sexta-feira, 14 de abril de 2017

Velozes e Furiosos 8

Quanto mais absurdo melhor

Reconhecida como uma das mais rentáveis e populares franquias de ação da atualidade, a série Velozes e Furiosos soube se reinventar ao longo dos últimos dezessete anos. Inserida inicialmente num cenário bem específico, o marrento submundo das corridas clandestinas, a saga estrelada por Vin Diesel e pelo saudoso Paul Walker se aproximou gradativamente do escapista cinema de ação, (re)iniciando um lucrativo ciclo com Velozes e Furiosos 5: Operação Rio. Embora tenha se mantido fiel à temática base dos primeiros longas, o valor da família dentro deste ambiente moralmente dúbio, a missão passou a ser outra. Os “pegas” foram substituídos pela pancadaria e pelas mirabolantes perseguições. O quanto mais absurdo melhor passou a ditar o rumo da franquia e a transformou num produto atual aos olhos do grande público. Inserido neste contexto, Velozes e Furiosos 8 se revela um continuação à altura dos três últimos títulos da série. Por mais que não tenha o peso, o frescor e a coesão narrativa do seu excelente antecessor, o filme dirigido por F. Gary Gray (Uma Saída de Mestre) empolga ao entregar duas horas de puro entretenimento, nos brindando com alguns dos momentos mais insanos e estupidamente divertidos da saga. O grande trunfo desta sequência, porém, reside na perspicácia do realizador ao aproveitar os “novos” integrantes desta disfuncional "família", principalmente a dupla Jason Statham e Dwayne Johnson, adicionando novas possibilidades a uma fórmula que já apresenta sinais de esgotamento. 



Com roteiro assinado por Chris Morgan, um dos grandes responsáveis pela retomada da franquia, Velozes e Furiosos 8 não se faz de rogado ao colocar novamente a família no centro da história. Embora a repetição temática reduza o impacto da continuação, o argumento é sagaz ao utilizar o vínculo entre os personagens sob um prisma um pouco mais autêntico, tornando a mudança de lado de Dominic Toretto (Vin Diesel) justificável aos olhos do público. Sem querer revelar muito, o roteiro surpreende ao criar um 'plot' realmente crível, um sopro de coerência dentro de um universo cada vez mais inverossímil e espetaculoso. Digo mais, o arco pessoal do protagonista surge como um bem-vindo contraponto, realçando brevemente o fator emocional numa película movida pela adrenalina, pelo humor e pela ação incessante. Na trama, cansados de fugir, o casal Dom e Letty (Michelle Rodriguez) resolve levar uma vida sossegada em solo cubano. Estabelecido na região, o ex-criminoso é surpreendido com a aparição da misteriosa Cipher (Charlize Theron), uma perigosa 'hacker' que usa dos seus meios para convencê-lo a se voltar contra o seu grupo. Surpreendidos com a postura do seu líder, Letty, Parker (Ludacris), Roman (Tyrese Gibson), Ramsey (Nathalie Emmanuel) e Hobbs (Dwayne Johnson e o seu enorme carisma) são reunidos pelo influente Sr. Ninguém (Kurt Russel, a vontade) para impedir que uma perigosa arma nuclear caia em mãos erradas. Desta vez, no entanto, a grande ameaça faz parte da família.


Eficaz ao estabelecer os motivos por trás da mudança de lado de Dom, F. Gary Gray mostra inteligência ao investigar o impacto da traição dentro deste unido grupo. Ciente que o foco não está nas questões íntimas, o realizador é sucinto ao traduzir os conflitos de ordem pessoal, a maioria deles envolvendo o casal de protagonistas, pontuando a frenética trama com momentos densos e levemente tensos. Mesmo limitado pelo texto e pela falta de recursos dramáticos de Vin Diesel, Gray é astuto ao jogar o foco na figura de Letty, dando a 'bad-ass' Michelle Rodriguez a oportunidade de adicionar elementos mais humanos a sua personagem. Na verdade, enquanto a atriz texana se mostra mais a vontade ao interiorizar os (rasos) dilemas afetivos defendidos pelo roteiro, o astro californiano fica com a missão de reproduzir a raiva e a frieza do "velho" Dom, nos fazendo enxergar o desconforto do herói sem grandes dificuldades.


