terça-feira, 27 de agosto de 2019

Crítica | Brightburn

Puberdade problemática

Brightburn parte de uma premissa muito interessante. Imagina se o Superman fosse mal? Qual seria o estrago causado por ele? Produzido por James Gunn (Guardiões da Galáxia), o longa dirigido por David Yaroveski até consegue extrair deste curioso ‘plot’ os elementos para a construção de um enervante exemplar do cinema de Horror. Mesmo limitado pelo baixo orçamento, evidente em inúmeros momentos da produção, o realizador traz o elemento super para um novo gênero com inegável particularidade, extraindo o máximo dele na construção de sequências gráficas e genuinamente soturnas. Nem só de ‘jump scares’ e brutalidade, porém, deve viver um título do segmento. Ainda mais com um conceito tão peculiar em mãos. Neste sentido, Brightburn frustra ao reduzir tudo ao maniqueísmo barato, desperdiçando o perceptível potencial da trama ao se sustentar em justificativas tolas e inúmeras facilitações narrativas. 





O primeiro grande problema de Brightburn, na verdade, está maneira com que o argumento assinado por Brian e Mark Gunn renega o livre arbítrio do antagonista. Embora perspicaz ao brincar com a gênese de um dos mais populares super-heróis dos quadrinhos, tal qual Kal-El Brandon Byers (Jackson A. Dunn) foi achado ainda bebê numa nave alienígena e criado por uma família de humanos (Elizabeth Banks e David Denman), os roteiristas frustram ao não dar ao garoto a oportunidade de escolha. Tudo é muito preto no branco aqui. Uma hora ele é o filho exemplar, inteligente e amável para logo depois (graças a uma solução genérica e conveniente) se transformar num adolescente perverso, raivoso e frio. Não existe escalada de poder. Todo o potencial dramático é subaproveitado. Eu até aceito a ideia de um personagem com uma origem “maléfica” e que isso de certa forma pudesse mudar o seu modo de pensar. Existe uma vasta gama de tipos assim nos quadrinhos (e até no cinema) e alguns deles renderam grandes arcos narrativos. Em Brightburn, porém, o que vemos é a execução simplória de uma premissa naturalmente instigante. Brandon está cercado de problemas que poderiam “moldar” a sua recém-descoberta identidade. Ele é órfão, vítima de bullying, solitário, cresceu em meio a mentiras, enfrenta a puberdade e a confusão emocional causada por ela. Vários gatilhos narrativos muito mais densos e\ou promissores do que os explorados pelo argumento. O medo dos próprios pais, por exemplo, poderia ter servido com um baita agente catalisador. Pena que o roteiro se prenda tanto ao mais genérico elemento das piores hq’s: o maniqueísmo. Algo que prejudica até mesmo as performances de Banks e Denman, nitidamente “freados” pela simplificada abordagem.


Até porque, no momento em que entendemos que esse (infelizmente) foi o caminho adotado pelo roteiro, Brightburn compensa ao combinar esta inusitada mistura de gêneros com propriedade. Mesmo despretensiosamente, David Yaroveski é habilidoso ao transitar da Fantasia para o Horror, fazendo jus ao universo super-heroico ao construir um antagonista perverso, com um visual impactante e um ‘modus operandi’ interessante. Por trás da máscara (e do rastro de sangue causado por ele) existe um jovem com um distorcido senso de humanidade. Em algum lugar ali dentro estava o adolescente criado com afeto, superprotegido, preocupado com a consequência dos seus atos aos olhos dos seus pais. Mesmo limitado pelo texto, Jackson A. Dunn consegue em passagens chave da trama traduzir no olha este mix de sentimentos, o que só reforça a sensação de potencial desperdiçado. A expressão psicopática do garoto, inclusive, serve bastante ao antagonista, se tornando até mais assustadora do que a sua versão mascarada. Um elemento potencializado pela maneira esperta com que Yaroveski explora o medo crescente dos pais e a reação deles ao perceber a consequência dos seus bem-intencionados atos. Quando decide mostrar o “estrago” causado por BB, aliás, o cineasta capricha no elemento ‘gore’, entregando um par de cenas de embrulhar o estômago.


O mesmo, porém, não podemos dizer do uso do CGI. Por mais que o baixíssimo orçamento para uma produção do gênero (cerca de US$ 6 milhões) seja um atenuante, David Yaroevski esbarra nas suas próprias pretensões ao investir em alguns efeitos visuais que já “nasceram” datados. Toda a sequência do voo no clímax, por exemplo, é bem tosca, incompatível até com o que já havia sido mostrado previamente. Em contrapartida, obrigado a usar a criatividade para resolver outras situações pensadas pelo roteiro, Yaroevski se sai bem melhor quando decide usar os efeitos práticos. Com um jogo de câmeras dinâmico e cenas enervantes, o realizador consegue traduzir a imponência\invulnerabilidade do antagonista com um elogiável senso de plasticidade, entregando alguns planos dignos dos melhores quadrinhos. Outro ponto que agrada, e muito, é a perspicácia da trilha assinada por Tim Miller e da fotografia de Michael Dallatorre em emular o recente O Homem de Aço (2013), algo que faz todo o sentido dentro da subversiva proposta da trama. Em suma, entre altos e baixos, Brightburn funciona, mas não chega nem perto de explorar o máximo potencial da sua premissa. Faltou ser mais Poder sem Limites (2012) e menos Evil Superman. Ou talvez assumir de vez o tom cínico da contextualizadora cena pós-crédito. Uma sequência com a cara de James Gunn.

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