sábado, 7 de março de 2020

Dez Grandes Filmes para se Assistir no Dia Internacional da Mulher


Sob a perspectiva masculina, tratar o feminismo como uma “bobagem” é fácil. Só quem sente na pele o efeito da desigualdade de gênero é verdadeiramente capaz de enxergar a importância deste movimento. Hoje eu valorizo. Mas nem sempre foi assim. Não tenho vergonha de assumir isso. Eu nasci numa sociedade machista. Ou melhor, eu vivo numa sociedade machista. Melhor do que nos anos 1990? Fato! Melhor do que nos anos 2000? Acredito que sim! Mais ainda assim problemática. Basta um pingo de empatia para percebermos o que acontece ao nosso redor. São problemas sérios. São problemas do nosso dia a dia. São problemas que precisamos encarar de frente. O cinema, como de costume, me ajudou a abrir os olhos para esta realidade. Me ajudou a enxergar tabus que eu nunca enfrentei. Me ajudou a identificar a disparidade, a vulnerabilidade, a repressão. Mazelas de uma realidade que não era a minha. Neste Dia Internacional da Mulher, no entanto, nada melhor do que relembrar alguns destes indispensáveis títulos. Obras de épocas e temas variados que todo homem deveria assistir. 


- Infâmia (1961)


Um relato atemporal e corajoso sobre o impacto de uma mentira na rotina de duas dedicadas professoras, Infâmia escancara a posição de vulnerabilidade feminina dentro de uma sociedade machista, desigual e preconceituosa. O diretor William Wyler constrói um drama indignante e esteticamente elegante sobre a onda de preconceito iniciada por uma simples notícia difamatória. Um conto urgente num período em que basta um clique para que fake news se espalhem online. O estrago causado por muitas delas é real, em especial junto às mulheres. A partir de um estudo de personagens dilacerante, o longa é enfático ao discorrer sobre a repressão num ambiente de intolerância. Impulsionado pelas poderosas performances de Audrey Hepburn e Shirley Mclaine, Infâmia causa uma angustia natural ao se colocar no papel das vítimas. Estamos diante de um filme sobre a homossexualidade que isola, que deprime, que degrada, que mata. Um relato triste, mas ainda hoje infelizmente reconhecível.

- O Que Teria Acontecido a Baby Jane (1962)


O filme definitivo sobre a rivalidade entre mulheres (e o estrago causado por ela), O Que Teria Acontecido a Baby Jane mostra como o meio pode perpetuar algo tão nocivo. Sob a intensa batuta de Robert Aldrich, o longa mergulha no predatório mundo do showbiz ao narrar a rixa entre duas irmãs unidas por uma tragédia. Na verdade, existem dois filmes em um aqui. Estamos diante do tipo de obra em que a ficção e a realidade andam de mãos dadas. No papel, Aldrich, com base no popular livro de Henry Farrell, traduz como pouco a toxicidade na interação entre duas atrizes que desde cedo aprenderam a competir. Obrigadas a conviver com as sequelas de um período que ficou no passado, as duas precisam lidar com o rancor, com o medo, com o isolamento, com a frustração. Tal qual muitas estrelas, elas foram sugadas, foram vítimas da sua própria vaidade, foram “devoradas” por uma indústria sedenta pela perfeição. Diante de feridas nunca cicatrizadas, Aldrich esbanja intensidade ao refletir sobre o viés corrosivo de Hollywood a partir do presente das suas personagens. A escalada de raiva e insanidade é catalisada pelas imposições do passado. Pela indústria que “alimenta” uma competição desvairada, em especial entre as mulheres. Algo que fica bem claro quando nos deparamos com o filme dentro do filme que se tornou O Que Teria Acontecido a Baby Jane. Duas das grandes estrelas da Era de Ouro de Hollywood, Joan Crawford e Bette Davis entraram em rota de colisão no set. A toxicidade do texto original era semelhante a rixa que tomou conta do filme. Velhas “rivais” no seu auge, as veteranas tornaram o processo de filmagem o mais complexo possível. As duas competiam por falas, competiam por destaque, competiam por controle. Embora, por trás disso tudo, ambas tivessem a noção que essa poderia ser a chance de reaquecer as suas respectivas carreiras, elas, tal qual as suas personagens, levaram o passado para o set. O resultado foi uma verdadeira fogueira das vaidades. As magníficas performances não foram capazes de atenuar o que aconteceu nos bastidores. Mais do que um grande filme, O Que Teria Acontecido a Baby Jane não só rendeu uma outra grande história, mas mostrou o quão degradante era o mundo daquelas estrelas com um impiedoso “prazo de validade”.

- Alice Não Mora mais Aqui (1974)


Um dos principais expoentes do movimento intitulado Nova Hollywood, Martin Scorsese estabeleceu o seu nome dentro da indústria com projetos pequenos e realísticos. Através de personagens genuinamente humanos, o cineasta se debruçou inicialmente sobre os problemas mais universais, saindo em defesa da verossimilhança em títulos como o precioso Alice Não Mora mais Aqui. O então jovem realizador se esquivou dos clichês românticos ao narrar as desventuras de uma viúva obrigada a enfrentar o machismo e a desigualdade para sustentar o seu espevitado filho. Embora a premissa sugira o contrário, Scorsese é sagaz ao revelar esta realidade sob um prisma leve e revigorante, equilibrando drama e humor na medida certa ao transitar por temas como a violência doméstica, a desigualdade entre os gêneros e a busca pela independência feminina. Alice Não Mora mais Aqui conquistou a crítica da época ao tratar a questão do empoderamento feminino de maneira direta e universal, se insurgindo contra os velhos rótulos ao tirar do papel uma protagonista moderna e multidimensional. Uma mulher que, após anos "presa" ao idealizado papel da dona de casa, precisa reaprender a andar com as suas próprias pernas. Com a liberdade para realçar todas as nuances da sua incrível personagem, Ellen Burstyn desfilou o seu magnetismo em cena ao tornar a jornada de Alice perfeitamente compreensível aos olhos do público. Expansiva e carismática, a atriz brilhou ao interiorizar o misto de esperança e resignação da viúva, o seu desconforto e a sua inquietude, nos brindando com uma performance memorável. Somado a isso, o diretor esbanja naturalismo ao construir a disfuncional relação entre Alice e o seu filho, o comunicativo Tommy (Alfred Lutter, magnífico), indo além dos clichês maternais através de diálogos ágeis e takes recheados de ternura. Consciente e atual, Alice não Mora mais Aqui traduz as angústias de uma geração de mulheres com confiança, peso e muita verdade.

- Os Renegados (1985)


Em Os Renegados vemos o cinema mais cru e contundente de Agnès Varda. Aqui não existe espaço para o subjetivo. Estamos diante da realidade nua e impiedosa. Sem floreios, sem dispersões, sem atenuações. Uma jovem mulher é encontra morte à beira da estrada. Sozinha, sem identidade, sem ninguém para reclamar a sua ausência. A partir desta trágica situação, estabelecida com franqueza logo na primeira cena, Varda desconcerta ao dar voz a uma marginalizada, ao escancarar a rotina dos esquecidos, dos subjugados, dos abandonados. Sob a perspectiva da bela Mona (Sandrine Bonnaire), uma andarilha que mesmo suja e “largada” atraia a atenção de todos que a cercavam, a realizadora francesa toca em dolorosas feridas sociais ao não se ater ao drama da sua protagonista. Os Renegados é o tipo de obra multitemática, uma verdadeira crônica sobre a indiferença e a insensibilidade característica dos grandes centros urbanos. Sob uma perspectiva íntima, Varda é cuidadosa ao tentar entender aos poucos os motivos que levaram Mona a optar por uma vida tão perigosa e desprotegida. Sem a intenção de julgá-la, nem tão pouco vitimizá-la, a diretora mostra sutileza ao invadir a psique da sua protagonista, ao desvendá-la perante o público à medida que ela se aproxima do seu fatídico destino. Como de costume em alguns filmes da sua obra, Varda é direta ao revelar a rotina de abusos enfrentadas (ainda hoje) por muitas mulheres ao redor do mundo. Nas entrelinhas, a realizadora sugere que a busca dela por liberdade nasceu da imposição masculina, da submissão, de um passado não muito distante em que ela se viu\sentiu presa aos interesses dos seus patrões. Ora optando por reconstruir os passos de Mona, ora por ouvir as impressões daqueles que cruzaram o seu caminho, Agnès Varda é igualmente habilidosa ao estabelecer os conflitos dela. Ao, a partir das suas divagações um tanto quanto erráticas sobre liberdade, futuro e afeto, refletir sobre a realidade de muitas mulheres que não encontraram forças para romper com a realidade que as cercam. As pessoas, em especial as mulheres, enxergam nela uma coragem adormecida em si próprias. Um misto de admiração e pena. Até em cima disto, aliás, é interessante ver a sagacidade da diretora em mudar levemente o objeto do seu estudo. Sob a drástica perspectiva da protagonista, os problemas dos demais tipos femininos soam mais evidente. Seja a submissão de uma carente empregada, seja o vazio de uma independente professora, seja a solidão de uma simpática senhora. Todas, em algum momento, experimentaram os conflitos de Mona e vivem diariamente as sequelas de uma sociedade patriarcal. Na verdade, a impressão que fica é que a protagonista foge justamente disto, da naturalização do isolamento feminino. Em suma, Os Renegados é um retrato social indispensável e desesperançoso, um filme que deveria ser lembrado, exibido para os mais jovens, para aqueles que representam o futuro, como uma espécie de antidoto contra a insensibilidade humana que tomou conta do nosso habitat.

