“Eu queria interpretar alguém que
tivesse medo de morrer.” Com essa simples frase, em entrevista cedida na época
do lançamento a revista Closer Weekly, Bruce Willis sintetizou o sucesso de
Duro de Matar (1988), um verdadeiro divisor de águas dentro do concorrido
cinema de ação. Lançado há trinta longos anos, o longa dirigido por John
McTiernam revolucionou as engrenagens do gênero ao estreitar os laços entre
público e protagonista, ao torna-lo um tipo humano, falível, que sofre, sangra.
Um projeto ousado, principalmente por romper com o que vinha sendo produzido
previamente. Influenciado pelos (anti) heróis do Western, o cinema de ação se
consolidou nos anos 1970\1980 investindo nos populares “exércitos de um homem
só”. Em filmes protagonizados por personagens ‘bad asses’, imponentes, tipos
fortes e inabaláveis que conseguiam encarar dezenas e dezenas de vilões sem
sequer fraquejar. O eterno pistoleiro sem nome, Clint Eastwood, por exemplo, se
tornou um dos precursores do segmento com o feroz Harry Callahan e a franquia
Dirty Harry (1971) (no Brasil, O Perseguidor Implacável). Outro expoente do faroeste, Charles Bronson
repetiu os passos do seu companheiro de geração com o frio e vingativo Paul
Kersey e a longeva franquia Desejo de Matar (1974). Na transição para a década
de 1980, entretanto, os heróis se tornaram cada vez maiores e mais destrutivos.
Oriundo da saga Rocky Balboa, