domingo, 16 de dezembro de 2018

Vamos falar sobre Dwayne Johnson com Jumanji, Rampage e Arranha-Céu


Herdeiro natural (com merecimento) de astros do quilate de Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger, Dwayne Johnson é indiscutivelmente a grande estrela do cinema pipoca na atualidade. Com muito carisma, pouquíssimos erros e uma inacreditável produtividade, o ator tem enfileirado ‘hits’ com rara eficiência, mostrando estar em ótima sintonia com o seu público alvo. Consciente da sua árdua jornada rumo ao sucesso no mundo do cinema, uma trajetória singular que já foi destacada aqui no blog, o popular The Rock parece lutar com unhas e dentes pelo seu espaço no topo, pela sua consagração entre os mais lucrativos do gênero. Só nos últimos anos, por exemplo, ele emplacou a engraçadíssima comédia Um Espião e Meio (2016), a magnífica animação Moana (2016) e o gigantesco Velozes e Furiosos 8 (2017), títulos que ajudaram a solidificar a sua imagem enquanto estrela de Hollywood. Em 2018, porém, Dwayne Johnson não deixou espaço para a concorrência. Com três lançamentos ao longo do ano, o fenômeno Jumanji: De Volta a Selva, o irreverente Rampage: Destruição Total e o competente thriller catástrofe Arranha-Céu: Coragem Sem Limites, o ator trouxe um retorno nas bilheterias de quase US$ 1,7 bi ao redor do mundo, um sucesso impensável para o ator que até pouco tempo atrás era obrigado a conviver com o rótulo de “ex-lutador”. Não, Dwayne Johnson é um realizador de talento que, com simpatia e muita entrega aos seus personagens, parece ter todos os ingredientes para seguir detonando no mercado blockbuster. Os seus três lançamentos este ano, gostem ou não, cumprem todos os pré-requisitos quando o assunto é diversão escapista.

- Jumanji: De Volta à Selva


Tirar do papel uma sequência de um filme tão popular sempre é uma missão muito complicada. Como se não bastasse o hiato de duas décadas entre as produções e a consequente mudança no perfil do público alvo, Jumanji se tornou um daqueles títulos “intocáveis” para uma geração. Um status potencializado pela dolorosa morte do radiante protagonista Robin Williams, que, nos anos 1990, foi um verdadeiro símbolo do então familiar cinema pipoca com performances carismáticas e o seu irreverente senso de humor. Para muitos, inclusive esse que vos escreve, uma sequência daquele Jumanji da década de 1990 não tinha motivos para existir. Felizmente, desta vez Hollywood não estava interessada somente no “dinheiro fácil”. Embora esbarre em alguns excessos narrativos, De Volta à Selva empolga ao modernizar o viés lúdico do longa original. Mais do que simplesmente reverenciar a fórmula do seu antecessor, a dinâmica aventura dirigida por Jake Kasdan (dos fracos Professora Sem Classe e Sex Tape) surge com uma releitura com ideais próprias, trocando o mundo imaginário dos jogos de tabuleiro pelo senso de imersão dos ‘games’ atuais com perspicácia e um afiado senso de humor. Na verdade, o grande trunfo da continuação na inteligência do argumento ao buscar falar a língua do seu público alvo atual. Se no primeiro Jumanji o escapismo e o clima de aventura familiar ditava o tom da película, em De Volta à Selva Kasdan investe pesado na ação e na comédia, invadindo o terreno dos ‘high-school movies’ com piadas de duplo sentido e a velha incompatibilidade entre populares e impopulares.


