quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Dez grandes anti-heróis do cinema de ação


Eles são impiedosos. Agressivos. Por vezes violentos. Mas fazem tudo por um motivo justo. Pelo menos é o que eles acreditam. Um dos arquétipos mais populares no cinema atual, o anti-herói do cinema se tornou uma espécie de símbolo das transformações sociais nas últimas quatro\cinco décadas ao redor do mundo. Da década de 1960 para cá, acompanhando a caótica metamorfose urbana nas principais metrópoles, Hollywood percebeu que os paladinos da justiça estavam próximos de cair em desuso. O herói unidimensional, sem falhas e com um rígido código de honra envelheceu, se distanciando da realidade do público. O triunfo de personagens dramáticos como o mafioso Michael Corleone em O Poderoso Chefão (1972), o ladrão de bancos Sonny Wortzik em Um Dia de Cão (1975) e o vigilante Travis Bickle em Taxi Driver (1976) não me deixa mentir. Apesar do ‘boom’ dos filmes de super-heróis, é interessante ver como os personagens mais retilíneos perderam espaço para os mais mundanos. O sombrio Batman é hoje, nos cinemas, um personagem mais popular que o icônico Superman. O tão engenhoso Universo Cinematográfico da Marvel, por exemplo, “nasceu” com o cínico Homem de Ferro (2008). O que ajuda a explicar o sucesso recente do desbocado e violento Deadpool. Após sofrer nas mãos dos produtores em X-Men: Origens – Wolverine, o mercenário falastrão ganhou uma nova chance nas mãos de Ryan Reynolds, que, com liberdade criativa, entregou um anti-herói moderno e empolgante. Um tipo sacana, que não se leva a sério por um segundo sequer e naturalmente caiu nas graças do público atual. Aproveitando a estreia de Era uma Vez Deadpool, neste artigo decidi preparar uma lista com dez dos mais populares e descolados anti-heróis do cinema de ação. E, antes que perguntem, eu não enxergo o icônico Alex Delarge, de Laranja Mecânica (1971), como um anti-herói, mas como um vilão incorrigível. Por isso, obviamente, ele não estará nesta lista. Dito isso, começamos com...

- O Pistoleiro sem Nome (Trilogia dos Dólares), Harry Callahan (O Perseguidor Implacável) e Bill Munny (Os Imperdoáveis)


Se alguém soube tirar proveito desta “transformação” do status do herói, esse foi Clint Eastwood. Dotado de um carisma inigualável, o legendário ator norte-americano viu a sua carreira ganhar um novo status graças ao seu trabalho com Sérgio Leone na fantástica Trilogia dos Dólares (1964-1968). Num momento em que o tradicional faroeste passava por uma entressafra, Eastwood encontrou no ‘western spaghetti’ o espaço para criar um dos primeiros grandes anti-heróis do cinema de ação, o Pistoleiro sem Nome, um caçador de recompensas raivoso que tratava as suas pistolas como uma ferramenta de justiça social. Um arquétipo que se tornou recorrente dentro do gênero na década seguinte. Após se tornar uma das mais populares estrelado do segmento, Eastwood levou a aura ‘badass’ para os centros urbanos no contundente O Perseguidor Implacável (1971). Num papel, novamente, precursor, o ator brilhou na pele do detetive Harry Callaham, um policial amoral, agressivo e entusiasta das frases de efeito que acreditava no valor da força bruta e da sua Magnum. Numa época em que o conceito das franquias cinematográficas era praticamente inexplorado, Clint Eastwood ganhou um personagem que retornaria em quatro outros filmes, Magnum 44 (1973), Sem Medo da Morte (1976), Impacto Fulminante (1983) e Dirty Harry na Lista Negra (1988), estabelecendo assim um formato que seria muito lucrativo dentro do gênero. Por fim, no início dos anos 1990, num momento de retomada do então combalido ‘western’, Eastwood entregou um dos melhores filmes da sua carreia, o fantástico Os Imperdoáveis (1992). De volta ao segmento que o consagrou, ele deu vida ao ex-pistoleiro Bill Munny, um homem solitário e amargurado que, após um passado de mortes, resolve voltar a pegar em uma arma quando uma prostituta o procura em busca de vingança. Na pele de um tipo denso e complexo, Eastwood contestou de vez o status heroico dos filmes de faroeste ao mostrar o triste destino dos (agora) velhos caubóis, nos presenteando com um protagonista impiedoso. Um anti-herói trágico e realístico.


