segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Crítica | Uma Vida Oculta

O preço a ser pago pela liberdade

“Você não pode vencer o mundo. O mundo é mais forte que você”. Essa sentença de Uma Vida Oculta fala muito sobre o cinema de Terrence Malick. Um realizador acostumado a usar o cenário (e a realidade por consequência) para estudar a natureza dos seus personagens. Seus melhores filmes moldam o micro a partir do macro. Analisam a nossa vulnerabilidade a partir de temas complexos e\ou provocantes. No seu melhor trabalho desde o profundo Árvore da Vida (2011), Malick resgata a potência reflexiva esquecida nos seus últimos projetos ao discutir o idealismo sob uma dicotômica perspectiva religiosa. Os protagonistas Franz e Fani tinham uma rotina dos sonhos. Um verdadeiro paraíso. Viviam do que nutriam na Terra. 


A Segunda Guerra Mundial, no entanto, surge como uma bomba no seio desta funcional família. O Fascismo é o mal. Adolf Hitler, aos olhos de Terrence Malick, é uma entidade capaz de corromper o paraíso. Obrigado a assinar uma carta de lealdade ao líder do Terceiro Reich, Franz reluta. As “máscaras” dos seus vizinhos logo “começam a cair”. À medida que escancara o ódio contra os que pensam diferente, o cineasta repercute as sequelas da manipulação, da perversidade escondida no discurso, do medo. A resposta surge na fé do protagonista. A religiosidade, aqui, representa o idealismo. “É melhor ser vítima da injustiça, do que o agente dela”, diz o pai de Fani numa sequência chave da obra. Malick diminuiu rotineiramente os seus personagens para engrandece-los. Eles são “pequenos” por desafiar o mundo. É isso que torna os seus atos tão grandiosos. É através do casal de protagonistas que o cineasta estuda o real poder de uma ideia. Para o bem e para o mal. 

Embora apele demais para o maniqueísmo para catalisar a trama, o que é sempre um problema, Terrence Malick compensa ao potencializar a dramaticidade no vazio, na beleza do paraíso roubado, no peso da ausência. As quase três horas de projeção crescem na força do texto, na intensidade do talentoso elenco, na condução quase onírica de Malick. A beleza dos planos ajuda a traduzir a essência indômita de Franz. Os enquadramentos podem até realçar a sua posição de inferioridade, mas nunca o aprisionam. Um predicado valorizado pelas intensas performances de August Diehl e Valerie Pachner. Enquanto ele, num trabalho sensível e ao mesmo tempo introspectivo, traduz a plenitude do seu Franz com rigor, ela, numa atuação mais expansiva e humana, captura a vulnerabilidade da sua Fani com uma verdade comovente. Por mais que o visual, a fotografia fria de Jorg Widmer e o engenhoso 'mise en scene' de Malick chamem a atenção, Diehl e Pachner são a alma da obra. São eles que humanizam o comentário social proposto e a poderosa crítica contra o fascismo. Com um ar meditativo, mas um objetivo bem claro, Uma Vida Oculta causa um misto de tristeza e inspiração ao defender a liberdade e expor o preço a ser pego para ela. 

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