quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Festival do Rio (Apenas Deus Perdoa)


Refn acaba esbarrando em sua própria ousadia.


Confesso que após o aclamado Drive, as minhas expectativas eram gigantescas para Apenas Deus Perdoa, o mais novo trabalho do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn. Afinal, a parceria com o ator Ryan Gosling estava de volta e toda a sua atmosfera lembrava o último longa da dupla. Se esteticamente o trabalho de Refn é novamente diferenciado, o mesmo não podemos dizer da trama, que não consegue escapar do vazio criado a partir das duvidosas escolhas do diretor. Um filme que tem pose de cult, tenta parecer mais inteligente do que é, mas não passa – apenas – de uma obra extremamente irregular. 

E os motivos de toda essa frustração são simples de explicar. O mais óbvio, logicamente, é a inevitável comparação com Drive, uma obra verdadeiramente cult, cheia de energia, que se tornou sucesso por onde passou. A escolha do expressivo elenco, também, ecoou com grande força pela mídia. No entanto, nem mesmo os eficientes desempenhos de Goslin, Kristin Scott Thomas e do – surpreendente – Vithaya Pansringan foram suficientes para amenizar a insatisfação com o resultado final do longa. E como se não bastasse tudo isso, a trama de vingança assinada pelo próprio Nicolas Winding Refn soava promissora. Infelizmente apenas soava, já que na tentativa de conceber um filme visualmente expressivo, com direito a altas doses de violência, o diretor dinamarquês aposta num roteiro cheio de metáforas pouco interessantes.


A começar pela obsessão do protagonista Julian (Ryan Gosling) com as suas mãos. Na verdade, elas são mais expressivas do que o próprio Julian, tanto que Refn busca sempre concentrar a sua câmera nas mãos do personagem. Eu diria que ele fala – e faz uma série de outras coisas – através das mãos. Essa opção, num primeiro momento é interessante, mas aos poucos vai perdendo o seu impacto e se tornando repetitiva. Na trama, Julian vive na Tailândia ao lado de seu irmão Billy (Tom Burke), sendo responsáveis pelos negócios da família. Enquanto Julian se preocupa com o comando de uma academia de boxe tailandês, o seu irmão mais velho acaba administrando todos os negócios envolvendo o tráfico de drogas local, que é comandado dos Estados Unidos por sua mãe, a poderosa Crystal (Kristie Scott Thomas). Tudo muda, no entanto, quando Billy acaba violentando e matando uma jovem prostituta. Billy é detido pela polícia e morto pelo pai da filha, com a colaboração do comandante Chang (Vithaya Pansringarm). Abalada com a morte do filho, Crystal desembarca na Tailândia buscando vingança e para isso conta com a ajuda de Julian. Ele, porém, parece não muito interessado em uma reação, fato que acaba gerando uma grande rixa entre mãe e filho. 


A partir dessa premissa, Refn começa a sugerir uma série de fatos para o espectador, incluindo um possível complexo de édipo por parte de Julian. Toda a tentativa de lidar com a complexidade de seus personagens com sobreposição de imagens e associações, no entanto, soam forçadas, lentas e pouco atrativas para o espectador. Por diversas vezes, inclusive, Refn aposta em takes confusos, esteticamente belos, mas absurdamente vazios. Na tentativa de explicar as motivações de Julian através de metáforas ou devaneios, o diretor acaba é complicando a vida do espectador. Nem mesmo a intensa interpretação de Gosling e a boa trilha sonora assinada pelo ex-Red Hot Chili Peppers Cliff Martinez livram esses momentos do tédio. Outro fato que incomoda é a atmosfera artificial defendida por Nicolas Winding Refn ao longo da película. Caprichando em takes posados, principalmente explorando a imponência da loira Kristie Scott Thomas, o recurso é usado a exaustão. Com a bela atriz funciona, porque destacam sempre o poder por trás da personagem, mas em muitos outros momentos soam desinteressantes. Com destaque para algumas longas cenas em que os coadjuvantes parecem quadros inexpressivos, estáticos, perante a ação dos protagonistas. Tudo muito forçado e repetitivo. O roteiro, porém, acerta ao manter o clima de mistério envolvendo os seus personagens e em não questionar as motivações de cada um deles.


Ainda que apresente alguns erros também na concepção artística do longa, é na parte estética que Apenas Deus Perdoa tem o seu grande destaque. Visualmente impactante, a fotografia é de uma beleza ímpar. Explorando todas as cores vibrantes da Tailândia, o trabalho visual quente e repleto de tons de neon acaba criando uma exótica e interessante atmosfera. Além disso, Refn mostra todo o seu talento na condução do elenco, e através de enquadramentos de extremo bom gosto, consegue explorar a expressividade e complexidade de seus protagonistas. O diretor acerta também na condução das cenas mais violentas, que ganham uma estética pesada, original e em nenhum momento soam gratuitas. Outro ponto positivo fica pelas boas atuações, com destaque para o tailandês Vithaya Pansringarm, excelente na pele do chefe Chang. Um personagem com seu próprio senso de justiça, que brilha não só nas cenas de lutas, como também nos “karaokês da vida”. Como esperado, Ryan Gosling e Kristie Scott Thomas entregam o que tem de melhor ao filme, mas o pouco tempo em cena da atriz é outro dos fatores frustrantes do longa.


A impressão que fica é que Apenas Deus Perdoa não chega a ser um filme ruim, mas sim, decepcionante. O que era para ser mais um trabalho cult e interessante na filmografia de Nicolas Winding Refn, acaba se tornando uma obra visualmente diferenciada, porém vazia e anticomercial. Um retrocesso na carreira do diretor que, sem dúvidas, acaba escorregando na sua própria ousadia. E isso, se “bobear”, nem Deus perdoa. O grande público, com certeza, não vai!

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