quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Cinco Filmes | John Cazale

Se fosse vivo, o ator John Cazale completaria 85 anos hoje. Poucos precisaram de tão pouco (com o perdão da repetição) para mostrar tudo. Cinco filmes. John Cazale precisou de cinco filmes para escrever o seu nome na história da Sétima Arte como um dos maiores da sua geração. “Aprendi mais sobre interpretação com John do que com qualquer outra pessoa. Tudo que eu queria era trabalhar com John pelo resto da vida”. Sabe quem disse isso¿ Al Pacino! Cazale tinha algo só seu. Algo que transcendia a imagem. Ele não era bonito. Ele não era forte. Ele não era imponente. Ele tinha uma energia, no entanto, capaz de cativar todos ao seu redor. Ainda assim, Cazale lutou para chegar onde chegou. Enquanto tentava a sorte nos palcos, ele teve todo o tipo de trabalho. Num deles, como mensageiro de uma companhia de petróleo, cruzou o caminho de um dos grandes amigos da sua vida, um igualmente desconhecido Al Pacino. “Quando vi John pela primeira vez, imediatamente pensei que ele era muito interessante. Todo mundo estava sempre ao seu redor porque ele tinha uma maneira muito agradável de se expressar”, revelou o astro de O Poderoso Chefão. 


Esse era o efeito que John Cazale causava. O tipo de homem que gostava de curtir. Um ‘bon vivant’ nato. Que reunia pessoas ao seu redor. Se nos palcos ele já chamava a atenção dos produtores, fora deles fez amigos que o acompanharam até os seus últimos dias de vida. Foi numa das peças off-Broadway, por sinal, que Cazale atraiu o olhar de um tal diretor chamado Francis Ford Coppola. Foi amor à primeira vista. Ele nasceu para ser Fredo Corleone. O elo mais frágil e afetuoso de uma família de mafiosos italianos. Assim surgiu o primeiro filme da lista. Tecer uma análise sobre O Poderoso Chefão (1972) chega a ser irrelevante. Estamos diante do mais influente filme de máfia já concebido. Uma obra atemporal capaz de seguir conquistando gerações com uma trama sobre ambição, poder, controle e o estrago emocional causado por tudo isso. Na pele da peça mais subestimada desta violenta engrenagem, Cazale capturou a vulnerabilidade do seu Fredo com um misto de humanidade e carisma comoventes. Era impossível não se afeiçoar por ele.

Vencedor do Oscar de Melhor Filme, O Poderoso Chefão representou o começo de carreira que toda estrela de cinema gostaria de ter. Enquanto Al Pacino foi catapultado ao status de astro do momento, John Cazale causou ótima impressão mesmo com um papel de coadjuvante. O que levou Francis Ford Coppola a escrever um personagem especialmente para ele no seu próximo projeto, o angustiante A Conversação (1974). O segundo filme da nossa lista traz Gene Hackman como protagonista na pele de um expert em escutas mergulhado nas suas próprias paranoias após se envolver numa conspiração. Na pele de Stan, amigo do instável protagonista, Cazale mais uma vez roubou a cena num papel menor, mas importante para o triunfo desta enervante pérola setentista indicada ao Oscar de Melhor Filme. O tipo de obra que, apesar dos evidentes avanços tecnológicas, não poderia soar mais atual no que diz respeito ao trato de temas como invasão de privacidade e a vulnerabilidade individual numa sociedade cada vez mais monitorada.

Àquela altura, John Cazale já era um nome de prestígio. Foi com o terceiro filme da lista, porém, que o ator teve a oportunidade de experimentar o protagonismo. Em O Poderoso Chefão – Parte II (1974), Cazale desfilou a sua expressividade ao dar voz a um errático Fredo. Mais uma vez ao lado de Al Pacino e do seu futuro grande amigo Robert De Niro, o ator roubou o show ao se tornar uma espécie de fantasma vivo na rotina de um agora empoderado Michael Corleone. O senso de dramaticidade que Cazale impõe nas suas cenas é algo único aqui. O misto de inocência, vulnerabilidade, frustração e obstinação causam uma comoção natural. O drama na continuação nasce da relação entre os irmãos. Do choque entre o mais forte e o mais fraco. Não à toa as cenas mais icônicas da franquia estão ligadas a eles. O beijo da traição é, facilmente, uma das sequências mais enfáticas da história da Sétima Arte. É pura eletricidade. Como esperado, O Poderoso Chefão II fez história ao se tornar a primeira continuação ao ganhar o Oscar de Melhor Filme.