- O Serviço de Entregas de Kiki (1989)


Amadurecer é difícil. Poucas fases da vida são tão complicadas quando a transição da infância para a adolescência. As responsabilidades mudam. Os interesses mudam. O mundo ganha um novo tamanho. Tudo se torna mais complexo, intenso e desafiador. Um processo delicado traduzido com sensibilidade ímpar no primoroso O Serviço de Entregas de Kiki. Reconhecido pela força das suas humanas personagens femininas, Hayao Miyazaki investiga este choque de realidade ao narrar a jornada de uma carismática bruxinha obrigada a encarar a emancipação para cumprir uma tradição. Por mais que o viés lúdico salte aos olhos, Kiki é engraçadíssima, tem um ranzinza gato falante e habita num universo em que a fantasia é aceita por todos, o realizador nipônico mais uma vez mostra a inteligência do seu texto ao enxergar nela um arco reconhecível. Num ‘coming of age movie’ comovente, Miyazaki mergulha nas emoções desta garotinha obrigada a experimentar a vida adulta precocemente. A sua magia se “esvai” diante do cansaço do trabalho, da solidão, das pressões do dia a dia, da falta de tempo livre, do deslocamento social. Kiki é uma bruxinha, mas poderia ser uma estudante num novo colégio, uma adolescente de uma família humilde, uma filha da disfuncionalidade. Um relato por si só comovente, mas que ganha um novo sentido graças a opção do diretor em invadir o universo feminino. Kiki é uma das personagens mais mundanas do ‘hall’ de Miyazaki. Ela é independente, ela é resiliente, ela é vaidosa. Ela sabe o que quer até descobrir que nem tudo se reduzia a sua magia. É legal ver como o cineasta, sem nunca renegar o contexto fantástico, consegue traduzir as inseguranças delas. As incertezas quanto ao seu futuro neste desgastante ambiente urbano. A rigor, estamos diante de uma jornada de empoderamento. Ainda que cedo demais, Kiki teve que aprender a lutar pelo seu dom. Teve que sacrificar coisas por ele. Teve que buscar a sua verdade. Com um olhar profundo sobre uma história de amadurecimento genuinamente feminina, O Serviço de Entregas de Kiki faz da representatividade o seu grande diferencial ao dar voz a uma personagem capaz de espelhar os anseios e inseguranças de tantas outras meninas (e porque não meninos) ao redor do mundo. Uma verdadeira pérola do Studio Ghibli.

- Lembranças de Hollywood (1990)


Poucos ambientes foram tão hostis para mulheres quanto Hollywood. A prisão do mega produtor Harvey Weinsten não me deixa mentir. A realidade fala por si só. Com base nos relatos e na história de vida da saudosa atriz Carrie Fisher, Lembranças de Hollywood é contundente ao revelar o alto preço pago por duas estrelas na luta pelo sucesso. Numa época em que os obstáculos impostos a muitas mulheres do showbiz era sequer comentado, o longa dirigido por Mike Nichols causa um misto de emoções ao acompanhar o choque de gerações entre duas atrizes unidas pelo sangue. Inspirado na relação da estrela de Star Wars com a sua mãe, a icônica Debbie Reynolds (Cantando na Chuva), o longa coloca Meryl Streep e Shirley MacLane frente a frente num drama sobre duas mulheres às avessas com as sequelas da fama. Enquanto foca na relação entre mãe e filha, Nichols é sensível ao traduzir o misto de admiração, dor, frustração e cumplicidade que guiava as suas rotinas. Elas sofriam de um mesmo mal, mas reagiam de forma diferente a ele. A vaidade da mãe, um símbolo da era de ouro de Hollywood, contrastava com o relaxamento da filha, uma ‘trainwreck’ prestes a esgotar as suas últimas chances. Ambas tinham vícios. Ambas sofriam. Ambas temiam o ostracismo. Enquanto a veterana ostentava uma pretensa sensação de controle, a sua talentosa filha não tinha vergonha de abraçar as suas fragilidades. Um embate potencializado pelo olhar ferino de Nichols para o showbiz. Embora o foco do longa esteja na relação entre mãe e filha, sempre que possível o experiente realizador é habilidoso ao cutucar o calcanhar da indústria. Ao mostrar a péssima relação com o feminino. Num simples comentário, o realizador escancara o padrão imposto a muitas. Numa fala singela, ele mostra o quanto elas tiveram que sacrificar para chegar ao topo. A bebida e a drogas surgem como uma válvula de escape de um mundo predatório, artificial, efêmero e inclemente. O olhar indômito de Carrie Fisher nos permite enxergar o outro lado da fama. No fim, Lembranças de Hollywood une mãe e filha na luta contra um inglório ‘status quo’.

