O cinema de Sofia Coppola é recheado de virtudes. Uma realizadora com voz e assinatura própria. Capaz de imprimir a sua visão de mundo em tela. O que mais me encanta nas suas obras, porém, é o seu revigorante senso de intimidade. Não importa se a sua protagonista é uma adolescente com tendências suicidas, uma recém-casada frustrada num país estrangeiro ou uma rainha extravagante desconectada da realidade. Impressiona como sempre ela consegue enxergar a alma das suas personagens. Criar tipos humanos, profundos e reconhecíveis. Em On The Rocks, mais uma vez, a cineasta causa um fascínio natural ao mergulhar na rotina de uma mulher com anseios identificáveis. Uma esposa solitária às avessas com a possível infidelidade do marido.
No auge da sua maturidade enquanto cineasta, Sofia Coppola é cuidadosa ao usar a comédia para refletir sobre a ingrata posição feminina numa sociedade com raízes paternalistas. Também responsável pelo roteiro, ela trata os clichês da imaturidade masculina como o combustível que alimenta esta ambígua crônica comportamental. Todos, claro, espelhados na expansiva figura paterna vivida por Bill Murray. Quando Laura (Rashida Jones) passa a desconfiar da ausência do marido, é em Felix que ela vai buscar conselhos. Alguém que, pretensamente, sabe como funciona a cabeça de um homem.
É a partir da franqueza deste galanteador incorrigível que Coppola investiga a insegurança criada a partir de imposições estéticas e sociais. Com um texto afiado e ao mesmo tempo tenro, a cineasta enxerga além da relação entre pai e filha ao expor o círculo vicioso causado pelo machismo. Sem apelar para o discurso moralista, a diretora renega o reducionismo barato. Valoriza os sentimentos conflitantes que aquecem esta relação. Evita tratar a fidelidade como uma virtude absoluta. Por trás da ironia existe verdade. Existe cumplicidade. Existe dramaticidade. O que começa como uma impagável jornada de reconexão ganha um contorno mais denso à medida que os dois entram em choque. Ambos já sentiram na pele as sequelas da traição. Ambos sabem o quão devastador pode ser o processo. Os erros do passado, como de costume, refletem no presente. Enquanto a insegurança dela nasce da frustração e da impotência dentro do casamento, a confiança sexisista dele esconde culpa, angústia e solidão. Coppola é sagaz ao, tal qual em Encontros e Desencontros, uni-los pela ausência numa grande cidade. A elegância do requintado cenário Nova Iorquino contrasta com o foco intimista na conflitante relação paternal entre Laura e Felix. O tempo literalmente para quando Murray e Jones conversam. O carisma expansivo dele combinado com o sarcasmo defensivo dela criam uma combinação única. Eu veria três horas dos dois juntos.
Impulsionado por estas maiúsculas performances, Sofia Coppola é inteligente ao usar a fragilidade de pai e filha para demolir as barreiras invisíveis que os separavam. O clima muda de um segundo para o outro. Estamos diante de tipos incapazes de romper (e também de lidar) com os rótulos que construíram para si próprios. Ele o do conquistador, ela o da esposa omissa. On The Rock cresce nestes momentos. Quando transita do humor indulgente para o melancólico estudo de personagem. Quando expõe a falta de diálogo, o desconforto gerado pelas incertezas e o vazio crescente que engole os protagonistas. Quando defende que não existe traição pior do que a contra si mesmo. Coppola é categórica ao notar a ambiguidade em atos e fatos. Embora o argumento peque ao nunca tratar com a devida profundidade a figura do marido vivido por Marlon Wayans, a cineasta compensa ao expor o quão corrosivo pode ser o efeito da rotina num relacionamento. Sem julgamentos, sem maniqueísmos, mas com a convicção de que a balança entre gêneros segue desequilibrada. Em On The Rocks, o “final feliz” deixa uma sensação amarga. Não por uma deficiência narrativa ou um problema na direção, mas por sugerir sacrifícios e exigências que nenhum pai iria querer para a sua filha.
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