A sua parceria com Al Pacino, no entanto, ainda iria render outro grande fruto. E muito em função da influência do ator. Durante o processo de pré-produção de Um Dia de Cão (1975), o diretor Sidney Lumet queria um ator jovem para viver o assaltante Sal. Pacino decidiu interferir. Segundo o próprio cineasta, ele foi o responsável por trazer John Cazale para o longa. “No roteiro, o papel de Cazale foi escrito para ser um garoto de rua espertinho. Mas Al [Pacino] veio até mim e disse: ‘Sidney, por favor, eu imploro, leia John Cazale para isso’, explicou Lumet. O resultado não poderia ser melhor. Em Um Dia de Cão vemos a perfeita sinergia entre dois atores. Graças ao senso de liberdade permitido por Lumet, que, nesta produção, incentivou o elenco a improvisar a fim de tornar tudo mais enervante, eles causaram um frisson natural ao darem vida a dois despreparados assaltantes às avessas com um roubo malsucedido. Enquanto Pacino explode em cena incontrolavelmente, Cazale transforma o medo do seu personagem em inércia. O improviso torna a relação dos dois impagável. Eles se provocam em cena. O que, mais uma vez, se refletiu no êxito da produção. Aclamado pelo público e pela crítica, Um Dia de Cão foi o quarto longa de Cazale indicado ao Oscar de Melhor Filme.

Vivendo a grande fase da sua carreira, John Cazale conheceu no teatro a mulher da sua vida. Uma atriz então promissora e muito talentosa chamada Meryl Streep. Em 1976, após dividirem o palco em Measure To Measure, os dois iniciaram um romance fulminante. Parecia que ambos sabiam o que estava por vir. De uma hora para outra Cazale definhou. O diagnóstico não poderia ser mais alarmante: câncer nos ossos. Eles não desistiram. O plural, aqui, se faz necessário. Meryl Streep fez de tudo pelo seu querido parceiro, inclusive brigar pela presença dele no que viria a ser o seu filme derradeiro. “Eu dificilmente vi uma pessoa tão devotada a alguém que estava indo embora como John estava. Vê-la naquele ato de amor por este homem foi esmagador”, confidenciou Al Pacino sobre Streep. Na época da descoberta, Cazale estava escalado para estrelar o drama de guerra O Franco-Atirador (1978) ao lado de Christopher Walken, Robert DeNiro e da sua própria namorada. Os produtores ligaram o sinal de alerta. Quando a sua demissão por motivo de doença parecia iminente, o elenco entrou em ação. Streep subiu o tom e revelou que não aceitaria estrelar o filme sem Cazale. De Niro, por sua vez, teria sugerido pagar o cachê dele do próprio bolso para que nenhuma alteração fosse feita. A pressão surtiu efeito.

Consciente da fragilidade de John Cazale, o diretor Michael Cimino topou antecipar as filmagens das suas cenas. Neste meio tempo, para sustentar o tratamento do marido, Meryl Streep viajar para a Alemanha para rodar a série Holocausto. Enquanto isso, Al Pacino e Robert De Niro ficaram responsáveis pelos cuidados do enfermo ator durante o processo de quimioterapia. O esforço em prol da arte fez sentido. Embora com um tempo de tela reduzido, Cazale entregou tudo de si num dos mais impactantes dramas de guerra já produzidos. Um retrato implacável de uma máquina ceifadora de virtudes. O Franco-Atirador representou o ponto final na breve, mas memorável carreira de John Cazale. Antes mesmo do lançamento do longa, o ator faleceu, aos 42 anos, vítima de uma metástase do câncer. Em seis anos ele marcou presença em cinco longas. Os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme. Um feito único que sintetiza o efeito gerado pelo saudoso ator. O seu temperamento afetuoso o aproximou dos melhores. O seu talento inquestionável o colocou nos grandes projetos. A sua total devoção à arte o tornou inesquecível.

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