Acostumado a levar histórias reais às grandes telas, vide Domingo Sangrento e Voo United 93, o diretor inglês Paul Greengrass comprova outra vez porque é um dos realizadores mais diferenciados da atualidade. Escolhendo criteriosamente os seus trabalhos, Greengrass é daqueles que parece não se impressionar com as fantásticas possibilidades que o cinema permite. Sempre buscando a verossimilhança em seus longas, o realizador se mostrou a escolha certeira para levar às telonas a jornada do Capitão Richard Phillips e as suas desventuras em pleno mar da Somália. Isso fica nítido pelas decisões do diretor, que não se contenta apenas em contar esta impressionante história real, mas também busca dar destaque aos bastidores deste marcante episódio. Sem se preocupar em escolher lados, Capitão Phillips acaba se tornando uma obra exemplar. Mesmo com um desfecho já conhecido por parte do público, afinal se trata de um caso amplamente divulgado na imprensa, o longa exala tensão do começo ao fim, graças a envolvente trama e as marcantes atuações de Tom Hanks e do surpreendente ator somali Barkhad Abdi.
Baseado no livro "A Captain's Duty: Somali Pirates, Navy SEALs, and Dangerous Days at Sea", escrito pelo verdadeiro Richard Phillips, o roteiro adaptado por Billy Ray acerta ao ressaltar a oposição das realidades sociais envolvendo os dois protagonistas. Logo de cara, na primeira cena, somos apresentados ao capitão Philips (Tom Hanks), um experiente comandante de navios comerciais que se prepara para mais uma missão. Ao deixar o conforto de sua grande casa, ele debate com a esposa as dificuldades da vida atual, questiona o futuro de seus filhos, deixando claro que hoje em dia a ascensão profissional está bem mais difícil. Corte de cena e somos levados ao calor da Somália, onde jovens de todas as idades sofrem com as já conhecidas dificuldades que assolam o território africano. Neste cenário conhecemos Muse (Barkhad Abdi), um "pescador" somali que ganha a vida como pirata em águas somalianas. Sem qualquer tipo de conforto, ele é acordado as pressas com a chegada dos seus "superiores", todos munidos de grandes metralhadoras e cobrando novos roubos em alto mar. Se alimentando a base de ervas, o grupo parte para mais uma "missão", encontrando o navio de carga Maersk Alabama, comandado por Philips. A partir daí, a ousadia do "pirata" Muse encontra a experiência do Capitão Philips, o que desencadeia uma série de grandes consequências.
Explorando de forma sútil está precária realidade que atinge alguns países do continente africano, incluindo ai a Somália, a trama de Capitão Philips acerta ao não adotar lados. De forma imparcial, somos apresentados as duas diferentes realidades narradas acima, e as consequentes motivações de cada um dos envolvidos no episódio. Com destaque para contextualizada crítica envolvendo a politica de exploração comercial norte-americana. Sem se apoiar em estereótipos, o roteiro opta por humanizar os personagens, principalmente os piratas Somalis. Esse fato, além de ampliar a carga dramática do longa, cria um interessante "duelo" psicológico entre o Capitão Philips e o pirata Muse. Afinal, cada um tem as suas motivações bem definidas, sabem o que estão fazendo, e brigam pelo aparente controle da situação - por mais fútil que isso possa aparecer. O mais interessante, porém, é a forma como a trama amplia este clima intenso ao sugerir que os dois precisam provar algo para seus comandados. Enquanto Philips é encarado como exageradamente metódico por sua tripulação, Muse parece não ser respeitado pelo seu estilo mais ousado e pelas suas escolhas. Através desta opção de aproximar os opostos, Greengrass consegue se afastar da obviedade que uma trama baseada em fatos reais poderia sugerir.
E para preencher o ótimo roteiro, nada melhor do que mais um grande trabalho técnico de Paul Greengrass. Com a câmera sempre inquieta e próxima aos personagens, aliada a uma eletrizante edição, a impressão de realidade conseguida pelo diretor é absurda, promovendo altas doses de tensão. Dando ênfase a expressão dos personagens, Greengrass mostra um grande trabalho na condução do elenco, com destaque total para Tom Hanks. Em uma das suas melhores atuações recentes, Hanks constrói um pragmático personagem, que busca sempre se manter no controle da situação. Uma atuação irretocável, que cresce de maneira impar ao longo do filme, levando a um sufocante desfecho. Desempenho digno das grandes premiações. O que me incomoda, no entanto, é ver que estão deixando de lado a magistral atuação do desconhecido Barkhad Abdi. Nascido na Somália, Abdi fugiu para o Yemen junto de sua família aos sete anos, durante a guerra civil. Aos 14 foi para Minnesota, nos Estados Unidos, e trabalhava como chofer até ser escalado para o elenco de Capitão Philips. Sem experiências como ator, posso garantir que Abdi surpreende com o seu ótimo desempenho. Além de não se intimidar com a presença de Hanks, cinco vezes indicado ao Oscar, Barkhad Abdi rouba a cena em alguns momentos, com um personagem repleto de realidade. Uma interpretação forte, visceral, que se torna um dos pontos altos deste sufocante longa. Vale destacar que além da dupla, Capitão Philips aposta também num competente elenco de apoio, que traz ainda as presenças de Michael Chernus, Corey Johnson, do também estreante Barkhad Abdirahman e de Max Martini.
Me arrisco a dizer que - correndo por fora - Capitão Philips surge como um dos grandes candidatos à briga pelo Oscar 2014. Um filme completo, de grande tensão, conduzido de forma irretocável pelo diretor Paul Greengrass. Sem se prender a já conhecida abordagem dos fatos, o diretor inglês é certeiro ao se concentrar nos bastidores envolvendo o sequestro do navio americano Maersk Alabama, nos oferecendo um engajado entretenimento de altíssima qualidade.
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