quinta-feira, 7 de março de 2019

Crítica | Pelas Ruas de Paris

O perigo de se achar inteligente demais

Existe beleza em Pelas Ruas de Paris. Magnetismo, sentimento, urgência. O problema é que não existe um filme capaz de “sobreviver” a tamanho pretensiosismo narrativo. Sob a dispersiva (e estilizada) batuta da novata em obras de ficção Elisabeth Vogler, o longa, um romance existencial com viés político, anula os seus principais predicados ao confiar demais no poder das suas vazias metáforas. Por mais que a radiante Noémie Schmidt faça o possível para nos fazer sentir\compreender o turbilhão de emoções que cerca a protagonista da história, a realizadora sacrifica a objetividade em prol da construção de uma experiência sensorial íntima carregada de símbolos, impressões em sua maioria erráticas sobre relacionamentos na juventude, as pressões da vida adulta e o impacto da efervescência social francesa na rotina de uma jovem mulher sem grandes ambições. 


Pelas Ruas de Paris é aquele tipo de filme que se acha inteligente demais. Na verdade, por mais que os temas propostos soem interessantes, vide o uso ameaçador do ‘background’ político, falta ao longa a capacidade de dialogar com o público. De se fazer compreender. Por trás dos existenciais discursos em ‘off’ da protagonista, a acuada Anna (Noémie Schmidt), não existe nada de muito novo, ou então original na proposta. Basta pegar, por exemplo, as descomplicadas obras de Richard Linklater (Trilogia do Amanhecer, Boyhood), referência máxima na atualidade quando o assunto é a divagação honesta sobre as idiossincrasias da vida moderna. Para piorar, Elisabeth Vogler faz questão de tornar tudo o mais complexo e inacessível possível. O que soa um tanto quanto contrário diante da universalidade do tema proposto. Com uma narrativa não linear recheada de lapsos temporais, planos aleatórios e sequências um tanto quanto subjetivas, Pelas Ruas de Paris parte de uma premissa “acessível”, os altos e baixos de um casal parisiense obrigado a encarar as imposições da vida adulta. Enquanto ele, um tipo tão dispensável dentro da trama que praticamente não é posicionado no centro do quadro, queria prosperar e se mudar para Barcelona, ela, uma bela jovem com uma pacata visão de mundo, reluta em embarcar nos sonhos do seu parceiro mesmo ciente que este poderia ser o fim da relação.


A partir deste fiapo de trama, Elisabeth Vogler é astuta ao, num primeiro momento, mostrar o claustrofóbico impacto da vida adulta na rotina dos dois. E isso ela faz bem demais. Com os seus espontâneos (e a sua maneira vistosos) movimentos de câmera, a diretora invade a rotina da sua protagonista do começo ao fim da película, capturando o crescente desconforto dela em enquadramentos por vezes muito fechados. Algo que gera um incomodo ainda maior devido a maneira pouco ortodoxa com que Vogler explora o recurso da câmera na mão. Embora os diálogos sejam bem irregulares, o longa consegue se debruçar com propriedade sobre o tema inicial, sobre as idas e vindas de um casal com visões de mundo incompatíveis, criando um perspicaz vai e vem entre o início da relação e o que poderia ser o final desta história de amor. É legal ver, aliás, como a realizadora explora o fervor cultural de lugares públicos, o que só ajuda a reforçar o descompasso dos dois em relação ao ambiente descontraído que os cercavam. O problema é que, a partir do segundo ato, as elevadas pretensões de Vogler passam a gritar em tela. Influenciada por nomes como Terence Malick, ela peca (e muito) pelo excesso ao não se contentar com a jornada “mundana” da sua protagonista. Ao contrário da sua câmera, que persegue a acuada Anna como um verdadeiro stalker, a cineasta se dispersa por completo ao ampliar o escopo da obra, ao flertar com o existencialismo na tentativa de entender o estado de espírito da personagem. E aqui o longa beira o desastre. Em meio ao corre-corre sem motivos de Anna, Vogler se torna refém das suas próprias dispersões criativas, perdendo por completo as rédeas do longa ao investir em diálogos ocos, em reflexões um tanto quanto genéricas e numa crescente sensação de caos que só amplia a nossa dificuldade em absorver as mensagens embutidas na obra.


Em meio as vazias divagações metafóricas e a mal arquitetada crise de consciência da protagonista, ao menos, Pelas Ruas de Paris se sustenta enquanto uma imagética experiência cinematográfica. Com uma fotografia de cores vivas, uma contrastante combinação de cenários, enquadramentos inventivos e engenhosos planos sequências pelas ruas de Paris, Elisabeth Vogler causa um genuíno sentimento de angústia ao capturar o fervor sócio-político da França, transformando as manifestações populares dos últimos anos num palco intenso para os ‘insights’ da emocionalmente deteriorada Anna. Sem querer revelar muito, a realizadora mostra inspiração ao usar a imagem das tropas policiais como um símbolo da opressão que a cercava, encontrando, aqui sim, uma bela ponte entre os conflitos da personagem e os problemas de um país que encara crescente fantasma da extrema-direita. Uma pena que, mais uma vez, Vogler não consiga valorizar aquilo que o seu filme tem de melhor a oferecer, esvaziando por completo a reconhecível jornada de Anna ao pontuar a trama com novas dispersões pouco reveladoras (e carregada de clichês) sobre a vida, a morte e a ciclicidade do tempo.  

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