terça-feira, 31 de julho de 2018

Melanie: A Última Esperança

A revolução zumbi

Que grata surpresa eu tive ao assistir o excelente Melanie: A Última Esperança (The Girl With All The Gifts, no original), uma daquelas produções subestimadas que, diante da concorrência imposta pelo mercado blockbuster, sequer foi lançada nos cinemas brasileiros. Um filme de zumbi original, com um roteiro instigante, personagens multidimensionais e uma abordagem criativa sobre a contaminação em si. Tudo funciona muito bem. O roteiro é criativo ao explorar o viés pós-apocalíptico. Poucas vezes eu vi o elemento da consciência num "contaminado" ser tão bem explorado. Ao buscar referências nos clássicos Mortos que Matam (1964), estrelado pelo legendário Vincent Price, e O Dia dos Mortos (1985), do mestre George Romero, o promissor diretor Colm McCarthy é astuto avançar em alguns conceitos já estabelecidos dentro do segmento, transitando com surpreendente propriedade entre o Horror, o Suspense e o Drama Familiar num argumento imprevisível. Uma simples mudança de perspectiva e tudo ganha uma (corajosa) nova conotação. 




Mais do que usar uma inteligente e carismática zumbi Melanie (Sennia Nanua, numa performance fenomenal) como protagonista, o longa confere a ela motivações sólidas. Dividida entre ajudar os humanos que a mantém como um objeto de estudo e a sua própria sobrevivência enquanto um zumbi com consciência, a pequena cresce assustadoramente até o último ato, se tornando uma personagem rara dentro do gênero. Ao contrário do “mascote” Bubba de O Dia dos Mortos, a eloquente criança vê o seu status ser gradativamente alterado à medida que a envolvente trama avança. Tratada incialmente como uma prisioneira, uma subespécie, Melanie (aos poucos) conquista a confiança dos militares, o afeto, o respeito. Mais do que isso, apesar do seu “apetite” peculiar, não demora muito para ela se tornar o escudo deles, o cão de guarda em território inóspito. Uma posição singular explorada com habilidade pelo roteiro de Mike Carey, principalmente quando o longa decide se aprofundar nas explicações biológicas por trás da origem da personagem, das motivações daqueles que a mantinham e do seu “revolucionário” novo papel numa realidade pós-apocalíptica. Sem querer revelar muito, a origem da pequena Melanie e o seu crescente empoderamento são muito bem justificados, mostrando a perspicácia do argumento em criar a partir das lacunas subaproveitadas pelo gênero.


Além disso, apesar do viés aparentemente lúdico, o diretor Colm McCarthy faz jus ao gênero ao investir no clima perigo iminente. O 'gore' é explorado sem grandes pudores. A direção de arte é fantástica. Os imponentes cenários refletem a parcial destruição da raça humana. Tudo soa realmente abandonado. Sucateado. Os efeitos práticos conferem um indiscutível peso a história. Um predicado, primeiro, potencializado pela desconstruída trilha sonora de Cristobal Tapia de Veer, que só ajuda a enervar as angustiantes sequências de ação. E depois valorizado pela maquiagem "clássica", simples, mas positivamente repugnante. Sem querer revelar muito, o vírus aqui é substituído por fungos, o que dá visual mais original para os "mordedores". Uma opção que, aliás, prepara o terreno para inquietante clímax, quando o elemento biológico\científico surge para inverter o ‘status quo’ dos personagens, para justificar a perigosa busca por uma cura.


Com um elenco muito talentoso, Glenn Close, Paddy Considine e Gemma Artenton exploram as nuances dos seus personagens com desenvoltura, um argumento capaz de oxigenar o gênero com inspiradas questões pertinentes à evolução humana e um cenário pós-apocalíptico brilhantemente estabelecido, Melanie: A Última Esperança se revela um filme de zumbi com pedigree. Conveniências narrativas a parte, que pontuam a trama sem grandes consequências, Colm McCarthy entrega uma obra com apetite para a renovação, uma película imersiva e inventiva capaz de refletir sobre a vulnerabilidade da raça humana sem esquecer de oferecer aquilo que os fãs do subgênero se acostumaram a ver nas obras do mestre George Romero. O que, por si só, já é um baita elogio. 

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