O primeiro grande acerto da continuação está, indiscutivelmente, na maneira com que o argumento brinca com os arquétipos dos filmes de colegial. Numa referência clara ao clássico Clube dos Cinco (1985), o diretor Jake Kasdan é astuto reunir um grupo de personagens completamente distintos, usando a disfuncional dinâmica entre eles como o agente catalisador da trama. Após agirem de forma incorreta num mesmo dia, o nerd Spencer (Alex Wolff), o atleta Fridge (Ser'Darius Blain), a popular Bethany (Madison Iseman) e a deslocada Martha (Morgan Turner) são obrigados a ficarem “presos” na detenção para reverem as suas falhas. Entediados, eles resolvem explorar o lugar, achando, numa pilha de doações, um velho videogame. O que o quarteto não esperava, porém, é que ao ligar a máquina eles seriam sugados para um mundo perigoso, a selva de Jumanji, e teriam que lutar pelas suas vidas para reestabelecer a ordem e voltar para o conforto do seu lar. Com uma sacada simples e ao mesmo tempo esperta para explicar a mudança na “plataforma” do jogo, Kasdan não perde tempo ao explorar a curiosa relação entre os personagens. Fiel à lógica dos games atuais, o realizador é criativo ao fazer um perspicaz uso do conceito dos avatares, debochando do ‘status social’ dos jovens protagonistas ao torna-los figuras completamente diferentes no mundo “virtual”.


Mais do que simplesmente embaralhar a personalidade dos “heróis” nos seus divertidos players, o roteiro consegue incrementar o viés cômico ao inverter os seus respectivos ‘status quo’. Em Jumanji, o fortão se torna um nanico rabugento (Kevin Hart), a sexy um gordinho afeminado (Jack Black), o medroso um herói (quase) inabalável (Dwayne Johnson) e a solitária uma destemida guerreira (Karen Gillan). Por mais que, em alguns momentos, o roteiro tente se levar a sério demais, perdendo tempo com diálogos genéricos do tipo “quem vê cara não vê coração”, Kasdan acerta ao se concentrar no humor, principalmente quando decide explorar a maneira com que eles usam os seus novos “atributos” em terreno selvagem. Um predicado valorizado pelas irreverentes performances de Johnson, hilário como um tipo amedrontado num corpanzil bombado, Black, engraçadíssimo ao externar a feminilidade da sua Bethany, e por Gillan, surpreendente na pele de uma figura cômica e ao mesmo tempo ‘badass’. O que fica bem claro na engraçadíssima sequência da sedução.


A grande sacada do novo Jumanji, no entanto, está na maneira com que o longa replica a estrutura dos novos jogos de ação\aventura no formato cinematográfico. Inspirado por títulos como Uncharted e Tomb Raider, Jake Kasdan esbanja perspicácia ao se apropriar da mecânica desses jogos, ao tirar proveito de fórmulas e conceitos, indo além das soluções simples (uso de barra de vida, características especiais) introduzir elementos típicos dos games (personagens não jogáveis, ‘cutscenes’ e ‘puzzles’) na sua linha narrativa. O resultado é inventivo e reconhecível, transformando De Volta à Selva num dos poucos filmes capazes de traduzir a lógica de um jogo e leva-la para a tela grande. Uma abordagem que, inclusive, ajuda a reparar alguns dos problemas desta continuação, entre eles a repetição de algumas soluções do primeiro filme, a ausência de um grande vilão (Bobby Cannavale é desperdiçado num tipo genérico) e o burocrático uso do CGI. Além disso, embora não comprometa, o cantor aspirante a ator Nick Jonas deixa a desejar quando o seu personagem exige mais, se tornando um dos elos fracos quando o assunto é o elenco. O mesmo, aliás, podemos dizer de Kevin Hart que, apesar da nítida química com Dwayne Johnsson, se vê limitado por um personagem (na ausência de uma palavra melhor) chato. Nada que, verdade seja dita, diminua o senso de diversão de Jumanji: De Volta à Selva, uma continuação “metabolizada” e genuinamente engraçada que cativa ao encontrar uma esperta forma de atualizar o singelo longa original. 



