A arte das meias-palavras
Com apenas vinte oito anos, o talentoso Xavier Dolan já é dono de uma
significativa filmografia. Uma das novas vozes mais relevantes do Cinema
Mundial, o realizador canadense ficou conhecido pela contundência com que transita
por questões familiares tão universais, se esquivando das soluções fáceis ao
equilibrar intimismo e virtuosismo em obras densas e geralmente pessoais. Como
podemos perceber, por exemplo, no seu mais recente trabalho, o intenso É Apenas
o Fim do Mundo. Numa obra caótica e propositalmente histérica, Dolan faz um
primoroso uso das meias-palavras ao acompanhar o estrago ocasionado por um
conturbado reencontro familiar. Com enquadramentos claustrofóbicos, diálogos
nervosos e momentos desconfortáveis, o jovem diretor imprime
o seu estilo ao extrair a tensão por trás de uma incômoda volta para casa,
entregando uma obra expansiva que, assim como os seus personagens, se revela
falha e genuinamente humana.
Inspirado na peça de Jean-Luc Lagarce, o argumento assinado pelo próprio
Xavier Dolan é inicialmente hábil ao estabelecer a conexão entre o público e a
família do protagonista. Fazendo um excelente uso da linguagem teatral, o
realizador precisa de poucos minutos para nos fazer acreditar que estamos
diante de uma disfuncional estrutura familiar, realçando as diferenças, as
rixas, o afeto e as evidentes feridas não cicatrizadas. Na verdade, Dolan não
perde tempo com amenidades e conversas amistosas. O simples reencontro já é o
suficiente para desencadear um efeito cascata, um ambiente turbulento movido
por temas como o passado, a nostalgia, a solidão, a frustração e a morte. Dito
isso, É Apenas o Fim do Mundo narra as desventuras de Louis (Gaspard Ulliel),
um escritor com uma doença terminal que resolve regressar ao seu lar para
revelar a notícia para os seus parentes mais próximos, entre eles a sua exótica
mãe (Nathalie Baye), a sua rebelde irmã (Léa Seydoux), o seu estúpido irmão
(Vincent Cassel) e a sua apática cunhada (Marion Cotillard). Após doze anos
longe de casa, ele se depara com um turbilhão de emoções ao perceber o efeito
do seu afastamento, precisando lidar com velhos conflitos enquanto descobre a
melhor maneira para contar esta devastadora novidade.
Com uma proposta positivamente verborrágica, Xavier Dolan cumpre as
expectativas ao compor um intimista estudo de personagem. Através de diálogos
tensos e provocadores, o realizador é melancólico ao se debruçar sobre o
passado desta complicada família, fazendo um excelente uso do elemento subjetivo
ao investigar as questões mais íntimas dos protagonistas. Embora em alguns
momentos as conversas sejam francas e recheadas de sentimento, vide a
emocionante sequência envolvendo mãe e filho, Dolan aposta no poder das
palavras não ditas, na estreita conexão entre os membros desta família. Entre
gritos e discussões, é interessante ver o cuidado do diretor ao utilizar as tão
complexas meias-palavras. Assim como em qualquer outra família, a verdade nem
sempre está no que é falado, mas nas emoções expressas durante a conversa. Um
fato que, diga-se de passagem, se torna evidente dentro do tangencial último
ato, um desfecho vigoroso potencializado pela dedicação do talentoso elenco e
pelo virtuosismo estético do jovem realizador.
Na verdade, por mais que o texto em nenhum momento se torne
desinteressante, Xavier Dolan adiciona um tempero especial ao longa ao investir
numa abordagem pop e inesperadamente ágil. Com uma série de closes ups,
enquadramentos individualizados e uma edição bem picotada, o realizador mostra
o seu reconhecido apuro técnico ao não só realçar a sensação de caos em torno
desta reunião familiar, como também ao capturar em detalhes a expressão dos
envolvidos, a reação deles diante de uma piada velha, uma lembrança nostálgica
ou um conselho inadvertido, escancarando o crescente desconforto em torno do
enigmático retorno de Louis. Na transição para o ato final, inclusive, o
canadense flerta com o suspense ao preparar o terreno para o conflitante
clímax, utilizando o calor como um agente catalisador ao traduzir visualmente o
desgaste emocional dos personagens e a sensação de que uma bomba estava prestes
a explodir. Antes disso, porém, Dolan equilibra as coisas ao investir em
singelos flashbacks, atestando a sua criatividade ao nos brindar com sequências
amenas, musicais e indiscutivelmente refrescantes. Ponto para a calorosa
fotografia de André Turpin (Incêndios), impecável ao estabelecer o estado de
espírito dos personagens através de cores vivas, principalmente o azul, o
branco e o amarelo.
Como disse lá acima, porém, É Apenas o Fim do Mundo é também um filme
falho. Diferente do seu último trabalho,
o extraordinário Mommy (2014), Xavier Dolan peca pelo exagero em diversos momentos, a
maioria delas envolvendo o grosseiro Antoine. Embora o intenso Vincent Cassel
imprima credibilidade ao seu amargurado personagem, o primogênito surge como o
elo fraco da trama, uma figura excessiva e desagradável que deixa mais
perguntas do que respostas. Ainda que compreensíveis, as suas
reações são gratuitas e mal explicadas, expondo assim o aspecto mais frágil do
roteiro. Somado a isso, o arco protagonizado pelos irmãos é o mais problemático
da película, justamente pela ineficiência do argumento ao se aprofundar nos
antigos conflitos entre os dois. Em contrapartida, o talentoso elenco contorna
o viés estridente da película com atuações fortes e humanas. Numa performance
minimalista, Gaspard Ulliel brilha ao interiorizar os sentimentos do seu Louis,
entregando um tipo introspectivo e distante que não parece se ajustar a sua
família. Indo de encontro ao jovem ator, a veterana Nathalie Baye cria uma
figura materna afetuosa e expansiva, uma personagem excêntrica que reluta em
enxergar os problemas em torno da repentina reaproximação do filho. Com pulsos
firmes nas sequências mais dramáticas, Dolan extrai também o máximo das ótimas
Lea Seydoux e Marion Cotillard, precisas ao darem vida a duas mulheres distintas,
mas igualmente inertes.
Contando ainda com uma sequência final simbólica e libertadora, vide a
maneira com que a câmera finalmente "dá espaço" ao protagonista, É
Apenas o Fim do Mundo instiga ao falar sobre a morte sob um ponto de vista ínfimo
e genuinamente familiar. Mesmo diante de alguns exageros, Xavier Dolan atesta a
sua veia autoral ao criar um drama enérgico e surpreendentemente ritmado, uma
obra indiscutivelmente difícil, narrativamente verborrágica, mas emocionalmente
densa e envolvente.
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