A mensagem por trás de Loja de
Unicórnios é clara. Siga sonhando, independentemente do que os outros pensam. Uma
mensagem que, de fato, Brie Larson colocou em prática na sua vida. Com uma
trajetória singular em Hollywood, a talentosa jovem atriz decidiu logo cedo
abraçar a sua vocação. Como muitas crianças, ela começou fazendo pequenas
pontas na TV e no cinema. Nada de muito memorável. Sem espaço no considerado ‘mainstream’,
Larson não titubeou em migrar para o reduzido mercado ‘indie’. Um passo
arriscado. Nomes como os de Noah Baumbach, Edgar Wright, Diablo Cody e a dupla
Phill Lord\Chris Miller, entretanto, enxergaram nela o algo a mais que qualquer
grande estrela precisa para brilhar. Pouco a pouco ela se aproximava da
concretização do seu sonho. Algo que, verdade seja dita, aconteceu como num
passe de mágica. De uma hora para outra, Brie Larson conquistou algo raro e de
forma rara. Com o pequeno e precioso O Quarto de Jack, a talentosa atriz se
colocou numa posição dentro da indústria que talvez nem a própria pudesse almejar
ao levar o Oscar de Melhor Atriz. Repentinamente, ela se tornou protagonista de
grandes blockbusters, a Capitã Marvel, a estrela do presente. Por trás de tudo
isso, porém, a sonhadora Brie Larson manteve a sua essência aparentemente
inalterada. Uma realizadora que, a cada entrevista concedida, mostra doçura,
entusiasmo para com a sua arte e acima de tudo compreensão sobre o mundo que a
cerca. Seus filmes refletem isso. Seus papéis refletem isso. Nada mais justo,
portanto, que Larson estreasse na direção com uma obra como Loja de Unicórnios.
Uma película que, à sua peculiar (e nem sempre eficaz) maneira, tem muito a
dizer para aqueles que estão dividido entre o colorido mundo das expectativas e
a rigidez bicolor da realidade.
É inegável que Unicorn Storie, no
original, revela muito da personalidade de Brie Larson. E talvez esse seja o
grande charme do longa. Ela realmente acredita no que o seu filme está dizendo.
Na mensagem otimista embutida na jornada da sua errática protagonista. Estamos
diante de uma obra genuinamente colorida, doce, uma ode a criatividade. Uma
abordagem inocente que funciona, em especial, quando o argumento assinado por Samantha
McIntyre se concentra em valorizar o subtexto escondido na fantasia. Cuidadosa
ao alimentar as nossas expectativas quanto a realidade dos fatos narrados, Larson
(enquanto atriz) mostra presença de espírito ao tornar a sua Kit uma personagem
singular. Embora soe imatura demais em alguns momentos, ela claramente pertence
ao nosso mundo, ela sofre dos males enfrentados por muitas mulheres (seja a
desaprovação pintor famoso, sejam os interesses nebulosos do patrão). Algo que
só reforça os contrastes em torno da sua história. Por mais que o arco dela não
seja dos mais inovadores, é legal ver como Larson confere a protagonista o
benefício da dúvida. Em alguns momentos Kit parece ser uma mulher verdadeira,
entristecida, levada a encarar a realidade para poder se estabelecer após ver o
seu pessoal trabalho como pintora ser duramente desacreditado. Em outros ela
parece uma criança presa no corpo de uma adulta. Uma jovem com uma mente fértil
repentinamente levada a acreditar que poderia concretizar um dos seus sonhos
infantis: o de ter um Unicórnio. Muito mais do que um agente catalisador da
história, a criatura mitológica surge como o empurrão que ela precisava para –
à sua maneira – buscar a autoafirmação. Na verdade, Brie Larson (agora enquanto
diretora) acerta ao não renegar as crenças da sua personagem, a sua mágica visão
de mundo. Mesmo inserida num contexto real, Kit busca no fantástico a
inspiração para seguir acreditando, buscando o que é seu. E isso sem que pareça
tola ou desequilibrada. Existe um sentido por trás dos sonhos dela, um
significado desenvolvido com delicadeza ao longo da obra como um todo. Em
alguns momentos, inclusive, a personalidade de Kit e a sua curiosa relação com
vendedor (Samuel Jackson, positivamente afetado) me fez lembrar de clássicos do
porte de A Fantástica Fábrica de Chocolate, Quero ser Grande e Forrest Gump.
Sutil ao explorar o agradável
elemento fantasioso presente no ‘plot’, Loja de Unicórnio por outro lado falha
grosseiramente ao trazer a realidade para o centro da trama. Na ânsia de talvez
potencializar os contrastes em torno da jornada de Kit pelo “mundo adulto”, Brie
Larson peca pelo exagero ao tentar rir dos “não sonhadores”. Tudo soa muito literal
aqui. Quase maniqueísta. Por mais que a proposta satírica do longa seja
evidente, falta sofisticação ao texto, falta peso aos personagens de apoio. Os
pais vividos pelos talentosos Joan Cusack e Bradley Whtiford são cartunescos
demais. O chefe abusivo soa pedante demais. A companhia soa empresarial demais.
Algo que fica bem claro, por exemplo, quando nos deparamos com o compreensivo carpinteiro
vivido por Mamoudou Athie. Por mais que a relação de amizade entre ele e Kit seja
estabelecida com certa pressa, o introspectivo rapaz é o único coadjuvante que
parece não ter saído de uma sitcom ruim. Ele possui nuances próprias,
sentimentos verossímeis. É através dele, na verdade, que a diretora melhor traduz
o misto de fascínio e estranhamento para com as atitudes da sua excêntrica
protagonista. É aqui, inclusive, que reside o grande problema de Loja de
Unicórnios. Como se não bastassem os problemas de tom e o ritmo oscilante do
filme, Larson peca pela condescendência ao não enxergar com a devida seriedade
o estado de espírito da sua protagonista. Ao não explorar o quão perigosa pode
ser a tênue linha entre sonhos e devaneios. Embora as boas intenções do
argumento sejam evidentes, vide o fofo e adocicado desfecho, a impressão que
fica é que o longa usa o viés fantástico como desculpa para não se aprofundar
nas sérias consequências em torno de tamanho distanciamento da realidade. Ao confiar
cegamente na sanidade da protagonista, de fato, Larson diminui o impacto da sua
honesta mensagem, principalmente por se prender demais a fantasia dentro do
raso último ato. O contraditório, aqui, não tem vez. Uma dose a mais de realismo,
definitivamente, não faria mal nenhum a jornada de autodescobertas de Kit.
Entre altos e baixos, Loja de
Unicórnios compensa parte dos seus deméritos graças a genuinamente radiante
direção de Brie Larson. Tal qual a sua cativante protagonista, a atriz estreia
na função mostrando ingenuidade, inexperiência, mas claras virtudes, em especial
no que diz respeito ao aspecto estético. Sem grandes firulas visuais e com simplicidade
narrativa, Larson consegue criar um mundo de magia e cores agradável de se ver,
realçando o aspecto mais imaginativo\lúdico da obra com leveza, originalidade e
um irresistível charme ‘indie’. Uma aura ‘feel good’ descomplicada e muito
sincera dentro da sua proposta que, infelizmente, cada vez mais tem caído em
desuso dentro da indústria do cinema.
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