- Tudo Sobre Minha Mãe (1999)


Poucas vezes vi um filme tão feminino quanto Tudo Sobre Minha Mãe. Um retrato simples e moderno sobre amor materno em diversas perspectivas. Com protagonistas cativantes, diálogos contemporâneos e um argumento naturalmente instigante, o conceituado Pedro Almodóvar mostra a sua reconhecida objetividade passional ao propor um encantador estudo de personagem envolvendo uma mãe (Cecilia Roth, incrível) às avessas com o seu próprio passado após a repentina morte do seu filho. Embora não seja um fã da "crueza" narrativa do realizador espanhol, as soluções convenientes e os excessos dramático por vezes saltam aos olhos, é indiscutível a propriedade com que ele, aqui, investiga os conflitos das suas complexas personagens, preenchendo a trama com sequências ternas carregadas de um forte senso de cumplicidade. Tudo soa muito verdadeiro, muito atual. Além disso, o diretor é genial ao atrelar a jornada da resiliente Manuela a dois clássicos genuinamente femininos, um cinematográfico, o extraordinário A Malvada (1950), e um teatral, Um Bonde Chamado Desejo, costurando realidade e a ficção com inteligência e sofisticação. Contando ainda com as ótimas presenças de uma jovem Penelope Cruz, da experiente Marisa Paredes e da carismática Antonia San Juan, Tudo Sobre Minha Mãe causa um indiscutível fascínio pela naturalidade com que trata conflitos genuinamente femininos, usando a resiliência do amor materno (um sentimento traduzido na vibrante e avermelhada fotografia) como o ponto de partida para a construção de um drama denso e universal. 

Garotas (2014)


Entre as muitas funções do cinema, a capacidade deste “dispositivo” em nos transportar para uma outra realidade é uma das que mais em encantam. Ver o mundo com outros olhos. Experimentar conflitos\sentimentos que não são necessariamente os meus. Não é fácil ver filmes profundos o bastante para alcançar este nível de imersão. Quando eles surgem, porém, o impacto é instantâneo. O ‘hit’ Corra!, por exemplo, me trouxe um vislumbre de o quão dilacerante pode ser a dor\angústia imposta pelo racismo. Jordan Peele conseguiu me fazer sentir o preconceito velado, a tensão no olhar, o desconforto causado pela simples presença. Um choque de realidade que pode ser visto também no desconcertante drama Garotas. Antes de ficar reconhecida pelo aclamado Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019), a sensível realizadora Céline Sciamma invadiu a rotina da periferia francesa ao mostrar a relação de uma tímida adolescente às avessas com o machismo que a cercava. Com um olhar intimista sobre o mundo destas jovens, a diretora é enfática ao traduzir a luta que muitas garotas desde cedo precisam travar para romper com um abominável círculo vicioso. A partir de um contexto extremamente reconhecível, a desigualdade, a cultura patriarcal e a disfuncionalidade familiar se tornam o agente catalisador na jornada de Mariame (Karidja Touré) contra a imposição masculina. Sciamma investiga o machismo que abandona, o machismo que “protege”, o machismo que causa rixa, o machismo que limita\diminui, o machismo que se apodera, o machismo que explora, o machismo que agride. O senso de união entre as jovens amigas se torna uma válvula de escape para o mundo que infelizmente as aguarda. Num poderoso estudo de personagem, a cineasta mergulha na frustração destas mulheres, exalta o companheirismo em tempos de crise, escancara a falta de perspectivas, realça os erros, se comove com o esforço delas em se empoderar. E isso sem nunca esquecer de frisar o peso da verdade. Ela é dura, ela é impiedosa, ela distância. No fim, apesar da condução estilosa de Sciamma, a fotografia em tons azulados combinada com a expressiva trilha sonora confere só ressalta o vigor jovial das personagens, Garotas é um retrato cru sobre o amadurecimento feminino nos grandes centros urbanos. Sobre os obstáculos impostos àqueles e principalmente àquelas que logo cedo precisaram se acostumar a se defender com as próprias mãos.

