Inspirado numa das daquelas
desconhecidas histórias reais envolvendo a Segunda Guerra Mundial, O Banqueiro
da Resistência se revela um relato sólido e esteticamente valoroso sobre um
homem que abriu mão do seu conforto em prol de uma causa maior. Sob a enérgica
batuta do diretor Joram Lürsen, o envolvente thriller de guerra esbanja
categoria ao narrar a altruísta jornada do corajoso Wally Van Hall (Barry
Atsman), um respeitado banqueiro que, ao lado do seu irmão mais velho, o
relutante Gijs Van Hall (Jacob Derwig), decidem criar\manter um fundo para a
resistência no auge da presença nazista em território holandês.
Apesar da complexidade do tema em
questão, Joram Lürsen mostra um inesperado pulso narrativo ao traduzir os
feitos da dupla de maneira dinâmica e acessível. Sem um pingo de didatismo, o
argumento é inteligente em não se prender aos pormenores, deixando a
“burocracia” em segundo plano ao se concentrar na motivação dos personagens.
Até porque, como fica bem claro, sozinha a dupla de protagonistas não poderia
fazer nada. Neste sentido, é interessante ver, para começar, o esmero do
roteiro na construção deste engenhoso esquema e no desenvolvimento das peças
que os serviam. Enquanto Wally parece se arriscar por indignação à opressão
alemã, alguns dos seus companheiros de profissão ajudavam apenas pelo lucro,
conscientes que, de alguma forma, protegidos pelo anonimato, esse gesto poderia
render um grande retorno financeiro no pós-guerra.
Fiel a lógica deste ambiente,
Joram Lürsen mostra astúcia ao não julgá-los, se distanciando do teor
maniqueísta ao tornar tudo o mais verossímil possível aos olhos do público. Uma
operação perigosa que, ao final da guerra, movimentou, numa cotação atual, mais
de E$ 500 milhões. Se num primeiro momento tudo soa seguro demais, à medida que
a trama avança e a guerra se aproxima do seu fim o realizador é preciso ao
potencializar gradativamente a atmosfera de tensão, buscando referência no
mestre do suspense Brian de Palma na construção de cenas nervosas e repletas de
ritmo. Como não citar, por exemplo, a angustiante sequência do banco, quando,
num ‘mise en scene’ complexo e muito elegante, Lürsen adiciona elemento dos
filmes de assalto em descaracterizar a limitação dos personagens.
Outro ponto que agrada, e muito,
é a sutileza com o longa desvenda as motivações dos personagens. Embora, num
primeiro momento, Wally soe heroico demais, uma postura que (confesso) me
preocupou quanto as intenções do argumento, aos poucos percebemos que estamos
diante de um homem comum. Vulnerável. Com medos e anseios. Um predicado
narrativo valorizado pela intensa performance de Barry Atsman, convincente ao
tornar a deterioração do seu confiante personagem crível aos olhos do público.
O mesmo, aliás, podemos dizer de Gijs, que, curiosamente, passa por um
plausível processo inverso ao do seu irmão caçula. Pintado inicialmente como a
voz da razão, ele, como qualquer um faria, reluta, se mostra preocupado com a
proporção que a coisa toma, mas, pouco a pouco, passa a (da sua maneira) se
expor a causa.
Ao contrário do carismático Barry Atsman, Jacob Derwig investe num trabalho mais introspectivo, mas recheado de
nuances, principalmente quando o assunto é o cativante vínculo com o seu irmão.
É bom frisar, entretanto, que Joram Lürsen é maduro o bastante para não se
concentrar nesta honesta relação. Ao invés de tentar criar um herói, o diretor
se preocupa em valorizar os personagens de apoio, em dar o espaço necessário
para o desenvolvimento de algumas importantes subtramas, expondo os elos mais
fortes e os mais fracos deste esquema num incisivo jogo de gato e rato. Pena
que, na transição para o clímax, o roteiro derrape ligeiramente nas curvas da
unidimensionalidade ao tentar vilanizar os atos de um determinado personagem,
uma opção que, a meu ver, dado o contexto em que ele estava inserido, deveria
ter sido melhor explicada\trabalhada. Além disso, Lürsen flerta com o
sentimentalismo num momento chave da película, reduzindo o impacto de uma cena
chave da película ao tentar potencializar o suspense criando uma descabida
conexão entre duas ações diferentes. Como se o fato em questão não fosse por si
só trágico.
O que mais me impressionou em O
Banqueiro da Resistência, entretanto, foi o requinte técnico de Joram Lürsen na
construção desta concertante história real. Indo além do precioso trabalho da
equipe de direção de arte, vide a imersiva reconstrução histórica, o realizador
holandês esbanja recursos ao optar por traduzir o caos e a opressão da maneira
mais bela possível. Fazendo um refinado uso da iluminação incidental, o
contra-luz, em especial, é usado com enorme refinamento, Lürsen é astuto ao
traduzir visualmente os contrastes entre os personagens, tirando o máximo da
texturizada fotografia em tons de sépia de Mark Van Allen na composição de
quadros dignos dos melhores elogios. Poucas vezes, na verdade, vi uma sequência
tão vil filmada com tanta elegância e beleza. Como se, de alguma forma, Lürsen
pudesse reverenciar àqueles que se entregaram a uma causa tão perigosa.
Num todo, aliás, embora o longa
se passe num ambiente teoricamente pacífico para os não judeus, a violência,
quando necessário, enche a tela de maneira categórica, em pelo menos três
momentos desconcertantes. O que falar, em especial, da primorosa sequência da
barbearia, um retrato cruel daquilo que acontecia àqueles que se opunham ao
regime. Em suma, classudo e imponente, O Banqueiro da Resistência se revela um
valoroso drama de guerra, um verdadeiro achado da Netflix. Um relato tenso e ao
mesmo tempo dramático daqueles que, em plena região dominada pela sombra do
nazismo, abdicaram da sua própria segurança para ajudar a manter a esperança
viva em território europeu.
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