sábado, 16 de março de 2019

(Mini) Crítica | Byzantium (2012)

A dura realidade de duas sobreviventes


Numa época em que os filmes de vampiro caíram em desuso em Hollywood, Byzantium: Uma Vida Eterna surge para saciar o nosso apetite com uma história robusta, densa e genuinamente feminina. O que, por sinal, já surge como o grande diferencial do longa. Sob a refinada batuta de Neil Jordan, de volta ao subgênero após o clássico noventista Entrevista com Vampiro, o longa estrelado pela versátil Gemma Arterton e pela talentosíssima Saoirse Ronan envolve ao construir uma mitologia própria, um filme de vampiro com algo novo a dizer. Logo de cara, graças a mudança no gênero das protagonistas, percebemos que não estamos diante de mais uma história do predador romântico que Hollywood ajudou a consagrar. Traçando um precioso paralelo com uma realidade ainda hoje reconhecível, Jordan é perspicaz ao propor uma inteligente alegoria sobre a vulnerabilidade feminina na nossa sociedade, usando a condição delas dentro de um contexto completamente revigorado. Elas não estão no topo da cadeia alimentar. Elas não podem viver a sua imortalidade livremente. Elas são sobreviventes. Vítimas da crueldade masculina e da sua própria sede de sangue. Com uma esperta narrativa não linear, o realizador é cuidadoso ao mostrar como pouca coisa mudou nos últimos dois séculos, ao refletir sobre o quão tortuosa pode ser a rotina de uma mulher abandonada, largada a sua própria sorte.


É interessante ver, em especial, o rumo da personagem de Arteton, uma jovem inocente transformada em prostituta que, mesmo após a sua transformação, seguiu tendo que usar o seu corpo para sobreviver. Seja como isca para homens vis e agressivos, seja como sustento para a sua sensível filha vivida por Saoirse Ronan. Na verdade, Jordan é particularmente habilidoso ao estabelecer o conflito de ideias entre elas, ao usar a "vampira" jovem como um bem-vindo contraponto, como um símbolo da construção da identidade feminina moderna. Ao contrário da sua irmã, incapaz de largar o modo sobrevivência a qualquer custo, Elanor está cansada de fugir, de fechar os olhos para a beleza do mundo em que vive. Uma figura ora ingênua e amorosa, ora inteligente e implacável que só escancara as dificuldades para uma jovem mulher se estabelecer usando as suas próprias pernas. Somado a isso, inventivo ao estabelecer esta renovada visão do vampirismo, Neil Jordan reforça o viés crítico da sua alegoria feminina ao tratar as "imortais" como verdadeiras párias, como alvos da patriarcal sociedade de vampiros, extraindo o máximo deste subplot ao tecer um esperto comentário sobre a desigualdade de gêneros e a falta de representatividade feminina no alto escalão. Embora dentro do clímax Jordan esvazie parcialmente o grito de independência das duas personagens ao flertar com a face mais clássica do vampirismo romântico, Byzantium se revela um raro exemplar do segmento original. Um filme elegante e instigante que refresca a estrutura narrativa deste subgênero ao estreitar os laços entre o real e o fantástico.

Sinopse: Duas vampiras seculares precisam encarar mais uma vez os obstáculos impostos por uma sociedade patriarcal quando uma delas quebra uma perigosa regra.

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