segunda-feira, 5 de julho de 2021

Crítica | Rua do Medo: 1994

 Os slashers encontram uma nova geração

Virou um senso comum usar o termo “filme de algoritmo” para definir as produções projetadas para agradar ao público do streaming. Muitos tratam esse conceito como se fosse uma novidade. Uma leitura, a meu ver, equivocada. Os tais filmes de algoritmo nasceram praticamente juntos do cinema blockbuster. A lógica nunca mudou. O que faz sucesso é reciclado. O que não faz é descartado. São títulos (de qualidade ou não) pensados para alcançar o maior número de espectadores. Ou para satisfazer o apetite de determinada fanbase. A diferença, agora, está no ‘modus operandi’. No uso de métricas ainda mais objetivas. Parte de uma engrenagem 100% comercial, Rua do Medo: 1994 não é só mais um filme de algoritmo. É uma obra pensada para se adequar a efêmera lógica do streaming. Esqueça a convencional “janela” de um ano entre continuações. A Netflix ousou ao arquitetar uma trilogia de horror para ser lançada em 21 dias. Um filme por semana. Gostem ou não, é uma nova forma de se construir um universo cinematográfico. Livre do fardo da bilheteria. Imune as críticas negativas. Independente da aceitação do público. Um projeto destemido por natureza. Mais arriscado do que o longa em si. 

Não existe um segundo de originalidade em Rua do Medo: 1994. Quando assume este fato sem culpa, o slasher movie sobrenatural dirigido por Leigh Janiak diverte com a sua verve pop oitentista, algumas boas sacadas e muito gore. Enquanto se concentra na luta de um grupo de adolescentes contra um implacável trio de serial killers, a cineasta se delicia com os clichês ao adotar clássicos signos do subgênero como um fio condutor para a construção do horror. A ideia não é só tornar a experiência reconhecível para todos os públicos. A cineasta quer adaptar velhas convenções para as novas gerações. Os mais experientes podem achar tudo genérico. Nós não somos, porém, o público alvo desta empreitada. Desde Pânico (não à toa a maior referência deste primeiro filme), um longa não se esforçava tanto para “renovar” o alcance do segmento. Janiak usa a liberdade concedida pelo streaming para dialogar com os mais jovens sem a necessidade de abrir mão do terror em sua face mais gráfica (e estúpida). Estamos diante de um filme ‘teen’ com classificação etária 18 anos. Algo até pouco tempo impossível. 

No papel, Rua do Medo: 1994 assume os vícios e virtudes dos slashers movies com convicção. A diretora não tem a ambição de reinventar a roda. Ela moderniza os peões, nunca o jogo. Os adultos não têm vez aqui. A polícia, como de costume, é irrelevante. A decadente cidade de Shadyside é o palco perfeito para uma noite de terror. O texto original do escritor R.L. Stine ganha um filtro sangrento\sombrio que funciona dentro do que se propõe. Tal qual hits como Sexta-Feira 13 e Acampamento Sinistro (outras duas referências óbvias), o pesadelo dos cativantes personagens é a diversão do público. A imprevisibilidade nasce da perspicácia com que a diretora manipula o senso de perigo ao longo da trama. Ela empodera os seus personagens. Ela permite que o público se reconheça neles. Os cativantes adolescentes representam as novas audiências. Ao invés de fugir, eles desafiam o mal. Eles são confiantes, eles são impetuosos, eles são inconsequentes. Eles sabem o que querem. Eles não sabem o que estão enfrentado.

Uma atualização interessante que contrasta com as confusas pretensões da obra enquanto parte de algo maior. No momento em que se vê obrigado a estabelecer a pueril mitologia que irá nortear a trilogia, Rua do Medo: 1994 expõe os problemas de tom de uma obra sustentada pelo didatismo, por escolhas limitantes e pela irregular construção narrativa. Leigh Janiak emancipa os jovens para logo em seguida infantilizar a trama. Para estabelecer o mito, o primeiro capítulo sacrifica muita coisa. O elo entre os adolescentes é raso. O terror é colocado em segundo plano em diversas passagens. O promissor duelo de classes entre as cidades vizinhas é subaproveitado. O background mitológico envolvendo uma bruxa sinistra e uma maldição secular é introduzido com pressa. É um tanto contraditório perceber como o filme subaproveita a classificação elevada enquanto explora a dinâmica sexual proposta pelo plot. Embora até ensaie uma subversão da moralista lógica do subgênero slasher, a cineasta pisa no freio ao reduzir a “libertação” dos personagens a uma dezena de segundos. 

Se por um lado é legal ver como a produção Netflix naturaliza a complicada relação amorosa entre as protagonistas, a arredia Deena (Kiara Madeira) e a reprimida Sam (Olivia Scott Welch), por outro é frustrante notar o “puritanismo” de Janiak ao desenvolver a jornada de reconexão entre as duas. Ela insinua sem explicitar. Ela resume tudo a romantização teen. Um senso de pudor incoerente para um filme que, nas passagens mais brutais, ostenta a liberdade oferecida pelo selo “para maiores” com orgulho. O saldo, contudo, ainda é positivo. Com uma trilha sonora nostálgica e muitas promessas a cumprir, Rua do Medo: 1994 busca referências nas fontes certas num slasher comprometido com o cinema de horror, mas pensado para a nova geração de fãs de cinema. Uma curiosa mistura de Sessão da Tarde com Cine Trash.

Post originalmente publicado no meu Instagram. Me siga por lá @thiagobarata87. 

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