segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O que as listas de indicados ao Globo de Ouro e ao Critics Choice podem dizer sobre a temporada de premiações


Foram divulgadas nas últimas horas as listas dos dois principais prêmios da crítica norte-americana, o Globo de Ouro e o Critics Choice Awards. Embora, a rigor, as duas associações tenham pouca (ou nenhuma) influência nos prêmios dos sindicatos (DGA, SAG, PGA) e no Oscar, é inegável que elas costumam preparar o terreno para o que estar por vir. E o que logo de cara fica claro é que estamos diante de uma grande safra cinematográfica. A melhor em anos. Com filmes como O Irlandês, Era uma Vez em Hollywood, História de um Casamento, Parasita, Adoráveis Mulheres, Coringa, 1917, Os Dois Papas, Nós, Entre Facas e Segredos, Meu Nome é Dolemite, Um Lindo Dia na Vizinhança, Uncut Gems e Jojo Rabbit, a seleção é daquelas pesadas e diversificadas. Tem filme para todos os gostos e públicos. Blockbusters e ‘indies’. Intimistas e gigantescos. Populares e polêmicos. Nunca um filme ambientado no universo de super-heróis teve tanta chance de triunfar na temporada de premiações quanto Coringa. O que por si só é um grande chamariz. Ao contrário dos últimos anos, acho que vai ser difícil a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não preencher as dez vagas de indicados ao prêmio de Melhor Filme. Algo que, por sinal, não acontece desde 2011. 



Outro ponto que as listas do Globo de Ouro e do Critics Choice Awards deixou claro é a força que a Netflix chega nesta temporada de premiações. Após emplacar o magnífico Roma em 2018, a gigante do streaming se reafirmou com uma poderosa produtora\distribuidora de CINEMA com os lançamentos de O Irlandês, História de um Casamento, Dois Papas e Meu Nome é Dolemite, Atlantique e Perdi Meu Corpo. Com expressivas 17 indicações nas categorias relacionadas ao cinema no Globo de Ouro e 28 indicações ao Critics Choice Awards, a Netflix se coloca numa posição de prestígio dentro da indústria, superando a concorrência de grandes estúdios como Warner, Universal, Paramount, Sony e a própria Disney. Um prêmio para o pesado investimento e o espaço dado a produções que cada vez mais tem menos espaço no ‘mainstream’. Em contrapartida, o cinema ‘indie’ não parece chegar com a força mostrada nas últimas edições do Oscar. Dos filmes mais cotados até aqui, apenas Uncut Gems, dos Irmãos Safdie, parece ter fôlego para repetir a trajetórias de títulos como Lady Bird (2018), Moonlight (2017), O Quarto de Jack (2016), Brooklyn (2016), Boyhood (2015), Whiplash (2015) e Ex_Machina (2014). Isso porque The Farewell, drama estrelado por Akwafina, e Waves, um dos filmes sensações do circuito independente, ficaram de fora das listas de Melhor Filme nas duas associações. Neste momento, portanto, a crítica norte-americana sugere que os holofotes da temporada de premiações serão disputados pelos graúdos, por grandes estúdios e realizadores. Com direito a algo que Hollywood sempre curtiu, um ‘comeback’. Enquanto o Critics Choice abraçou o ‘buzz’ coletivo ao colocar Adam Sandler entre os indicados ao prêmio de Melhor Ator, o Globo de Ouro trouxe fôlego a trajetória de Eddie Murphy rumo ao Oscar ao indicá-lo ao prêmio de Melhor Ator de Comédia e\ou Musical e fez coro com o público americano ao nomear Jennifer Lopez ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel no elogiado As Golpistas.


Assim como nos últimos anos, porém, temos um estrangeiro com chances reais de triunfar nas principais categorias. Repetindo o êxito do mexicano Roma (2018) e do polonês Guerra Fria (2018), o sul-coreano Parasita (2019) chega prestigiado e repercutindo o bastante. Aclamado pela crítica e também pelo público, o ácido thriller já era o grande favorito aos prêmios de Língua Estrangeira. Neste momento (é sempre bom frisar isso), porém, tratar Parasite (no original) como um dos indicados ao prêmio de Melhor Filme não é um absurdo. Muito pelo contrário. Óbvio que tudo vai depender da campanha de marketing. O boca a boca, por si só, nem sempre é o suficiente. Mas, diante do frisson em torno do projeto, eu ficarei surpreso se o ‘hit’ asiático não figurar entre os principais indicados. Vou além. Bong Joon Ho surge hoje como o grande desafiante aos veteranos Martin Scorsese, Quentin Tarantino e Sam Mendes na categoria Melhor Direção. Na expectativa de repetir os passos de realizadores como Alfonso Cuarón, Alejandro G. Iñarritu e Guillermo Del Toro, o sul-coreano pode manter o domínio estrangeiro na categoria nas últimas edições. Isso porque, nos últimos cinco anos, em quatro o prêmio de Melhor Diretor ficou com os mexicanos. Por outro lado, mais uma vez, a representação feminina dentro da categoria segue um problema. Apesar do sucesso de Olivia Wilde e do seu Fora de Série e de Lulu Wang com o tocante The Farewell, apenas Greta Gerwig foi lembrada (somente) pelo Critcs Choice pelo seu Adoráveis Mulheres. 


No que diz respeito a questão da representatividade\diversidade étnica, aliás, o Critics Choice e o Globo de Ouro deixaram mais interrogações do que certezas. Com mais vagas por categoria, o BFCA (Broadcast Film Critics Association) reconheceu a força do elenco de obras como Nós, The Farewell e Harriet. Nem um destes títulos, porém, nem o próprio Meu Nome é Dolemite, conseguiu uma vaga entre os dez indicados ao prêmio de Melhor Filme. Já a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood até reconheceu a comédia dramática estrelada por Eddie Murphy entre os melhores do ano, mas esnobou por completo títulos como Nós. Um crime, em especial, com a assombrosa presença de Lupita Nyong’o. Entre os principais esquecidos, aliás, a ausência de Robert De Niro na lista de Melhor Ator diz mais sobre o Globo de Ouro do que sobre a temporada de premiações. Embora já esteja claro que essa será uma das categorias mais disputadas do ano, entre os cotados estão Joaquin Phoenix, Eddie Murphy, Christian Bale, Jonathan Pryce, Antonio Banderas, Leonardo DiCaprio, além do próprio De Niro, o veterano carrega consigo o tipo de prestígio que dificilmente seria dispensado pela Academia. O mesmo, inclusive, vale para Clint Eastwood e o seu O Caso de Richard Jewell. Esnobado no Globo de Ouro e no Critics Choice Awards, o drama inspirado em fatos não pode ser dado de maneira alguma como carta fora do baralho. Algo que vale também para títulos como Ford Vs Ferrari e O Escândalo. Por outro lado, longas mais "desafiadores" como Ad Astra e O Farol, ao que tudo indica, não emplacarão na temporada de premiações. 


Em suma, ao reconhecer o prestígio de obras como Coringa, Era uma Vez em Hollywood, 1917 e O Irlandês, as listas de indicados do Critics Choice Awards e do Globo de Ouro prepararam o terreno para uma (literalmente) grandiosa temporada de premiações. Embora títulos como Parasita e História de um Casamento surjam como desafiantes de respeito, o cinemão norte-americano há muito não chegava com tanta força na corrida pelo Oscar. Uma seleção de respeito que, como dito acima na abertura deste texto, faz da safra 2019 uma das melhores da década. 

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