- Rampage: Destruição Total


Só mesmo um ator com o tamanho de Dwayne Johnson para aceitar estrelar uma aventura do porte de Rampage: Destruição Total, um filme galhofa inspirado num clássico ‘arcade’ dos anos 1980. Sob a vistosa batuta de Brad Peyton, criativo ao capturar a grandiosa escala de destruição proposta pelo game, o longa coloca o carismático ator como a última linha de defesa entre os EUA e um trinca de feras gigantescas (um macaco, um lobo e um jacaré) modificadas geneticamente. Esqueça a lógica. Desligue o seu cérebro. Inspirado por títulos como o magnífico Jurassic Park (1993) e o escapista Godzilla dos anos 1990, Peyton acerta no momento em que abraça a face mais desavergonhada dos filmes de monstros, em que tenta imprimir em tela o senso de incorreção presente no popular jogo. O que fica bem claro, em especial, no estupidamente divertido primeiro ato. Ali, quando evita se aprofundar demais nos rasos personagens, o realizador empolga ao se concentrar na cativante dinâmica entre Okoye (Johnson) e o seu fiel macaco George, nas sacanas piadas entre os dois e na agressiva ameaça que os cerca. Confesso, inclusive, que não esperava que este genuíno exemplar do cinema pipoca fosse dialogar tanto com o elemento ‘gore’, principalmente nas violentas sequências envolvendo o lobo Ralph.


Nem só de Dwayne Johnson e feras gigantes pode sobreviver um longa. Nos momentos em que precisa se distanciar dos seus protagonistas\antagonistas, Rampage tropeça nas suas próprias pernas ao se render a um ‘plot’ científico ultra genérico, em coadjuvantes pouco interessantes (vide a estúpida dupla de irmãos) e num fiapo de trama que decide se levar a sério além do necessário. Numa opção anticlimática, mesmo diante dos nítidos problemas no roteiro, Brad Peyton estica o segundo ato na tentativa de criar algum tipo de vínculo entre os personagens, o que só acontece devido ao talento do elenco em questão. Enquanto a subestimada Naomie Harris injeta algum charme na tentativa de criar um ‘sidekick’ minimamente funcional, o grande ladrão de cenas se revela Jeffrey Dean Morgan e o seu sagaz agente Harvey Russell. Sem se levar a sério por um segundo sequer, ele, assim como o próprio Johnson, entende o espírito da coisa logo de cara, esbanjando irreverência ao se divertir do primeiro ao último minuto no set. Uma pena que o segundo ato como um todo não compartilhe desta pegada extravagante. Embora em um ou dois momentos a ação ajude a nos trazer de volta para o filme, vide a engenhosa cena do avião, o blábláblá científico, a rixa militar e insosso pano de fundo dramático surgem como a “âncora” do longa, reforçando a falta de criatividade do argumento na tentativa de criar algo a partir deste simplório jogo. Um problema, diga-se de passagem, bem comum no que diz respeito às adaptações de ‘games’.


Felizmente, numa esperada correção de rota, Rampage: Destruição Total entrega no terceiro ato o que os trailers, o título e o jogo em si prometiam. Com efeitos visuais dignos dos melhores filmes do gênero, detalhe para o verossímil e expressivo macaco George, Brad Peyton reverencia o game com indiscutível criatividade, reproduzindo o gigantismo, o rastro de devastação e a violência dos animais mutantes em sequências de ação implacáveis. Valorizando o peso dos personagens, as noções de escala e o senso de simultaneidade no ataque feroz do trio, o realizador é astuto ao brincar com o visual 2-D do ‘arcade’, homenageado com originalidade na cena em que o trio invade Chicago. E como se não bastasse a imponência das sequências de destruição, Peyton testa os limites do absurdo ao transformar Dwayne Johnson numa peça útil dentro deste gigantesco embate. Por mais que aqui o CGI “fale” mais alto que o ideal, o realizador eleva o nível do escapismo a máxima potência ao colocá-lo frente a frente de um jacaré imparável, entregando um clímax coerente com a proposta estupidamente divertida da obra. Enfim, empolgante nos momentos em que não se leva tão a sério, Rampage é uma aventura esperta, com um padrão de incorreção raro para o gênero, que poderia funcionar ainda melhor se abraçasse com maior entusiasmo o caótico viés absurdo do último ato. 



- Arranha-Céu: Coragem Sem Limites


Uma mistura pouco inspirada de Inferno na Torre (1974) com Duro de Matar (1988), Arranha-Céu: Coragem Sem Limites é um filme de ação clichê que sustenta genuinamente no carisma de Dwayne Johnson. Algo que, diga-se de passagem, nomes como Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone faziam rotineiramente nos anos 1980 e 1990. A rigor, o longa comandado pelo diretor com raízes cômicas Rawson Marshall Thurber (Um Espião e Meio) não traz nada de novo ao gênero. Muito pelo contrário. Talvez o grande trunfo do filme esteja na sua relação de reverência aos títulos citados acima. Trazendo na sua essência o DNA John Mclane, o herói da vez é Will Swayer (Johnson), um ex-agente com passado trágico que largou a corporação para se dedicar ao projeto de segurança de um gigantesco prédio em Hong Kong. Como esperado, no dia da inauguração, as coisas saem do controle quando um incêndio e um grupo de terroristas (confusão em dose dupla!) passam a ameaçar o bem-estar da sua família. Com base neste ‘plot’ reconhecível, Thurber investe numa trama dinâmica e operacional, uma obra que, apesar dos diálogos por vezes fraquíssimos, do limitado elenco de apoio e das convenientes soluções do roteiro (um tablet é capaz de desabilitar a segurança do prédio em segundos) enerva e entretém com eficácia.


Muito em função, é verdade, da capacidade do argumento e do cativante Dwayne Johnson em trazer o fator humano para o centro da história. Embora Arranha-Céu passe longe de ter o charme do clássico Duro de Matar, o ator extrai o máximo do seu retilíneo personagem ao valorizar o elemento superação. Ao tornar a deficiência de Will o seu grande diferencial. Não basta chutar os traseiros dos terroristas. Escalar um prédio em chamas. Dar saltos suicidas. O protagonista, aqui, faz tudo isso com uma perna\prótese mecânica e muita silver tape. A sacada da fita, em especial, é bem divertida. Nos momentos em que invade o terreno da ação mais tradicional, Rawson Marshall Thurber é competente ao tirar do papel boas sequências de luta e ao valorizar o enérgico desenho de som nas cenas de tiroteio. Já nas sequências mais íngremes, entretanto, o resultado não é o mesmo, principalmente pela falta de recursos do realizador em explorar o elemento da verticalidade. Por mais que o filme crie algumas situações genuinamente tensas, a sensação de potencial inexplorado fica evidente quando nos deparamos com a dificuldade de Thurber em potencializar a sensação de vertigem nos momentos que Will e a sua família precisam correr\saltar\escalar no prédio em chamas. Com um CGI carregadíssimo e pouco espaço para os efeitos práticos, a sensação de profundidade nas cenas mais verticais deixa muito a desejar, o que reduz o impacto de alguns deste takes. Não de todos. Além disso, provavelmente prejudicado pelo cenário digitalizado, o diretor mostra um repertório de ângulos e enquadramentos bem limitados, entregando um ‘mise en scene’ que, quando comparado com filmes recentes como Missão: Impossível – Protocolo Fantasma (2011), o sul-coreano Pânico na Torre (2012) e o extraordinário A Travessia (2015), deixa um pouco a desejar.


Um sentimento que, confesso, deve saltar aos olhos somente do espectador mais experimentado. Até porque, no momento em que abstraímos esses deslizes, Arranha-Céu: Coragem sem Limite consegue divertir pela sua capacidade de abraçar o escapismo sem grande vergonha. No final das contas, estamos diante de um filme de ação operacional, com um vilão convincente, uma justificativa plausível e um herói capaz de tudo para salvar a sua família. Um passatempo consciente das suas limitações capaz de falar a língua do seu público alvo. Seja ele ocidental ou asiático.



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