domingo, 23 de setembro de 2018

O Banqueiro da Resistência

Uma história que merecia ser contada

Inspirado numa das daquelas desconhecidas histórias reais envolvendo a Segunda Guerra Mundial, O Banqueiro da Resistência se revela um relato sólido e esteticamente valoroso sobre um homem que abriu mão do seu conforto em prol de uma causa maior. Sob a enérgica batuta do diretor Joram Lürsen, o envolvente thriller de guerra esbanja categoria ao narrar a altruísta jornada do corajoso Wally Van Hall (Barry Atsman), um respeitado banqueiro que, ao lado do seu irmão mais velho, o relutante Gijs Van Hall (Jacob Derwig), decidem criar\manter um fundo para a resistência no auge da presença nazista em território holandês.

Apesar da complexidade do tema em questão, Joram Lürsen mostra um inesperado pulso narrativo ao traduzir os feitos da dupla de maneira dinâmica e acessível. Sem um pingo de didatismo, o argumento é inteligente em não se prender aos pormenores, deixando a “burocracia” em segundo plano ao se concentrar na motivação dos personagens. Até porque, como fica bem claro, sozinha a dupla de protagonistas não poderia fazer nada. Neste sentido, é interessante ver, para começar, o esmero do roteiro na construção deste engenhoso esquema e no desenvolvimento das peças que os serviam. Enquanto Wally parece se arriscar por indignação à opressão alemã, alguns dos seus companheiros de profissão ajudavam apenas pelo lucro, conscientes que, de alguma forma, protegidos pelo anonimato, esse gesto poderia render um grande retorno financeiro no pós-guerra. 



Fiel a lógica deste ambiente, Joram Lürsen mostra astúcia ao não julgá-los, se distanciando do teor maniqueísta ao tornar tudo o mais verossímil possível aos olhos do público. Uma operação perigosa que, ao final da guerra, movimentou, numa cotação atual, mais de E$ 500 milhões. Se num primeiro momento tudo soa seguro demais, à medida que a trama avança e a guerra se aproxima do seu fim o realizador é preciso ao potencializar gradativamente a atmosfera de tensão, buscando referência no mestre do suspense Brian de Palma na construção de cenas nervosas e repletas de ritmo. Como não citar, por exemplo, a angustiante sequência do banco, quando, num ‘mise en scene’ complexo e muito elegante, Lürsen adiciona elemento dos filmes de assalto em descaracterizar a limitação dos personagens. 


Outro ponto que agrada, e muito, é a sutileza com o longa desvenda as motivações dos personagens. Embora, num primeiro momento, Wally soe heroico demais, uma postura que (confesso) me preocupou quanto as intenções do argumento, aos poucos percebemos que estamos diante de um homem comum. Vulnerável. Com medos e anseios. Um predicado narrativo valorizado pela intensa performance de Barry Atsman, convincente ao tornar a deterioração do seu confiante personagem crível aos olhos do público. O mesmo, aliás, podemos dizer de Gijs, que, curiosamente, passa por um plausível processo inverso ao do seu irmão caçula. Pintado inicialmente como a voz da razão, ele, como qualquer um faria, reluta, se mostra preocupado com a proporção que a coisa toma, mas, pouco a pouco, passa a (da sua maneira) se expor a causa.


Ao contrário do carismático Barry Atsman, Jacob Derwig investe num trabalho mais introspectivo, mas recheado de nuances, principalmente quando o assunto é o cativante vínculo com o seu irmão. É bom frisar, entretanto, que Joram Lürsen é maduro o bastante para não se concentrar nesta honesta relação. Ao invés de tentar criar um herói, o diretor se preocupa em valorizar os personagens de apoio, em dar o espaço necessário para o desenvolvimento de algumas importantes subtramas, expondo os elos mais fortes e os mais fracos deste esquema num incisivo jogo de gato e rato. Pena que, na transição para o clímax, o roteiro derrape ligeiramente nas curvas da unidimensionalidade ao tentar vilanizar os atos de um determinado personagem, uma opção que, a meu ver, dado o contexto em que ele estava inserido, deveria ter sido melhor explicada\trabalhada. Além disso, Lürsen flerta com o sentimentalismo num momento chave da película, reduzindo o impacto de uma cena chave da película ao tentar potencializar o suspense criando uma descabida conexão entre duas ações diferentes. Como se o fato em questão não fosse por si só trágico.


O que mais me impressionou em O Banqueiro da Resistência, entretanto, foi o requinte técnico de Joram Lürsen na construção desta concertante história real. Indo além do precioso trabalho da equipe de direção de arte, vide a imersiva reconstrução histórica, o realizador holandês esbanja recursos ao optar por traduzir o caos e a opressão da maneira mais bela possível. Fazendo um refinado uso da iluminação incidental, o contra-luz, em especial, é usado com enorme refinamento, Lürsen é astuto ao traduzir visualmente os contrastes entre os personagens, tirando o máximo da texturizada fotografia em tons de sépia de Mark Van Allen na composição de quadros dignos dos melhores elogios. Poucas vezes, na verdade, vi uma sequência tão vil filmada com tanta elegância e beleza. Como se, de alguma forma, Lürsen pudesse reverenciar àqueles que se entregaram a uma causa tão perigosa.


Num todo, aliás, embora o longa se passe num ambiente teoricamente pacífico para os não judeus, a violência, quando necessário, enche a tela de maneira categórica, em pelo menos três momentos desconcertantes. O que falar, em especial, da primorosa sequência da barbearia, um retrato cruel daquilo que acontecia àqueles que se opunham ao regime. Em suma, classudo e imponente, O Banqueiro da Resistência se revela um valoroso drama de guerra, um verdadeiro achado da Netflix. Um relato tenso e ao mesmo tempo dramático daqueles que, em plena região dominada pela sombra do nazismo, abdicaram da sua própria segurança para ajudar a manter a esperança viva em território europeu.

Nenhum comentário: