Na busca por audiência, a
Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood não escondeu de ninguém que
queria encontrar um diálogo mais sincero com o grande público no Globo de Ouro
2019. Se Pantera Negra e Nasce uma Estrela pareciam postulantes de nível
comprovado, títulos como Bohemian Rhapsody, Podres de Rico e O Retorno de Mary
Poppins surgiram como uma concessão inesperada para muitos. Logo de cara,
porém, o que vimos foi uma das aberturas mais insossas da história recente da
premiação. Sandra Oh e Andy Samberg se esforçaram, mas o texto fraquíssimo e
carente de humor pouco ajudou. Coube a um verdadeiro representante do cinema
pipoca, o extraordinário Jim Carrey, a missão de salvar o monólogo inicial,
protagonizando uma gag digna dos seus tempos áureos. Um deslize prontamente compensado,
é verdade, com o triunfo de Homem-Aranha no Aranhaverso na categoria Melhor
Animação. Uma vitória capaz de premiar não só a originalidade estética\narrativa
da produção, mas principalmente surgir como uma bela homenagem ao legado do
saudoso Stan Lee. Um belo começo para os fãs do universo dos super-heróis.
Foto: TNT |
Após mais uma constrangedora
piada envolvendo enfermeiros e injeções, o Globo de Ouro 2019 decidiu emplacar
uma sucessão de anúncios relacionados a TV, culminando na estreia do prêmio
honorário Carol Burnett para estrelas da televisão entregue, claro, a própria
Carol Burnett (Annie). Aos 85 anos, a estrela de shows como The Lucy Show, The
Carol Burnett Show e Mad About You foi ovacionada por todos os presentes e no
seu discurso lembrou da sua infância, da sua paixão pelo cinema\TV, do
encantamento que tinha pelas estrelas e da capacidade deles em fazerem rir. De
volta ao cinema, sem qualquer tipo de surpresa, Shallow e a monstra Lady Gaga
levaram o Globo de Ouro de Melhor Canção Original por Nasce uma Estrela. Uma categoria
que costuma valorizar a popularidade consagrou a grande barbada da noite. No seu
emocionado discurso, a gigantesca estrela fez questão de agradecer aos
compositores e ao diretor Bradley Cooper, tocando numa questão bem séria ao
falar sobre a desigualdade dentro da indústria. “Como mulher, é muito difícil
ser levada a sério como artista e compositora". Se a Lady Gaga (foto acima) está falando
isso, imagina o que acontece com as jovens sonhadoras ao redor do mundo. Uma
realidade infelizmente ainda hoje muito atual.
Foto: Agencias |
Enquanto Andy Samberg e Sandra Oh
seguiam reféns de piadas ruins, a premiação ganhou uma bem-vinda aura séria com
a vitória de Regina King na categoria Melhor Atriz Coadjuvante por Se a Rua
Beale Falasse. No rastro de movimentos como o Me Too, a eclética atriz levantou
a voz ao clamar por igualdade dentro da indústria, assumindo uma promessa
pública ao garantir que iria se esforçar ao máximo para que os seus próximos
projetos fossem formados por ao menos 50% de mulheres. Durante o discurso,
atrizes como Jessica Chastain e Glenn Close aplaudiram de pé a palavras de
King, embasando o discurso da ganhadora do Globo de Ouro. Outro nome bastante
reverenciado pela plateia foi o carismático Mahershala Ali, que, para a
surpresa de ninguém, levou o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante por Green Book. Um
filme que, pelo menos junto a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, despontava
como o favorito da noite, um sentimento potencializado quando a obra levou
também a estatueta dourada de Melhor Roteiro. Para uma cerimônia que parecia
tão interessada em soar popular, entretanto, o Globo de Ouro 2019 se revelava
um tanto quanto protocolar, arrastado, chato, no popular.
Foto: TNT |
Eis que, num 'plot twist' imprevisível, o furacão
Christian Bale subiu ao palco vencedor na categoria Melhor Ator por Comédia
e\ou Musical por Vice. Num discurso franco, ele chegou lembrando do seu temperamento
perigoso, confidenciou que iria falar menos porque as suas palavras costumavam “arruinar
alguns dos seus bons projetos”, mas a promessa logo foi descumprida. Esbanjando cinismo, Bale admitiu que estava destinado a interpretar
personagens babacas, agradeceu ao “coisa ruim” por inspirá-lo a viver Dick Cheney e deixou no ar a possibilidade de interpretar também o senador Mitch
Mcconnell. Se o astro de Batman: O Cavaleiro das Trevas e O Vencedor agitou a
premiação com o seu sincericídio inebriado e espontâneo, a plateia seguiu no
clima com a merecida vitória de Roma na categoria Melhor Filme Estrangeiro.
Muito aplaudido, o virtuoso Alfonso Cuarón fez um discurso simples, mas emotivo,
agradecendo a Netflix por ter dado todo o suporte para esta imponente produção.
Uma pena que, seguindo uma regra da associação, filmes de língua estrangeira tenham
que necessariamente de ficar “presos” a essa categoria. O que, na verdade, é um
tanto quanto paradoxal, principalmente por se tratar de uma entidade de
jornalistas ESTRANGEIROS. Contraditório, não? No bloco seguinte, no entanto,
eles se redimiram ao darem ao incrível Jeff Bridges (foto acima) o prêmio Cecil B. Demille pelo
conjunto da obra. Há cinco décadas brilhando em Hollywood, a estrela de títulos
como A Última Sessão de Cinema (1971), Tron (1982), Starman (1984), O Grande
Lebowski (1998), Homem de Ferro (2008), Coração Louco (2009), Bravura Indômita
(2010) e o recente A Qualquer Custo (2016) fez um discurso emocionante, lembrando
de velhos parceiros (inclusive do seu dublê) e fazendo um metafórico discurso
sobre a capacidade de um indivíduo em contribuir para o bem-estar coletivo. Mais
Lebowski impossível.
Foto: Reuters |
Recuperado da sonolência, o
Globo de Ouro 2019 emplacou mais um momento cativante com a vitória de Alfonso
Cuarón (foto acima) na categoria Melhor Direção por Roma. Um trabalho inigualável
merecidamente recompensado pela Associação. Esta, aliás, foi a quarta vitória
de diretores mexicanos nos últimos seis anos, os outros foram Alejandro G. Iñarritu
por Birdman e O Regresso, além de Guillermo Del Toro por A Forma da Água. Com a
dupla de apresentadores cada vez mais escanteada, restava saber quais seriam os
vencedores das categorias máximas. Com Roma fora da disputa, Nasce uma Estrela
e Green Book despontavam como favoritos. Teria Pantera Negra chances reais de
levar a estatueta? Enquanto isso, o legendário Dick Van Dyke, do alto dos seus 93
anos, subiu ao palco para apresentar o indicado O Retorno de Mary Poppins,
arrancando quase dois minutos de aplausos ininterruptos de todos os presentes
no hotel em L.A. Em seguida, a talentosa Olivia Colman levou o Globo de Ouro de
Melhor Atriz em Comédia ou Musical por A Favorita, emendando um dos
agradecimentos mais inusitados da noite. “Obrigado pelos sanduíches”, disse a
atriz adoravelmente deslocada sob os holofotes da indústria. Quem não gosta de
sanduíches de graça? Um agradecimento justo.
Foto: Reprodução da Internet |
Eis que, como esperado, Green
Book se tornou um dos grandes vencedores da noite ao levar o Globo de Ouro de
Melhor Filme de Comédia e\ou Musical. Um filme agridoce, sobre a amizade entre
um virtuoso músico negro e um bronco motorista branco, que tem muito a dizer
num momento em que os conflitos raciais seguem tão vivos nos EUA. No palco,
Peter Farrely fez um discurso sobre igualdade e respeito as diferenças,
ganhando alguns segundos extras e garantindo aplausos do público. Três prêmios,
nada mal. A essa altura, apenas Nasce uma Estrela poderia superar o número de
estatuetas. Poderia, porque na categoria seguinte veio a grande surpresa da
noite. A veterana Glenn Close (foto acima) destronou a favorita natural Lady Gaga ao levar o
Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama por A Esposa. Emocionadíssima, a
experiente atriz foi muito aplaudida ao longo do seu inspirado discurso,
deixando transparecer o misto de surpresa e espanto nas suas feições. "Dedico
à minha mãe, que ficou na sombra do meu pai por todo esse tempo e me disse nos
anos 80 'Eu sinto que não conquistei nada' [...] Digam a si mesmas que vocês
conseguem e eu tenho todo o direito de conseguir.”, enfatizou a atriz agora
três vezes vencedora do Globo de Ouro. Logo em seguida, na categoria mais
concorrida da noite, Rami Malek foi recompensado pela força da sua atuação ao
levar o prêmio de Melhor Ator Dramático.
Foto: Reuters |
Chegava a hora. Nasce uma
Estrela? Pantera Negra? Se a Rua Beale Falasse? Qual filme seria o grande
vencedor da noite? Num resultado completamente anticlimático, Bohemian Rhapsody
surpreendeu a todos ao levar o Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático. Uma
decisão estranha em muitos sentidos. Primeiro, dos dez indicados aos prêmios de
Melhor Filme, o longa era o mais questionado pela mídia especializada entre
todos. O que deveria pesar numa premiação ministrada por críticos de cinema.
Segundo, um musical levou o melhor prêmio de Drama, comprovando a bagunça da Associação
de Imprensa Estrangeira de Hollwyood na categorização dos seus candidatos. E,
por fim, o “sumiço” diretor Bryan Singer, que, ao longo das filmagens, teve uma
série de problemas pessoais e com parte do elenco, sendo “obrigado” a se
afastar da produção após ter o seu nome novamente ligado a denúncias de abuso
sexual. Ou seja, apesar das inegáveis virtudes estéticas e principalmente
musicais da obra, a impressão que fica é que o corpo votante deu voz ao coração
em detrimento da razão na escolha do vitorioso do evento. Fico feliz pelo
esforço da banda em levar a história de Freddie Mercury para a telona, pela dedicação
de Rami Malek, pela homenagem ao legado do icônico cantor, mas, indiscutivelmente, havia
produções bem melhores no páreo. Definitivamente, a Associação resolveu
popularizar a premiação em 2019, o que a gente não esperava era que o escolhido
para tal “movimento” fosse o mais improvável possível.
- Melhor filme (Drama)
Infiltrado na Klan
Pantera Negra
Bohemian Rhapsody
If Beale Street Could Talk
Nasce uma estrela
- Melhor filme (Musical ou
Comédia)
Podres de ricos
A favorita
Green Book: O Guia
O Retorno de Mary Poppins
Vice
- Melhor atriz de filme (Drama)
Glenn Close (The Wife)
Lady Gaga (Nasce uma estrela)
Nicole Kidman (Destroyer)
Melissa McCarthy (Can You Ever
Forgive Me?)
Rosamund Pike (A Private War)
- Melhor ator de filme (Drama)
Bradley Cooper (Nasce uma estrela)
Willem Dafoe (At Eternity's Gate)
Lucas Hedges (Boy Erased)
Rami Malek (Bohemian Rhapsody)
John David Washington (Infiltrado
na Klan)
- Melhor atriz em filme (Musical
ou Comédia)
Emily Blunt (O Retorno de Mary
Poppins)
Olivia Colman (A favorita)
Elsie Fisher (Eighth Grade)
Charlize Theron (Tully)
Constance Wu (Podres de Ricos)
- Melhor ator em filme (Musical
ou Comédia)
Christian Bale (Vice)
Lin-Manuel Miranda (O Retorno de
Mary Poppins)
Viggo Mortensen (Green Book: O
Guia)
Robert Redford (The Old Man and
the Gun)
John C. Reilly (Stan & Ollie)
- Melhor diretor de filmes
Bradley Cooper (Nasce uma estrela)
Alfonso Cuaron (Roma)
Peter Farrelly (Green Book: O
Guia)
Spike Lee (Infiltrado na Klan)
Adam McKay (Vice)
- Melhor atriz coadjuvante em
filmes
Amy Adams (Vice)
Claire Foy (First Man)
Regina King (If Beale Street Could Talk)
Emma Stone (A favorita)
Rachel Weisz (A favorita)
- Melhor ator coadjuvante em
filmes
Mahershala Ali (Green Book: O Guia)
Timothee Chalamet (Beautiful Boy)
Adam Driver (Infiltrado na Klan)
Richard E. Grant (Can You Ever
Forgive Me?)
Sam Rockwell (Vice)
- Melhor roteiro para filme
Barry Jenkins (If Beale Street
Could Talk)
Adam McKay (Vice)
Alfonso Cuaron (Roma)
Deborah Davis and Tony McNamara (A
favorita)
Peter Farrelly, Nick Vallelonga, Brian Currie (Green Book: O Guia)
- Melhor filme em língua
estrangeira
Capernaum
Girl
Never Look Away
Roma
Shoplifters
- Melhor animação
Os Incríveis 2
Ilha dos Cachorros
Mirai
WiFi Ralph: Quebrando a Internet
Homem-Aranha no Aranhaverso
- Melhor trilha sonora original
para filmes
Marco Beltrami (Um lugar
silencioso)
Alexandre Desplat (Ilha de
cachorros)
Ludwig Göransson (Pantera Negra)
Justin Hurwitz (O primeiro homem)
Marc Shaiman (O retorno de Mary
Poppins)
- Melhor música para filmes
"All the Stars" (Pantera
Negra)
"Revelation" (Boy
Erased)
"Girl in the Movies" (Dumplin)
"Shallow" (Nasce uma estrela)
"Requiem for a Private
War" (A Private War)
Lista completa com os vencedores no site oficial.
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