- Max (Mad Max)


Um anti-herói num futuro distópico, Max se tornou um dos personagens mais populares dos anos 1980. Interpretado pelo então jovem e promissor Mel Gibson, o ‘road warrior’ ajudou a consagrar o arquétipo do homem vingativo, um arco que seria explorado à exaustão no cinema de ação oitentista. Sob a enérgica batuta de George Miller, o clássico longa original colocou Max na mira de uma trupe de insanos motoqueiros, o transformando numa espécie de produto do seu meio. Num cenário vil e escasso de recursos naturais, o protagonista explode em cena de maneira compreensível, ganhando assim um arco denso e feroz potencializado pelas insanas sequências de perseguição pelas estradas do deserto australiano. É legal ver, inclusive, como a franquia ganhou um novo status na década de 80. Enquanto o primeiro filme conquistou a atenção do público e da crítica graças a sua atmosfera ‘indie’, nas duas continuações seguintes o que vimos foi um espetáculo genuinamente hollywoodiano, em especial no fantástico Mad Max 2: A Caçada Continua (1981). Um blockbuster pós-apocalíptico que, em função da indiscutível originalidade de Miller, se tornou um modelo para o gênero nos anos seguintes. Quando o personagem parecia próximo de cair no esquecimento, entretanto, eis que George Miller surpreende a todos com o magnífico Mad Max: Estrada da Fúria (2015). Agora com o intenso Tom Hardy no papel do anti-herói traumatizado, o realizador, do alto dos seus 70 anos, entregou uma das obras mais corajosas e singulares do cinema de ação. Um espetáculo visual de grandes proporções que, apesar dos indiscutíveis méritos estéticos, conseguiu “apresentar” o agressivo Max às novas gerações.

- John Rambo (Rambo: Programado para Matar)


Confesso que relutei em tratar o icônico John Rambo como um anti-herói. Isso porque, indo de encontro ao crítico Programado para Matar (1982), as duas sequências seguintes transformaram um soldado num herói clássico da década de 80, um símbolo dos populares “exércitos” de um homem só. Ainda assim, graças também ao agressivo (e subestimado) quarto longa (2008), acho sim que John Rambo merece ser considerado um dos anti-heróis mais populares da história da Sétima Arte. Num momento em que grande parte dos EUA se insurgia contra a Guerra do Vietnã, o clássico longa dirigido por Ted Kotcheff foi enfático ao mostra os traumas do conflito sob a perspectiva de um militar, um homem condecorado que, de volta para casa, é preso injustamente por um tirânico xerife. Revoltado e ainda convivendo com os fantasmas da guerra, ele consegue fugir, iniciando um violento jogo de gato e rato pelas matas de um até então pacata região. Antes de Rambo se tornar o símbolo que o público se acostumou a conhecer, o militar bombado com a sua faixa vermelha na cabeça, Kotcheff mostrou propriedade ao levar para a tela grande o livro homônimo de David Morrell, transitando entre a ação e o drama ao capturar a natureza violenta de um homem acuado. Indo além das empolgantes sequências de ação, o realizador conseguiu construir um anti-herói injustiçado, uma figura à beira da explosão que decide levar a guerra para o seu próprio país. Uma abordagem enérgica que alcança o seu ápice dentro do fantástico clímax, dando a Sylvester Stallone a possibilidade de mostrar o seu talento num monólogo triste, raivoso e indiscutivelmente corajoso.

- Tony Montana (Scarface)


Lançado na década de 1930, Scarface: A Vergonha de Uma Nação é o exemplo perfeito da mudança do status dos anti-heróis. Em 1932, ver um filme glorificando a ascensão de um gangster foi considerado um ultraje. Na época, os censores de Hollywood se insurgiram contra o filme, exigiram um “corte” mais leve, a adição de cenas em que o protagonista fosse moralmente condenado e (claro!) o subtítulo. De mãos atadas, o excêntrico produtor Howard Hughes e o diretor Howard Hawks tiveram de ceder, mas, mesmo assim, apesar da recepção positiva, o filme foi perseguido e vetado em algumas cidades. Cinco décadas depois, Brian de Palma decidiu recontar a história do mafioso que, crendo no “american dream”, construiu um império do crime organizado. Com Al Pacino na pele do explosivo traficante latino Tony Montana, Scarface (1983) se tornou um dos filmes de máfias mais populares (e violentos) da história do cinema. Recheado de sequências icônicas, o longa conseguiu criar um dos anti-heróis mais influentes da cultura pop, um personagem com um senso de moral dúbio que, na busca por reconhecimento dentro de um ambiente altamente preconceituoso, decidiu desafiar o ‘status quo’ numa violenta onda de crime. Com frases como “Say Hello to My Little Friend”, Tony Montana se tornou um símbolo nos filmes de máfia, um anti-herói tipicamente oitentista.

- D-Fens (Um Dia de Fúria)


Talvez o anti-herói mais urbano desta lista, D-Fens mostrou em Um Dia de Fúria (1993) o impacto do opressivo estilo de vida urbano na rotina de um cidadão comum. Num retrato inventivo sobre os males do “homem moderno” de 1990, o diretor Joel Schumacher transformou Michael Douglas numa espécie de agente do caos, um tipo capaz de desafiar tudo aquilo que mais incomodava o indivíduo americano. Exageros à parte, é interessante a sagacidade do longa em diluir a barreira entre o trágico e o cômico. Ao narrar desventuras de um homem divorciado que, após perder o emprego, entra em colapso e resolve se insurgir contra tudo aquilo que mais lhe incomodava, Schumacher é cuidadoso ao estreitar os laços entre o anti-herói e o público americano, ao embasar as suas reações. Indo além da ação pela ação, o realizador consegue questionar as pressões sociais, o voraz estilo de vida capitalista, fazendo de D-Fens um produto do meio em que vivia. Uma vítima do sistema. Um status que consagrou o personagem como um dos anti-heróis mais populares da década de 1990.


- Eric Draven (O Corvo)


Um dos meus personagens favoritos da cultura pop cinematográfica, Eric Draven é o melhor modelo do anti-herói clássico. Num projeto que ajudou a definir a face mais soturna\pessimista da década de 1990, o diretor Alex Proyas fez de O Corvo (1994) um ‘hit’ cult instantâneo. Tudo nesse filme é marcante. Com um visual sombrio, um ‘background’ violento e personagens impactantes, o longa conseguiu dar contornos particulares a criação de James O’Barr, elevando o nível do material ao entregar não só um dos anti-heróis mais icônicos da história recente do cinema, mas uma contundente história de vingança. Morto por membros de uma violenta gangue, Eric Draven volta do túmulo para vingar o assassinato da sua esposa, desafiando todos que cruzarem o seu caminho ao lado do seu estimado corvo. No auge da sua carreira, Brandon Lee entregou uma daquelas performances marcantes, interiorizando o misto de dor, raiva e agressividade do seu Eric com intensidade e muito carisma. Indo além das ótimas sequências de ação, Proyas conseguiu capturar o aspecto mais particular da obra de O’Barr, se preocupando em dar ao anti-herói o status que ele merecia. O visual dele é atraente. O seu figurino influente. A sua ‘vibe’ rock-star funciona até hoje. Em suma, um personagem com a força necessária para brilhar. Num daqueles duros golpes do destino, entretanto, O Corvo acabou ficando marcado pela trágica morte do ator Brandon Lee. Durante uma das cenas de tiroteio, por uma falha, uma das armas não foi limpa devidamente. Vestígios de um projetil atingiram o ator e o levaram ao óbito. Um duro golpe do destino. Nos resta, porém, sempre lembra do grande trabalho de Brandon Lee, que, no trabalho da sua carreira, fez de Eric Draven um anti-herói emblemático.

- Leon (O Profissional)


Uma releitura moderna do clássico Lolita, O Profissional esbanja coragem ao flertar com temas naturalmente espinhosos. Me arrisco a dizer, inclusive, que dificilmente o longa dirigido por Luc Besson conquistaria o mesmo espaço se lançado nos dias de hoje. Os motivos são claros. Mais do que construir um grande anti-herói, o “travado” Leon, o argumento é sutil ao construir a amizade “colorida” entre um regrado assassino profissional e uma vingativa órfã pré-adolescente. Com Jean Reno e Natalie Portman em performances únicas, Besson é delicado ao estabelecer esta singular relação. Ele, contra o seu instinto, decide protege-la da mira de um insano policial (Gary Oldman, extraordinária). Ela, movida pela raiva e pela tristeza, vê nele a oportunidade vingança, nutrindo uma admiração que logo se torna um confuso sentimento de afeto. Numa troca de experiências completamente inusitada, Besson é astuto ao tornar tudo muito ingênuo, ao transitar por questões pesadas com inocência e gentileza, criando uma parceria totalmente inédita dentro do gênero. Além disso, quando necessário, o realizador francês investe em fantásticas sequências de ação, mostrando a face mais letal de Leon com frieza e pulso narrativo. O resultado é um filmaço de ação, um argumento denso, personagens complexos e um anti-herói digno de nota.

