terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Que água eles andam bebendo? Alfonso Cuarón volta a colocar o México no topo de Hollywood



Numa época em que políticos norte-americanos falam na construção de muros, é reconfortante ver a força atual do cinema mexicano (e por consequência da América Latina) dentro de Hollywood. Indicado ao Oscar como Diretor, Produtor, Diretor de Fotografia e Roteirista, o eclético Alfonso Cuarón voltou a colocar o seu país no topo da indústria cinematográfica. Indicado em dez categorias, incluindo a de Melhor Filme, Roma se tornou o quinto longa dirigido por um mexicano a figurar entre os nomeados na categoria máxima do Oscar nos últimos dez anos. Os outros foram Gravidade, em 2014, Birdman, em 2015, O Regresso, em 2016, e A Forma da Água, em 2017. Mais do que isso, Cuarón se tornou o quarto realizador mexicano a ser indicado ao prêmio de Melhor Diretor nos últimos cinco anos, comprovando o que já podemos chamar de um domínio em uma das mais prestigiadas posições dentro da Sétima Arte. Uma condição de momento que fica bem clara quando nos damos conta de que os outros dois mexicanos indicados, Alejandro G. Iñarritu (por Birdman e O Regresso) e Guillermo Del Toro (por A Forma da Água), levaram a estatueta dourada de Melhor Direção. Será que Alfonso Cuarón irá manter o 100% de aproveitamento dos cineastas latinos nos últimos cinco anos? A sua vitória no prêmio do Sindicato dos Diretores da América (leia mais aqui) parece dizer que sim... 



É bom frisar, entretanto, que a “invasão” mexicana dentro de Hollywood não aconteceu por acaso. Historicamente, o cinema local sempre teve uma ascendência grande dentro da indústria. Muito em função da proximidade geográfica e da gigante comunidade hispânica nos EUA, o México logo ganhou relevância na temporada de premiações, graças a realizadores do quilate de Anthony Quinn (foto acima). Um dos atores mais imponentes e respeitados da sua geração, o mexicano de Chihuahua conquistou dois Oscars de Melhor Ator Coadjuvante, por Viva Zapatta! (1952) e Sede de Viver (19560, e duas indicações ao prêmio de Melhor ator, por A Fúria da Carne (1957) e Zorba: O Grego (1964). Paralelamente a isso, o cinema mexicano também se viu muito bem representado na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Dos 19 filmes dirigidos por latino americanos indicados na categoria, o México lidera ainda hoje a lista com sete longas, entre eles títulos aclamados como Amores Brutos (2000) e O Labirinto do Fauno (2006). Ou seja, não é de hoje que as produções do país norte-americano começaram a se fazer ouvir dentro da indústria.


É indiscutível, porém, que do final dos anos 1990 para cá a presença mexicana em Hollywood ganhou uma nova projeção. Um alcance que começou com o frisson criado em torno de Amores Brutos (2000). Dirigido por Alejandro G. Iñarritu e roteirizado por Guillermo Arriarga, o longa estrelado por Gael Garcia Bernal abriu as portas para a latinidade dramática da dupla, o que garantiu a indicação da produção ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2002. Um ano depois, no vácuo do seu conterrâneo, foi a vez do próprio Alfonso Cuarón se destacar em Hollywood com o elogiado pela crítica E a Sua Mãe Também (2001). Um ‘road-movie caliente’ que, embora tenha ficado de fora da categoria Melhor Filme Estrangeiro, algo até compreensível diante da abordagem explícita da obra, conseguiu uma expressiva indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original. Me arrisco a dizer, no entanto, que foi em 2007 que a bandeira do México passou a tremular forte dentro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Numa mesma cerimônia, duas produções dirigidas por mexicanos se posicionaram entre os títulos mais premiados do ano: o competente drama Babel e a fantástica fábula dramática O Labirinto do Fauno. Prestigiado pelos sucessos de Amores Brutos e do seu drama de estreia em Hollywood 21 Gramas (2003), Iñarritu (ao lado do seu parceiro Arriarga) alcançou um novo status ao conquistar indicação ao Oscar de Melhor Diretor e Melhor Filme. Embora tenha passado em branco, ele se tornou o primeiro realizador mexicano a ser indicado ao prêmio de melhor direção. Um fato que viria a se tornar recorrente nos anos seguintes.


Quem realmente roubou a cena no Oscar 2007, entretanto, foi Guillermo Del Toro e o seu O Labirinto do Fauno. Numa produção poética, soturna e indiscutivelmente realística sobre o impacto da guerra na rotina de uma inocente, o realizador mexicano levou o cinema de monstros para o Oscar, garantindo seis indicações (incluindo Melhor Filme Estrangeiro) e três prêmios (Melhor Maquiagem, Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia para o também mexicano Guillermo Navarro). Uma presença massiva que só viria a se repetir sete anos mais tarde com o estrondoso sucesso de Gravidade (2013). Indicado a dez estatuetas, incluindo ao prêmio de Melhor Filme, a odisseia espacial comandada por Alfonso Cuarón conquistou sete prêmios, incluindo o de Melhor Diretor. Com isso ele se tornou o primeiro mexicano a levar o Oscar nesta importante categoria. Foi através de Gravidade, aliás, que o mundo da Sétima Arte conheceu outro grande expoente do cinema local: o diretor de fotografia Emanuel Lubezki (foto acima). Um antigo parceiro da dupla Cuarón\Del Toro desde os tempos de Televisa, os três trabalharam junto na série de TV de Horror La Hora Marcada, o realizador latino americano viria a dominar a categoria como poucos num curto prazo de tempo, conquistado por três anos seguidos a estatueta de Melhor Diretor de Fotografia com Gravidade, Birdman e O Regresso. Ao todo, inclusive, Lubezki coleciona oito indicações ao Oscar por títulos como o primoroso Filhos da Esperança (em parceria com Alfonso Cuarón) e o reflexivo Árvore da Vida (em parceria com Terrence Malick).


O que vimos nos anos seguintes foi uma verdadeira festa dos cineastas mexicanos. Numa análise simples, Birdman, O Regresso, A Forma da Água e agora Roma somaram 41 indicações ao Oscar, um número até pouco tempo atrás inimaginável para produções comandadas por diretores latino americanos. Além disso, os três primeiros longas, juntos, conseguiram sete estatuetas, a maior parte delas conquistada por realizadores do país. Três para Alejandro G. Iñarritu pela direção de Birdman, roteiro de Birdman e direção O Regresso; duas para Emanuel Lubezki pela direção de fotografia de Birdman e O Regresso; e duas para Guillermo del Toro pela direção e produção de A Forma na Água. Um status impressionante que, felizmente, tem aberto portas para outros cineastas e também para produções da América Latina como um todo. Somente na última década, o cinema do nosso continente sul-americano, por exemplo, conquistou 10 indicações ao Oscar e saiu vitorioso em três ocasiões com o magnífico thriller dramático O Segredo dos Seus Olhos na categoria Melhor Filme Estrangeiro em 2010, com a direção de fotografia de Claudio Miranda (As Aventuras de Pi) em 2012 e com o recente drama chileno Uma Mulher Fantástica na categoria Melhor Filme Estrangeiro em 2018. 


Em pensar que, embora o Brasil tenha emplacado algumas indicações neste meio tempo, com destaque para o incrível O Menino e o Mundo na categoria Melhor Animação em 2016, estamos há exatas duas décadas sem conseguir sequer colocar um longa entre os nomeados ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. O último representante tupiniquim na categoria foi o aclamado Central do Brasil que, em 1999, numa época em que a política nacional não parecia interferir tanto nas escolhas criativas do nosso cinema, conseguiu levar a legendária Fernanda Montenegro à disputa do Oscar de Melhor Atriz, dando a ela a oportunidade de dividir espaço com nomes do porte de Meryl Streep e Cate Blanchett. Definitivamente, precisamos nos inspirar no modelo mexicano de fazer e principalmente exportar cinema.

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