terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Crítica | Vozes (Voces)

 Já vi isso antes... E melhor!

Alguns filmes simplesmente não se esforçam. Se contentam em replicar o que já foi feito sem qualquer compromisso com a originalidade. Vozes é mais um título a entrar nesta ingrata lista. Distribuído pela Netflix, o thriller de horror espanhol dirigido por Ángel Gómez Hernandez bebe de todos os clichês do gênero possíveis para assustar. É preciso ser um absoluto novato no segmento para não identificar a grosseira falta de ideias estéticas\narrativas. O longa, para começar, praticamente surrupia a premissa da excelente série A Maldição da Residência Hill. Uma família compra uma mansão isolada com a intenção de reformá-la e revendê-la por um preço superior. Lá eles se deparam com uma série de “reconhecíveis” fenômenos. Esta é apenas a primeira das produções emuladas pelo plot. 


Tem de tudo um pouco aqui. Um menino acuado por uma entidade sombria. Um parede putrefata que claramente esconde segredos. Uma equipe de paranormais contratada para identificar a existência de manifestações. Uma ameaça possessora incomodada com a presença de “estranhos” na casa. Uma verdadeira colcha de retalhos que, obviamente, envolve também a construção do terror. Estamos diante de uma obra incapaz de assustar na base da sutileza. O que, a princípio, poderia nem ser um demérito propriamente dito. Muitos grandes filmes do gênero seguiram uma abordagem semelhante. Aqui, porém, vemos o exagero pelo exagero. Na dúvida, Hernandez peca pelo excesso. Mais referências. Mais sustos. Mais horror. O recurso do jump scare é utilizado à exaustação. Qualquer desculpa é motivo para um sobressalto gratuito. Com destaque (negativo) para o ruidoso design de som. É invasivo, é grosseiro, é banalizado. Nos momentos em que verdadeiramente pensa o ‘mise en scene’, Ángel Gómez Hernandez até mostra virtudes ao desenvolver a atmosfera de tensão. 

Em um ou dois momentos, como na sequência em que uma cama vira a última “linha de defesa” da mãe do protagonista, ele consegue angustiar com consistência (mesmo que numa clara referência a Poltergheist). O visual da criatura, em especial, é bem sinistro. Talvez a maior virtude do longa. Os efeitos práticos, aqui, trazem peso. Um status, infelizmente, subaproveitado pelo próprio argumento. Hernandez falha ao nunca mergulhar na própria mitologia. Ao nunca fugir da zona de conforto. As conveniências narrativas são grosseiras. A trama sobre um casal obrigado a lidar com o luto perde sentido diante da total incapacidade do texto em desenvolver o background dramático\psicológico. Em vários momentos, na verdade, o diretor se vê obrigado a proteger os mistério para não perder a atenção do público diante da superficialidade do plot. E quando o segredo vem à tona as coisas só pioram... No momento em que decide “criar”, Vozes se rende a um plot batido por natureza. Me arrisco a dizer distorcido. 

O contexto histórico, aqui, é explorado com absoluta pobreza. Num momento em que o cinema de horror tem ressignificado velhas convenções\arquétipos históricos, Hernandéz aposta numa abordagem datada. À medida que decide tocar em temas reais, o argumento é perigosamente reducionista ao tratar o maniqueísmo com a única motivação. Sem querer revelar muito, a maneira com que o cineasta explora a depressão\suicídio dentro da trama é criminosa. Associar um mal tão reconhecível ao elemento paranormal, como sugere um dos personagens, é inaceitável. Uma visão simplória que diz muito sobre Vozes. Uma obra que troca o desenvolvimento narrativo pela banalização do choque. Que sacrifica a construção do horror em prol de sustos fáceis e de uma premissa que caiu em desuso há pelo menos uns quarenta anos.

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