Com Toretto “jogando” no outro lado, F. Gary Gray é igualmente habilidoso ao dividir os holofotes entre os demais integrantes da trupe Velozes. Reverente aos últimos filmes, o diretor é sagaz ao dialogar com o passado da franquia, permitindo que os "novos" membros desta família roubem a cena com os seus marcantes personagens. De longe o principal trunfo narrativo da película, a ofensiva relação entre Hobbs e o dúbio Deckard (Jason Statham, excelente), por exemplo, rende alguns dos melhores e mais engraçados momentos da película, justamente por representar algo novo dentro desta desgastada fórmula. Sem querer revelar muito, a sequência da prisão é fantástica, o ponto alto da continuação. Somado a isso, o verborrágico Roman desponta novamente como um eficiente alívio cômico, atestando o afiado tempo de comédia de Tyresse Gibson e o viés humorístico do roteirista Chris Morgan.


Em contrapartida, Velozes e Furiosos 8 derrapa quando o assunto são as conveniências narrativas. Por mais que a trama não perca o fôlego durante as suas fluidas duas horas e dez de projeção, F. Gary Gray se escora em uma série de soluções pouco inspiradas, confiando na boa vontade do espectador em diversos momentos. Embora a mudança de conduta de Dom seja bem explicada, a tentativa de torna-lo um traidor aos olhos dos seus amigos, por exemplo, não faz qualquer sentido, já que nada o impedia de revelar a sua real situação para eles. Na tentativa de justificar algumas destas opções, inclusive, o realizador testa a nossa inteligência ao criar um didático 'plot twist', uma reviravolta que se justifica, apenas, pela maneira com que dialoga com os dois últimos filmes da saga. Nenhum destes problemas, entretanto, incomoda tanto quanto a caricata vilã Cipher. Apesar do esforço da talentosa Charlize Theron, enérgica ao traduzir a faceta mais cerebral e impulsiva da antagonista, a 'hacker' surge com motivações fraquíssimas, uma figura rasa e unidimensional que só quer criar o caos. Na verdade, Cipher até funciona dentro da proposta escapista defendida pelo roteiro, a sua personagem é realmente odiosa, o ciberterrorismo rende situações interessantes, mas o resultado fica muito aquém das nossas expectativas. Um enorme retrocesso, principalmente se comparada com os irmãos Owen e Deckerd Shawn.


Equívocos que, diga-se de passagem, são gradativamente esquecidos quando nos deparamos com as espetaculares cenas de ação. Sem um pingo de vergonha, F. Gary Gray abraça o escapismo com enorme energia, mantendo o elevado nível dos três últimos filmes ao testar os limites da física em sequências grandiosas e inventivas. Impulsionado pela iluminada fotografia de Stephen F. Windon (Star Trek: Sem Fronteiras), o realizador esbanja categoria tanto nas insanas perseguições automobilísticas, quanto nos empolgantes embates físicos, nos brindando com takes limpos e totalmente compreensíveis. Embora não tenha a assinatura da dobradinha Justin Lin\James Wan, Gray brilha ao utilizar o recurso da câmera lenta em prol do absurdo, realçando assim o aspecto mais mirabolante por trás das impossíveis manobras e dos agressivos confrontos. Mesmo após a cena do tanque em Velozes e Furiosos 6 e o "voo" entre os prédios em Velozes e Furiosos 7, o diretor eleva o nível da brincadeira ao entregar pelo menos três sequências memoráveis, entre elas a impressionante chuva de carros e o estrondoso clímax envolvendo um submarino. Isso para não citar o espetacular ataque ao avião, um momento enérgico e criativo potencializado pelo ótimo senso de simultaneidade de Gray e pela excelente montagem. O único senão visual, na verdade, fica pelo excessivo uso do CGI, um deslize que se torna evidente, principalmente, na "rebelião" dos carros zumbis em NY.


Narrativamente falho, Velozes e Furiosos 8 mantém o atual patamar da série ao se render de vez ao maravilhoso (e mentiroso) mundo do Cinema de Ação. Ainda que o argumento tente criar um contexto mais sério e urgente, o oitavo longa da série empolga no momento em que faz o impossível parecer provável, se revelando assim uma continuação despretensiosa, envolvente e tecnicamente impactante. Mais do que isso. Embora Vin DIesel siga forte no comando da trupe, F. Gary Gray mostra que a franquia, em sua nova fase, já estabeleceu os seus carismáticos novos personagens e pode sobreviver sem precisar apelar para o desgastado pano de fundo familiar. 

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