segunda-feira, 24 de abril de 2017

É Apenas o Fim do Mundo

A arte das meias-palavras

Com apenas vinte oito anos, o talentoso Xavier Dolan já é dono de uma significativa filmografia. Uma das novas vozes mais relevantes do Cinema Mundial, o realizador canadense ficou conhecido pela contundência com que transita por questões familiares tão universais, se esquivando das soluções fáceis ao equilibrar intimismo e virtuosismo em obras densas e geralmente pessoais. Como podemos perceber, por exemplo, no seu mais recente trabalho, o intenso É Apenas o Fim do Mundo. Numa obra caótica e propositalmente histérica, Dolan faz um primoroso uso das meias-palavras ao acompanhar o estrago ocasionado por um conturbado reencontro familiar. Com enquadramentos claustrofóbicos, diálogos nervosos e momentos desconfortáveis, o jovem diretor imprime o seu estilo ao extrair a tensão por trás de uma incômoda volta para casa, entregando uma obra expansiva que, assim como os seus personagens, se revela falha e genuinamente humana. 



Inspirado na peça de Jean-Luc Lagarce, o argumento assinado pelo próprio Xavier Dolan é inicialmente hábil ao estabelecer a conexão entre o público e a família do protagonista. Fazendo um excelente uso da linguagem teatral, o realizador precisa de poucos minutos para nos fazer acreditar que estamos diante de uma disfuncional estrutura familiar, realçando as diferenças, as rixas, o afeto e as evidentes feridas não cicatrizadas. Na verdade, Dolan não perde tempo com amenidades e conversas amistosas. O simples reencontro já é o suficiente para desencadear um efeito cascata, um ambiente turbulento movido por temas como o passado, a nostalgia, a solidão, a frustração e a morte. Dito isso, É Apenas o Fim do Mundo narra as desventuras de Louis (Gaspard Ulliel), um escritor com uma doença terminal que resolve regressar ao seu lar para revelar a notícia para os seus parentes mais próximos, entre eles a sua exótica mãe (Nathalie Baye), a sua rebelde irmã (Léa Seydoux), o seu estúpido irmão (Vincent Cassel) e a sua apática cunhada (Marion Cotillard). Após doze anos longe de casa, ele se depara com um turbilhão de emoções ao perceber o efeito do seu afastamento, precisando lidar com velhos conflitos enquanto descobre a melhor maneira para contar esta devastadora novidade.


Com uma proposta positivamente verborrágica, Xavier Dolan cumpre as expectativas ao compor um intimista estudo de personagem. Através de diálogos tensos e provocadores, o realizador é melancólico ao se debruçar sobre o passado desta complicada família, fazendo um excelente uso do elemento subjetivo ao investigar as questões mais íntimas dos protagonistas. Embora em alguns momentos as conversas sejam francas e recheadas de sentimento, vide a emocionante sequência envolvendo mãe e filho, Dolan aposta no poder das palavras não ditas, na estreita conexão entre os membros desta família. Entre gritos e discussões, é interessante ver o cuidado do diretor ao utilizar as tão complexas meias-palavras. Assim como em qualquer outra família, a verdade nem sempre está no que é falado, mas nas emoções expressas durante a conversa. Um fato que, diga-se de passagem, se torna evidente dentro do tangencial último ato, um desfecho vigoroso potencializado pela dedicação do talentoso elenco e pelo virtuosismo estético do jovem realizador.


Na verdade, por mais que o texto em nenhum momento se torne desinteressante, Xavier Dolan adiciona um tempero especial ao longa ao investir numa abordagem pop e inesperadamente ágil. Com uma série de closes ups, enquadramentos individualizados e uma edição bem picotada, o realizador mostra o seu reconhecido apuro técnico ao não só realçar a sensação de caos em torno desta reunião familiar, como também ao capturar em detalhes a expressão dos envolvidos, a reação deles diante de uma piada velha, uma lembrança nostálgica ou um conselho inadvertido, escancarando o crescente desconforto em torno do enigmático retorno de Louis. Na transição para o ato final, inclusive, o canadense flerta com o suspense ao preparar o terreno para o conflitante clímax, utilizando o calor como um agente catalisador ao traduzir visualmente o desgaste emocional dos personagens e a sensação de que uma bomba estava prestes a explodir. Antes disso, porém, Dolan equilibra as coisas ao investir em singelos flashbacks, atestando a sua criatividade ao nos brindar com sequências amenas, musicais e indiscutivelmente refrescantes. Ponto para a calorosa fotografia de André Turpin (Incêndios), impecável ao estabelecer o estado de espírito dos personagens através de cores vivas, principalmente o azul, o branco e o amarelo.


Como disse lá acima, porém, É Apenas o Fim do Mundo é também um filme falho. Diferente do seu último trabalho, o extraordinário Mommy (2014), Xavier Dolan peca pelo exagero em diversos momentos, a maioria delas envolvendo o grosseiro Antoine. Embora o intenso Vincent Cassel imprima credibilidade ao seu amargurado personagem, o primogênito surge como o elo fraco da trama, uma figura excessiva e desagradável que deixa mais perguntas do que respostas. Ainda que compreensíveis, as suas reações são gratuitas e mal explicadas, expondo assim o aspecto mais frágil do roteiro. Somado a isso, o arco protagonizado pelos irmãos é o mais problemático da película, justamente pela ineficiência do argumento ao se aprofundar nos antigos conflitos entre os dois. Em contrapartida, o talentoso elenco contorna o viés estridente da película com atuações fortes e humanas. Numa performance minimalista, Gaspard Ulliel brilha ao interiorizar os sentimentos do seu Louis, entregando um tipo introspectivo e distante que não parece se ajustar a sua família. Indo de encontro ao jovem ator, a veterana Nathalie Baye cria uma figura materna afetuosa e expansiva, uma personagem excêntrica que reluta em enxergar os problemas em torno da repentina reaproximação do filho. Com pulsos firmes nas sequências mais dramáticas, Dolan extrai também o máximo das ótimas Lea Seydoux e Marion Cotillard, precisas ao darem vida a duas mulheres distintas, mas igualmente inertes.


Contando ainda com uma sequência final simbólica e libertadora, vide a maneira com que a câmera finalmente "dá espaço" ao protagonista, É Apenas o Fim do Mundo instiga ao falar sobre a morte sob um ponto de vista ínfimo e genuinamente familiar. Mesmo diante de alguns exageros, Xavier Dolan atesta a sua veia autoral ao criar um drama enérgico e surpreendentemente ritmado, uma obra indiscutivelmente difícil, narrativamente verborrágica, mas emocionalmente densa e envolvente. 

Nenhum comentário: