e Julia Roberts, e no roteiro marcado pelo humor seco e impactante, o longa reúne em uma só família norte-americana uma série de problemas e dilemas corriqueiros dentro das nossas vidas. Tudo isso com generosas doses de humor e exagero.
"A Vida é longa demais." A citação do escritor T.S Elliot, destacada na abertura do filme pelo personagem Beverly (Sam Shepard), já diz muito sobre o que veremos em cena nas duas horas que virão pela frente. No take seguinte, a personagem vivida por Julia Roberts pede - quase que implora - à sua filha (Abigail Breslin) que ela não morra antes dela. Se apoiando nesses dilemas que envolvem todas as gerações da família Weston, e nas muitas peças que a vida pode nos pregar, Álbum de Família é certeiro ao enfatizar como alguns erros, quando não corrigidos a tempo, podem definir a nossa existência. Girando em torno da figura matriarcal da família Weston, a complexa e doente Violet (Meryl Streep), o longa envolve ao revelar uma improvável reunião familiar no árido meio-oeste norte-americano. Após o sumiço do patriarca Beverly (Sam Shepard), as suas filhas Barbara (Julia Roberts), Ivy (Juliane Nicholson) e Karen (Juliette Lewis) voltam a sua casa para dar apoio à mãe. Lideradas por Barbara, as irmãs buscam não só encontrar o paradeiro de seu pai, mas também oferecer um suporte à sua mãe, que padece diante de um câncer de boca. Como se não bastassem os problemas de Violet, as três precisam lidar ainda com as dificuldades em suas respectivas vidas sociais, principalmente Barbara, que passa por problemas no seu casamento com Bill (Ewan McGregor) e na criação de sua filha Jean (Abigail Breslin).
Em cima desta marcante narrativa, conduzida com extremo naturalismo, a grande sacada da obra assinada por Tracy Lets é não se preocupar em apresentar a solução para os problemas de seus personagens. Na verdade, a ideia é enfatizar como cada uma de suas atitudes os levou àquela excêntrica formação familiar. Narrada com um ritmo eficiente, a película consegue encontrar um equilíbrio interessante entre a densidade dramática e o humor extremamente seco. Tudo isso, graças aos ótimos e contextualizados diálogos. Destaco aqui o perspicaz choque de realidade entre cada uma das gerações presentes na trama. Buscando as explicações para as atitudes tomadas em cena, o roteiro encontra no passado dos personagens um caminho certeiro para o desenvolvimento da história da família Weston. Principalmente quando opõe a criação de Violet (Streep) com a de suas três filhas. Essas opções funcionam tão bem no longa, que nem mesmo o acelerado e abrupto desfecho, e alguns momentos mais exagerados, estragam o ótimo trabalho apresentado por Lets nesta adaptação cinematográfica.
Acompanhando de perto a ótima trama, o diretor John Wells é muito feliz ao dar um toque intimista ao longa. Explorando o talentoso elenco, Wells conduz com vigor todos os intensos acontecimentos do filme, permitindo, inclusive, momentos singelos e afetuosos em meio à dureza de seus personagens. Pra ser sincero, uma só cena - o grande almoço da família Weston - já é digna do ingresso. Nela, todo o elenco está reunido, num daqueles encontros explosivos. Sem querer revelar muito, a cena começa com um humor leve, passa por um momento de banalidade comum a qualquer reunião familiar e atinge o seu ápice num intenso desfecho. Por falar no elenco, Meryl Streep mais uma vez entrega uma performance impecável. Alternando uma série de sentimentos ao longo do filme, Streep tem uma atuação magnética, indo da doçura à insanidade com absoluta naturalidade. Ela, no entanto, não brilha sozinha. Em sua melhor atuação dos últimos anos, Julia Roberts é sim o grande destaque da película. Em um terreno completamente inédito, Roberts tem uma daquelas atuações que chamam a atenção. Na pele da bruta e nada vaidosa Barbara, a atriz mostra grande química com Meryl Streep, e as cenas envolvendo as duas são cheias de energia. Além de Roberts e Streep, a terceira grande atuação do filme fica pela experiente Margo Martindale. Vivendo a bem humorada irmã de Violet, o desempenho de Margo vai crescendo ao longo da projeção, acompanhando de perto a grande - e talvez desnecessária - virada na trama. Além do trio, vale destacar as performances de Chris Cooper, o personagem mais humano do longa, de Abigail Breslin, que parece não ter se intimidado com o experiente time de atores, da expressiva Misty Upham e da contida Juliane Nicholson, que rouba a cena como a fechada Ivy. Em contrapartida, Ewan McGregor não acompanha o nível de seus companheiros, sendo talvez o grande ponto negativo do filme.
Ao abraçar a universalidade dos dilemas familiares, Álbum de Família funciona não só como entretenimento, mas também como uma ferramenta de reflexão. Com uma narrativa intensa e bem construída, o longa é habilidoso ao explorar as dificuldades na criação e na condução familiar. Sem se apegar a soluções simplórias, e utilizando um tom mais exagerado, o longa nos brinda com um desfecho impactante, que pode não agradar os fãs do cinema mais comercial, mas que condiz essencialmente com a atitude de cada um dos personagens.
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