terça-feira, 8 de outubro de 2013

Festival do Rio (O Imigrante)



Sóbrio drama desconstrói a fábula do "sonho americano".


Recebido de forma apática no Festival de Cannes, o novo longa do diretor James Gray mostra sobriedade ao recriar as dificuldades no processo de imigração aos EUA no início da década de 1920. Também responsável pelo roteiro, Gray - que é neto de russos judeus que desembarcaram nos Estados Unidos no início do século XX - tenta em O Imigrante questionar esse processo de aceitação dos estrangeiros em terras norte-americanas e, principalmente, discutir a fábula do sonho americano. Para isso, o diretor aposta numa bela fotografia de época e no talento do ator Joaquin Phoenix, em seu terceiro trabalho juntos. 

E para recriar esse panorama dentro do início do século XX, Gray - ao lado de Ric Menello - narra a história das irmãs polonesas Magda e Ewa Cybulsky, duas imigrantes que chegam aos Estados Unidos fugindo da primeira grande guerra e acreditando no sonho americano. Apesar da terrível viagem de navio, as duas se mostram otimistas e acreditam que vão poder reconstruir as suas vidas junto de seus tios. Tudo muda, no entanto, quando Magda é detida pelo processo de imigração em função de uma Tuberculose e Ewa (Marion Cotillard) tem a sua entrada negada em função de ter sido classificada como uma "mulher de moral duvidosa". Prestes a ser deportada, Ewa acaba conhecendo Bruno (Joaquin Phoenix), um oportunista cafetão que presta seus serviços à um tipico bordel da década de 1920. Sem saber disso, Ewa acaba aceitando a ajuda de Bruno para entrar no país, mas sem emprego e precisando pagar para manter sua irmã sob tratamento, ela acaba se vendo presa à prostituição. Tentando deixar de lado os dilemas morais, Ewa acaba conseguindo suportar a sua nova rotina e nesse meio tempo conhece Orlando (Jeremy Renner), um talentoso mágico - primo de Bruno - que logo de cara chama a sua atenção. Daí acaba nascendo uma espécie de triangulo amoroso, de grandes proporções, que acaba influenciando a vida de cada um desses imigrantes.


Se apoiando nesse "esboço" de triângulo amoroso, a trama conduzida por James Gray dissolve aos poucos toda a expectativa em torno do sonho americano. Com uma narrativa sóbria e dramática, o longa deixa claro a dificuldade na aceitação de estrangeiro dentro dos EUA - tema que ainda hoje é extremamente atual - e ganha uma abordagem interessante durante da década de 1920. Como se não bastasse a complicada viagem e todo o processo de triagem para entrar no país, a trama deixa claro que as opções para que os estrangeiros ganhassem a vida não eram tantas e que o sonho americano não passava de uma grande ilusão - o único que verdadeiramente acredita nesse sonho é um mágico ilusionista. Em uma época onde as questões morais eram motivos de empecilho para a entrada no país, Gray tenta destacar que muitas dessas situações consideradas "imorais" seriam incentivadas pelos próprios americanos. E que figuras como a de Bruno eram importantes dentro da sociedade, vide o alcance que o "cafetão" tem junto a personalidades da politica e a própria policia. Todos esses temas interessantes, no entanto, acabam servindo apenas como pano de fundo para a relação entre o trio de protagonistas, e para uma série de discussões envolvendo a questão moral  por trás das atitudes dos próprios personagens.


O filme acerta no desenvolvimento de seus personagens, com destaque para o imprevisível Bruno, e ao manter um certo clima de mistério em torno deles. Acerta também na excelente recriação de Nova Iorque do início do século, com uma fotografia inspirada em clássicos como O Poderoso Chefão 2 e Era uma Vez na América. Outro destaque fica pela direção de Gray, que não é apelativa quando o assunto é a prostituição, conseguindo reconstruir de forma verossímil toda a atmosfera dos bordeis de época. O roteiro, porém, não segue o ritmo de todo esse trabalho estético e deixa a desejar, principalmente, quando aborda essa tentativa de construção de um triângulo amoroso. Nesse ponto o filme patina, e só não beira o tedioso graças às ótimas atuações. Logo em seguida, no entanto, uma bem vinda reviravolta acaba salvando o resultado final de O Imigrante e permitindo um desfecho digno ao bom desempenho do seu elenco.


E aqui vale destacar mais um grande trabalho de Joaquin Phoenix, sem dúvidas, o que o longa apresenta de melhor nos seus 120 minutos. Após trabalhar com Gray em Os Amantes e Os donos da Noite, Phoenix mostra porque é um dos mais elogiados atores da atualidade. Em uma interpretação intensa, o cafetão Bruno parece sempre estar escondendo algo do espectador. Flutuando entre o explosivo e o afetuoso, Phoenix tem um desempenho que confunde o espectador e contribui para a difícil missão que é entender o verdadeiro caráter por trás de Bruno. Ele, aliás, tenta ser acompanhado de perto por Marion Cotillard, numa interpretação contida e sensível, mas que parece em alguns momentos distantes dos verdadeiros sentimentos de seu personagem. Já Jeremy Renner ganha um papel aparentemente interessante, mas que parece não ter sido muito bem desenvolvido pelo roteiro. Ele é charmoso, confiante, tem ótimos "embates" com Phoenix, mas suas motivações nunca estão muito claras e acabam soando óbvias. Me arrisco a dizer que Renner está melhor do que o seu próprio personagem.


Com um trio de protagonistas qualificados, uma fotografia de época extraordinária e uma cuidadosa direção de James Gray, O Imigrante acaba sendo um drama convincente, mas não memorável como esperado. Um longa correto, denso, sem grandes falhas, mas que acaba ficando no meio do caminho entre o brilhante e o insosso. Nada que justifique, no entanto, a apática recepção que o filme teve no Festival de Cannes.


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