- Sob as Sombras (2016)


Imersivo enquanto suspense, Sob as Sombras se revela uma inspirada alegoria sobre o papel da mulher dentro da conservadora sociedade iraniana. Sob um ponto de vista particular, o longa dirigido por Babak Anvari é genial ao tecer um comentário crítico em torno da castradora realidade feminina, fazendo um primoroso uso dos simbolismos ao construir uma película tensa, ambígua e instigante. Embora o forte teor questionador seja o grande diferencial desta produção, o virtuoso realizador iraniano é igualmente habilidoso no que diz respeito ao fator entretenimento, cumprindo os pré-requisitos mais básicos do gênero ao nos brindar com um roteiro sólido, duas marcantes protagonistas e uma construção de atmosfera naturalmente assustadora. Em suma, contundente ao expor a perda da autonomia feminina dentro da conservadora sociedade iraniana, Sob as Sombras é um suspense inteligente e reflexivo que se mostra capaz de dialogar com todos os públicos. Ainda que se renda ao teor fantástico no último ato, uma opção que, na ânsia de fundamentar a interpretação mais óbvia da película, reduz o senso de ambiguidade do angustiante clímax, Babak Anvari nos brinda com uma obra rara, um longa que realmente tem algo a dizer. Uma voz que precisa ser ouvida. 

- As Golpistas (2019)


Basta ver As Golpistas para entendermos a importância na luta por representatividade feminina entre as diretoras. Nas mãos de qualquer um menos sensível, o longa comandado por Lorena Scafaria fatalmente iria perder o foco. A abordagem tenderia a se concentrar mais nas curvas do empoderado elenco feminino e menos nas curvas dramáticas. Tudo é uma questão de ponto de vista. Sob a perspectiva masculina, sejamos francos, o caminho mais fácil seria esse. As Golpistas, porém, não é mais um filme sobre o submundo do strip-tease. Scafaria enxerga além dos fatos ao falar sobre desigualdade, justiça social, falta de oportunidades, crise econômica e a importância da união entre mulheres em tempos de crise. E isso, claro, sem renegar a sensualidade das suas atrizes e o efeito causado por elas nesta estilosa obra. O que mais me impactou em As Golpistas, na verdade, foi o senso de humanidade do roteiro assinado pela própria diretora Lorena Scafaria. Por mais que o argumento estreite o nosso elo com as protagonistas ao tratá-las quase como verdadeiras justiceiras, um grupo de mulheres capazes de enxergar as fraquezas daqueles que praticamente quebraram economicamente um país, a cineasta faz jus as expectativas femininas a nunca as reduzir a um rótulo. Algo que, por sinal, o título brasileiro fez sem dó nem piedade. Enquanto As Golpistas tipifica, Hustlers, no original, abre brechas para múltiplas conotações. Batalhadoras, agitadoras, traficantes... Embora faça uso de algumas convenções narrativas típicas dos filmes de assalto, com direito a montagem descolada e o momento “entenda o plano”, Scafaria não se limita ao elemento mais cinematográfico da história destas mulheres. Com base no artigo assinado pela Jessica Pressler, a realizadora se sustenta na perspectiva destas mulheres, na maneira encontrada por elas para viver num mundo machista, impiedoso e desigual. Ao invés de focar no aspecto financeiro da coisa, algo bem comum em títulos do gênero, Scafaria realça as sequelas do abandono, o preconceito, a falta de perspectivas econômicas e o forte senso de sororidade entre elas. Elas não tinham ninguém para as defender. Naquele mundo ou elas se uniam, ou estavam por conta própria. Sob a óptica da recém-chegada a Nova Iorque Destiny (Constance Wu) enxergamos a quebra neste paradigma. O clima de competição cessa quanto Ramona vê nela a vulnerabilidade que talvez um dia tivesse enfrentado. Em sua essência mais pura, As Golpistas é um filme sobre o poder da empatia entre mulheres. 

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