A dura realidade de duas sobreviventes
Numa época em que os filmes de
vampiro caíram em desuso em Hollywood, Byzantium: Uma Vida Eterna surge para
saciar o nosso apetite com uma história robusta, densa e genuinamente feminina.
O que, por sinal, já surge como o grande diferencial do longa. Sob a refinada
batuta de Neil Jordan, de volta ao subgênero após o clássico noventista
Entrevista com Vampiro, o longa estrelado pela versátil Gemma Arterton e
pela talentosíssima Saoirse Ronan envolve ao construir uma mitologia própria,
um filme de vampiro com algo novo a dizer. Logo de cara, graças a mudança no
gênero das protagonistas, percebemos que não estamos diante de mais uma
história do predador romântico que Hollywood ajudou a consagrar. Traçando um
precioso paralelo com uma realidade ainda hoje reconhecível, Jordan é perspicaz
ao propor uma inteligente alegoria sobre a vulnerabilidade feminina na nossa
sociedade, usando a condição delas dentro de um contexto completamente
revigorado. Elas não estão no topo da cadeia alimentar. Elas não podem viver a
sua imortalidade livremente. Elas são sobreviventes. Vítimas da crueldade
masculina e da sua própria sede de sangue. Com uma esperta narrativa não
linear, o realizador é cuidadoso ao mostrar como pouca coisa mudou nos últimos
dois séculos, ao refletir sobre o quão tortuosa pode ser a rotina de uma mulher
abandonada, largada a sua própria sorte.
É interessante ver, em especial,
o rumo da personagem de Arteton, uma jovem inocente transformada em prostituta
que, mesmo após a sua transformação, seguiu tendo que usar o seu corpo para
sobreviver. Seja como isca para homens vis e agressivos, seja como sustento
para a sua sensível filha vivida por Saoirse Ronan. Na verdade, Jordan é
particularmente habilidoso ao estabelecer o conflito de ideias entre elas, ao
usar a "vampira" jovem como um bem-vindo contraponto, como um símbolo
da construção da identidade feminina moderna. Ao contrário da sua irmã, incapaz
de largar o modo sobrevivência a qualquer custo, Elanor está cansada de fugir,
de fechar os olhos para a beleza do mundo em que vive. Uma figura ora ingênua e
amorosa, ora inteligente e implacável que só escancara as dificuldades para uma
jovem mulher se estabelecer usando as suas próprias pernas. Somado a isso,
inventivo ao estabelecer esta renovada visão do vampirismo, Neil Jordan reforça
o viés crítico da sua alegoria feminina ao tratar as "imortais" como
verdadeiras párias, como alvos da patriarcal sociedade de vampiros, extraindo o
máximo deste subplot ao tecer um esperto comentário sobre a desigualdade de
gêneros e a falta de representatividade feminina no alto escalão. Embora dentro
do clímax Jordan esvazie parcialmente o grito de independência das duas
personagens ao flertar com a face mais clássica do vampirismo romântico,
Byzantium se revela um raro exemplar do segmento original. Um filme elegante e
instigante que refresca a estrutura narrativa deste subgênero ao estreitar os
laços entre o real e o fantástico.
Sinopse: Duas vampiras seculares precisam encarar mais uma vez os obstáculos impostos por uma sociedade patriarcal quando uma delas quebra uma perigosa regra.
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