Sempre fiel às origens, Nação Secreta empolga ao reunir o melhor da franquia num só longa
Modernizada a cada novo lançamento, a franquia Missão: Impossível chega ao quinto longa comprovando ser capaz de amadurecer à medida que rejuvenesce. Sempre fiel à essência do original, consagrado por dialogar tanto com a tensão dos filmes de espionagem, quanto com o escapismo do cinema de ação, a série produzida e estrelada pelo astro Tom Cruise se aprimorou ao "beber da fonte" de cada um dos realizadores que passaram por ela, crescendo ao introduzir em sua identidade elementos como o suspense trazido por Brian de Palma (Os Intocáveis), o frenesi defendido por John Woo (O Alvo), a humanidade dos trabalhos de J.J Abrams (Super 8) e a leveza do cinema de Brad Bird (Os Incríveis). Um caprichado processo de construção que culmina no estupidamente divertido Nação Secreta, longa que empolga ao reunir os principais elementos desta vertiginosa franquia de ação. Agora sob a batuta do talentoso roteirista e diretor Christopher McQuarrie (Os Suspeitos, Jack Reacher), a nova aventura do agente Ethan Hunt entrega não só algumas das melhores sequências de ação da saga, mas também um argumento absolutamente impecável, um vilão à altura da IMF e uma protagonista feminina que se revela o verdadeiro trunfo desta vigorosa continuação.
De longe o longa mais equilibrado da série, o novo Missão: Impossível se inicia pouco tempo após os acontecimentos de Protocolo Fantasma, em que Hunt evitou que uma ogiva nuclear russa atingisse os EUA. Apesar das bem sucedidas missões do agente, a CIA entra em rota de colisão com a IMF, a Impossible Mission Force, pedindo o encerramento da agência ao renegar o imprudente 'modus operandi' dos seus comandados. Contando com a influência do agente Alan Hunley (Alec Baldwin), a Central de Inteligência Americana consegue junto ao congresso o fechamento da agência, deixando Ethan Hunt (Tom Cruise) exposto em uma missão na Europa. Contando com o apoio de Brandt (Jeremy Renner), que agora se tornou um membro do alto escalão da IMF, e do extrovertido analista Benji (Simon Pegg), Hunt acaba descobrindo a existência do Sindicato, uma perigosa organização secreta liderada pelo cerebral Solomane Lane (Sean Harris). Precisando encontrar o paradeiro deste misterioso homem para comprovar a importância da sua agência, ele logo se vê preso a uma intricada missão, principalmente após conhecer a bela e enigmática agente dupla Ilsa Faust (Rebecca Ferguson). Confiando em pouquíssimas pessoas, Hunt inicia um jogo de gato e rato com Solomane e o Sindicato, tendo que superar não só as dúvidas sobre o seu modo de operar, como também a inteligência e o poder desta bem consolidada organização.
Preciso ao intercalar as espetaculares sequências de ação com a atmosfera intrigante construída pelo primoroso argumento, Christopher McQuarrie mostra pleno domínio sobre o suspense, a comédia e a aventura ao longo das vibrantes 2 h e 10 min de projeção. Brincando sempre com as expectativas do público, o longa explora com rara felicidade as questões mais complexas por trás da história, preparando o terreno para as populares trucagens, para as criativas reviravoltas e para instigante relação entre os protagonistas. Alimentando sabiamente o sentimento de dúvida em torno da conduta dos novos personagens, chama atenção a forma como o roteiro coloca em cheque - até mesmo - o impulsivo modo de agir do agente Ethan Hunt. Se aprofundando nas imperfeições e nas falhas operacionais da IMF, McQuarrie é perspicaz ao destacar elementos como a sorte, o improviso e a valorização do trabalho em equipe, trazendo ainda mais tensão para as mirabolantes incursões da agência. Além disso, se nos primeiros longas nos acostumamos a ver somente os planos de Ethan em prática, nesta continuação as pragmáticas missões do Sindicato introduzem ingredientes particulares à franquia, criando uma rivalidade que cresce gradativamente até o magnético clímax. Graças ao primoroso senso de simultaneidade do realizador, inclusive, membros do Sindicato e Ethan chegam a se cruzar numa mesma missão, rendendo momentos incríveis. No melhor deles, numa nítida homenagem aos clássicos de Alfred Hitchcock, as duas organizações entram em rota de colisão durante uma ópera em Viena, numa sequência repleta de estilo e intensidade. Outro grande mérito da trama fica pelo humor, mais precisamente para o espaço dado ao adorável Benji. Longe de ser o usual alívio cômico da película, Simon Pegg é bem melhor aproveitado neste quinto longa, ganhando um merecido destaque ao dar vida ao corajoso elo mais fraco deste grupo. O seu desempenho no último ato, inclusive, é digno dos melhores elogios.
A grande comprovação do amadurecimento da franquia, no entanto, fica pelo desenvolvimento das personagens femininas. Se nos três primeiros longas as mulheres conviveram com um papel secundário, indo de mera distração para um truque maior ao interesse romântico que se torna a missão, a série ganha uma protagonista de peso em Nação Secreta. Ainda que em O Protocolo Fantasma a agente vivida por Paula Patton tenha conquistado o seu espaço, se tornando uma peça participativa dentro do envolvente trabalho de Brad Bird, é a misteriosa Ilsa Faust um dos principais acertos deste novo Missão: Impossível. Interpretada com afinco pela talentosa Rebecca Ferguson (Hércules), a magnífica agente dupla rouba a cena nesta continuação, impressionando por sua complexidade e pela expressão naturalmente dúbia. Numa época em que Hollywood sofre com as críticas envolvendo a escassez de bons papéis femininos, McQuarrie abre um bem vindo espaço para uma personagem deste porte, fazendo de Faust o pivô de algumas das melhores reviravoltas do roteiro. Em alguns momentos, inclusive, ela chega a rivalizar com o astro Tom Cruise, que segue sendo a verdadeira alma desta franquia. Esbanjando carisma e disposição aos 53 anos, o inesgotável ator nos faz crer na versão mais falha, humana e impetuosa do agente, abraçando um rumo que já vinha sendo desenhado desde MI 3. Abrindo mão dos dublês em muitas cenas, o ator entrega uma performance repleta de energia e dedicação, contrastando muito bem com o ar contido do vilão Solomane Lane. Dando vida a um antagonista calculista e sombrio, Sean Harris se torna o rival que Ethan Hunt nunca teve. Um nêmesis que parece ser o único capaz de parar o agente da IMF, num duelo que valoriza a inteligência em detrimento da força. Guiada pelos caprichados diálogos, a latente relação entre Hunt e Lane mais parece um barril de pólvora prestes a explodir e virar fumaça.
Nos apresentando a algumas das melhores cenas de ação da série, só a vertiginosa abertura já vale o ingresso, o novo Missão: Impossível evidencia também o talento de Christopher McQuarrie dentro do gênero. Buscando inspiração na própria franquia, o realizador explora com originalidade os populares 'gadgets' da IMF, os utilizando não só para construir as surpreendentes reviravoltas, mas também para incrementar as missões mais mirabolantes. Contando com o belo trabalho da equipe de efeitos especiais, a sequência submersa é fantástica, com a ágil montagem de Eddie Hamilton (Kingsman) e com a belíssima fotografia do 'oscarizado' Robert Elswit (Sangue Negro), McQuarrie é inventivo ao criar cenas ora absurdas, ora verossímeis, abrindo um maior espaço para os duelos corpo a corpo e para as velozes perseguições pelas ruas de Casablanca. Desta forma, embalado pela esperta trilha sonora de Joe Kraemer (Jake Reacher), que une os acordes da canção tema de Lalo Schifrin à clássica ópera de Puccini, Nação Secreta abraça com convicção as ininterruptas e empolgantes sequências de ação, comprovando que as atualmente frenéticas fórmulas do gênero podem coexistir com a tensão e a elegância que consagraram o longa original. E num ano marcado por gigantescos blockbusters, Tom Cruise mostra que ainda é capaz de fazer o impossível parecer provável ao interpretar o agente Ethan Hunt.
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