Um suspense tenso com raízes pessimistas,
Noite de Lobos (Hold the Dark, no original) é um filme ora enervante, ora pretensioso que se
sustenta na sua brutal alegoria e no consistente clima de mistério. Sob a
batuta do diretor Jeremy Saulnier, do elogiado e violento Sala Verde (2015), o
longa envolve ao usar o elemento 'gore' dentro de um dúbio contexto moral, indo
além da básica história de sobrevivência ao refletir sobre a natureza dos seus
personagens e o (selvagem) meio em que eles vivem com indiscutível
autoralidade.
Embora sejam pintados
inicialmente como a figura da ameaça, os lobos surgem apenas como o símbolo a
ser estudado pelo roteiro, como o contraponto usado por Saulnier para estabelecer
a sua metáfora acerca das motivações dos protagonistas. Numa proposta bem mais
complexa do que no seu trabalho anterior, o realizador narra a história de
Russel Core (Jeffrey Wright, introspectivo como um homem vulnerável), um caçador
de lobos e escritor que é contatado por uma desesperada mãe (Riley Keough) após
o sumiço do seu pequeno filho. Acreditando que o garoto teria sido morto por
uma alcateia, ela o recruta em busca de vingança, apesar da relutância do
profissional em tratar esta hipótese como verdadeira. Isolado num pequeno
vilarejo do Alasca, Core decide investigar o caso mais fundo, desconfiando que
ela e o seu marido, o militar Vernom (Alexander Skarsgard), pudessem estar
escondendo algo sobre o paradeiro do menino.
Dividido em três atos
completamente distintos, Noite de Lobos é um filme instigante.
Indubitavelmente. O problema está na maneira com que o argumento testa as
expectativas do público. Num primeiro momento, nos deparamos aparentemente com
um thriller de suspense convencional. Fazendo um brilhante uso do cenário
gélido e nebuloso, capturado com refinamento pela expansiva fotografia de Magnus Nordenhof Jønck (do ótimo Guerra), Jeremy Saulnier investe pesado na atmosfera, alimentando as
incertezas em torno do caso com rara sutileza. No embalo da intensa performance
de Riley Keough, que com a sua fala mansa e o seu olhar frio esconde o visível desequilíbrio
emocional da sua personagem, o diretor é astuto ao trazer o mistério para o
centro da trama. Ao mostrar que existia algo por trás deste repentino
desaparecimento. Sem querer revelar muito, em uma só sequência, ao fazer uso de
um objeto cênico num momento no mínimo estranho, Saulnier alimenta as nossas
dúvidas não só quanto as reais intenções da mãe, mas também quanto a
possibilidade de existir uma ameaça maior. Somado a isso, Noite de Lobos é
igualmente habilidoso ao introduzir o distorcido senso de justiça da figura do
pai, fazendo um inteligente uso da insinuação ao criar um paralelo entre os
dois, ao interliga-los enquanto acompanha a busca de Core (um observador espantado) por respostas. O
foco, porém, não está na resolução do mistério em si. Saulnier é cuidadoso ao
tentar entender a motivações dos seus personagens, ao ir além das aparências ao
buscar uma explicação para justificar as decisões deles. Uma opção abrangente e
corajosa, principalmente por, mesmo diante da visceralidade dos fatos, se recusar a invadir o terreno da unidimensionalidade.
Quando o longa parecia caminhar
por um terreno "seguro" dentro do gênero, o jogo de
"gato e rato" passa a ter um novo sentido no momento em que os
verdadeiros lobos saem para caçar. Na transição para o segundo ato a trama
ganha um novo e empolgante rumo. Antes silencioso e contemplativo, o argumento
ganha ares mais enérgicos e violentos. Novos personagens recebem um
bem-vindo espaço, entre eles o intenso detetive vivido por James Badge Dale, fazendo
com que a ação invada o terreno do suspense. Com direito a (pelo menos) uma
grande sequência de tirar o fôlego e a valorização do elemento 'gore'. É legal ver, entretanto, como Saulnier,
mesmo nestes momentos mais frenéticos, consegue valorizar a força do seu texto.
O ‘background’ dos personagens. Ao contrário do ato inicial, aqui os diálogos
se tornam mais fracos. O contexto salta aos olhos do público. Tal qual um grupo
de animais indefesos, os moradores daquele esquecido vilarejo foram
abandonados, tiveram que passar a viver sob as suas próprias regras para
sobreviver. A lei do mais forte surge nas entrelinhas, mostrando o pessimismo
daqueles que ali habitavam. Em um precioso diálogo, uma sequência íntima e
muito bem dirigida, um encurralado personagem revela o estado de espírito
daqueles que ali vivem com uma franqueza desconcertante, escancarando uma
realidade até então desconhecida pelo público. O infanticídio é tratado
como o fim, como o símbolo da completa ausência de esperança dos solitários moradores num futuro melhor.
No momento em que a Noite de Lobos parecia caminhar para um desfecho incisivo, porém, Jeremy Saulnier se
perde ao estabelecer uma nova quebra narrativa. Por mais que o realizador acerte
ao não reduzir tudo ao velho duelo entre a caça e o caçador, a impressão que fica é
que as justificativas citadas acima não são o bastante para que possamos
compreender as decisões tomadas no errático último ato. O longa começa a
divagar demais. As conveniências narrativas ganham uma desastrada força. O ritmo cai de maneira drástica. Se por
um lado os motivos por trás da morte do menino são inteligentemente esclarecidos dentro da alegoria animalesca proposta pelo filme, por outro as
explicações em torno da "mitologia" defendida pelo roteiro são inconclusivas. A
impressão que fica é que, embora o paralelo entre os lobos e os humanos faça
algum sentido, o desfecho em si é um tanto quanto pretensioso, o elo mais fraco
de um imersivo thriller psicológico. Um arremate vago e divisivo que, ainda que
não apague os méritos narrativos e estéticos de Noite de Lobos, reduz o impacto
do filme como um todo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário