Numa época em que políticos
norte-americanos falam na construção de muros, é reconfortante ver a força atual
do cinema mexicano (e por consequência da América Latina) dentro de Hollywood.
Indicado ao Oscar como Diretor, Produtor, Diretor de Fotografia e Roteirista, o
eclético Alfonso Cuarón voltou a colocar o seu país no topo da indústria
cinematográfica. Indicado em dez categorias, incluindo a de Melhor Filme, Roma se
tornou o quinto longa dirigido por um mexicano a figurar entre os nomeados na
categoria máxima do Oscar nos últimos dez anos. Os outros foram Gravidade, em
2014, Birdman, em 2015, O Regresso, em 2016, e A Forma da Água, em 2017. Mais
do que isso, Cuarón se tornou o quarto realizador mexicano a ser indicado ao
prêmio de Melhor Diretor nos últimos cinco anos, comprovando o que já podemos
chamar de um domínio em uma das mais prestigiadas posições dentro da Sétima
Arte. Uma condição de momento que fica bem clara quando nos damos conta de que
os outros dois mexicanos indicados, Alejandro G. Iñarritu (por Birdman e O
Regresso) e Guillermo Del Toro (por A Forma da Água), levaram a estatueta
dourada de Melhor Direção. Será que Alfonso Cuarón irá manter o 100% de aproveitamento
dos cineastas latinos nos últimos cinco anos? A sua vitória no prêmio do
Sindicato dos Diretores da América (leia mais aqui) parece dizer que sim...
É bom frisar, entretanto, que a “invasão”
mexicana dentro de Hollywood não aconteceu por acaso. Historicamente, o cinema local
sempre teve uma ascendência grande dentro da indústria. Muito em função da
proximidade geográfica e da gigante comunidade hispânica nos EUA, o México logo
ganhou relevância na temporada de premiações, graças a realizadores do quilate
de Anthony Quinn (foto acima). Um dos atores mais imponentes e respeitados da sua geração, o
mexicano de Chihuahua conquistou dois Oscars de Melhor Ator Coadjuvante, por
Viva Zapatta! (1952) e Sede de Viver (19560, e duas indicações ao prêmio de
Melhor ator, por A Fúria da Carne (1957) e Zorba: O Grego (1964). Paralelamente
a isso, o cinema mexicano também se viu muito bem representado na categoria
Melhor Filme Estrangeiro. Dos 19 filmes dirigidos por latino americanos
indicados na categoria, o México lidera ainda hoje a lista com sete longas,
entre eles títulos aclamados como Amores Brutos (2000) e O Labirinto do Fauno
(2006). Ou seja, não é de hoje que as produções do país norte-americano começaram
a se fazer ouvir dentro da indústria.
É indiscutível, porém, que do
final dos anos 1990 para cá a presença mexicana em Hollywood ganhou uma nova
projeção. Um alcance que começou com o frisson criado em torno de Amores Brutos
(2000). Dirigido por Alejandro G. Iñarritu e roteirizado por Guillermo
Arriarga, o longa estrelado por Gael Garcia Bernal abriu as portas para a
latinidade dramática da dupla, o que garantiu a indicação da produção ao Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro em 2002. Um ano depois, no vácuo do seu
conterrâneo, foi a vez do próprio Alfonso Cuarón se destacar em Hollywood com o
elogiado pela crítica E a Sua Mãe Também (2001). Um ‘road-movie caliente’ que, embora
tenha ficado de fora da categoria Melhor Filme Estrangeiro, algo até
compreensível diante da abordagem explícita da obra, conseguiu uma expressiva
indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original. Me arrisco a dizer, no entanto,
que foi em 2007 que a bandeira do México passou a tremular forte dentro da
Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Numa mesma cerimônia, duas
produções dirigidas por mexicanos se posicionaram entre os títulos mais
premiados do ano: o competente drama Babel e a fantástica fábula dramática O
Labirinto do Fauno. Prestigiado pelos sucessos de Amores Brutos e do seu drama
de estreia em Hollywood 21 Gramas (2003), Iñarritu (ao lado do seu parceiro
Arriarga) alcançou um novo status ao conquistar indicação ao Oscar de Melhor
Diretor e Melhor Filme. Embora tenha passado em branco, ele se tornou o
primeiro realizador mexicano a ser indicado ao prêmio de melhor direção. Um
fato que viria a se tornar recorrente nos anos seguintes.
Quem realmente roubou a cena no
Oscar 2007, entretanto, foi Guillermo Del Toro e o seu O Labirinto do Fauno.
Numa produção poética, soturna e indiscutivelmente realística sobre o impacto
da guerra na rotina de uma inocente, o realizador mexicano levou o cinema de
monstros para o Oscar, garantindo seis indicações (incluindo Melhor Filme
Estrangeiro) e três prêmios (Melhor Maquiagem, Melhor Direção de Arte e Melhor
Fotografia para o também mexicano Guillermo Navarro). Uma presença massiva que
só viria a se repetir sete anos mais tarde com o estrondoso sucesso de
Gravidade (2013). Indicado a dez estatuetas, incluindo ao prêmio de Melhor
Filme, a odisseia espacial comandada por Alfonso Cuarón conquistou sete
prêmios, incluindo o de Melhor Diretor. Com isso ele se tornou o primeiro
mexicano a levar o Oscar nesta importante categoria. Foi através de Gravidade,
aliás, que o mundo da Sétima Arte conheceu outro grande expoente do cinema local:
o diretor de fotografia Emanuel Lubezki (foto acima). Um antigo parceiro da dupla Cuarón\Del
Toro desde os tempos de Televisa, os três trabalharam junto na série de TV de
Horror La Hora Marcada, o realizador latino americano viria a dominar a
categoria como poucos num curto prazo de tempo, conquistado por três anos
seguidos a estatueta de Melhor Diretor de Fotografia com Gravidade, Birdman e O
Regresso. Ao todo, inclusive, Lubezki coleciona oito indicações ao Oscar por
títulos como o primoroso Filhos da Esperança (em parceria com Alfonso Cuarón) e
o reflexivo Árvore da Vida (em parceria com Terrence Malick).
O que vimos nos anos seguintes foi
uma verdadeira festa dos cineastas mexicanos. Numa análise simples, Birdman, O
Regresso, A Forma da Água e agora Roma somaram 41 indicações ao Oscar, um número
até pouco tempo atrás inimaginável para produções comandadas por diretores
latino americanos. Além disso, os três primeiros longas, juntos, conseguiram
sete estatuetas, a maior parte delas conquistada por realizadores do país. Três
para Alejandro G. Iñarritu pela direção de Birdman, roteiro de Birdman e
direção O Regresso; duas para Emanuel Lubezki pela direção de fotografia de
Birdman e O Regresso; e duas para Guillermo del Toro pela direção e produção de
A Forma na Água. Um status impressionante que, felizmente, tem aberto portas
para outros cineastas e também para produções da América Latina como um todo.
Somente na última década, o cinema do nosso continente sul-americano, por
exemplo, conquistou 10 indicações ao Oscar e saiu vitorioso em três ocasiões
com o magnífico thriller dramático O Segredo dos Seus Olhos na categoria Melhor
Filme Estrangeiro em 2010, com a direção de fotografia de Claudio Miranda (As
Aventuras de Pi) em 2012 e com o recente drama chileno Uma Mulher Fantástica na
categoria Melhor Filme Estrangeiro em 2018.
Em pensar que, embora o Brasil
tenha emplacado algumas indicações neste meio tempo, com destaque para o
incrível O Menino e o Mundo na categoria Melhor Animação em 2016, estamos há
exatas duas décadas sem conseguir sequer colocar um longa entre os nomeados ao
prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. O último representante tupiniquim na
categoria foi o aclamado Central do Brasil que, em 1999, numa época em que a
política nacional não parecia interferir tanto nas escolhas criativas do nosso
cinema, conseguiu levar a legendária Fernanda Montenegro à disputa do Oscar de
Melhor Atriz, dando a ela a oportunidade de dividir espaço com nomes do porte
de Meryl Streep e Cate Blanchett. Definitivamente, precisamos nos inspirar no
modelo mexicano de fazer e principalmente exportar cinema.
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