- V (V de Vingança)


Uma ‘graphic novel’ do mestre Alan Moore e do quadrinista David Lloyd, V de Vingança ganhou uma adaptação corajosa nas mãos de James McTeigue. E um dos maiores méritos do longa está no esmero do roteiro na construção do anárquico V. O símbolo da revolução nesta distópica história, o justiceiro vivido por Hugo Weaving (brilhante mesmo sob uma máscara) se revela um anti-herói de respeito, um homem refinado e inteligente que não pensa duas vezes em tomar drásticas decisões na luta contra um tirânico regime ditatorial na Inglaterra. Por mais que as suas intenções sejam as mais coerentes possíveis, ele se revela um tipo manipulador, ardiloso e agressivo. Um anti-herói capaz de espalhar explosivos pela cidade, de incitar a população contra o governo e de sacrificar vidas em prol do que ele considera um bem maior. Com personagens marcantes, um visual fiel ao material fonte e um ‘background’ extremamente atual, V de Vingança é um filme empolgante, uma obra recheada de sequências memoráveis, vide o catártico clímax, que provoca uma bem-vinda reflexão ao sair em defesa da plena liberdade individual e do poder de um ideal.

- Rorschach (Watchmen)


Quando o assunto são os filmes de super-heróis, entretanto, a resistência ainda é grande quanto a utilização do arquétipo do anti-herói. Limitado pela classificação etária, a grande maioria dos grandes estúdios tem evitado o risco, o que explica a ausência de um personagem do tipo no consagrado Universo Cinematográfico da Marvel ou então o fracasso de Esquadrão Suicida. Um longa que, ao invés de explorar o conceito do anti-heroismo, subestimou a inteligência do público ao simplesmente fazer os vilões agirem como heróis. Alguns filmes, porém, tiveram coragem. Além de Deadpool, a Fox mostrou em Logan a face mais anti-heroica do popular Wolverine, um status pouco explorado dentro da franquia mutante. Foi no imponente Watchman, porém, que vimos um genuíno anti-herói dentro do universo super-heroico. Inspirado na criação de Alan Moore (olha ele de novo) e David Gibbons, o diretor Zack Snyder conseguiu fazer do humano Rorschach o grande personagem desta grandiosa produção. Em meio a tipos super-poderosos e\ou tecnológicos, o soturno vigilante vivido por Jack Early Haley se revela o coração da versão cinematográfica, um homem revoltado acostumado a encarar o pior do ser humano no seu dia a dia. Responsável pelo “trabalho sujo”, o anti-herói mascarado, embora consciente da sua fragilidade neste cenário, é o único ao encarar os conflitos de frente, não titubeando em tomar decisões drásticas em busca daquilo que acredita. Um personagem complexo muito bem trabalhado por Snyder, que, ao dar a ele um justificado protagonismo, o transforma numa peça chave dentro do fantástico clímax.

- O Piloto (Drive)


Por fim, um ‘hit’ cult instantâneo, Drive nos presenteou com um dos maiores anti-heróis do cinema moderno, o silencioso O Piloto. Influenciado por alguns dos personagens citados nesta lista, ele, indiscutivelmente, tem muito da aura enigmática do Pistoleiro sem Nome, da ferocidade de Max e da inocência de Leon, o então promissor diretor Nicolas Winding Refn (que anda devendo muito) usou esses reconhecíveis traços de personalidade na construção de um personagem único. Com Ryan Gosling esbanjando força em cena, Drive acompanha os passos de um piloto de fuga\dublê que, após um roubo malsucedido, decide se vingar daqueles que passam a ameaçar a sua vida e a de uma gentil vizinha. Um personagem pensado em todos os sentidos. Ele tem um arco narrativo denso, um visual marcante, um figurino especial, um modo de agir peculiar, um comportamento frio\cool. Uma conjunção de fatores que, impulsionado pelo exuberante fator estético da película, fez do Piloto e de Drive como um todo um filme repleto de personalidade.

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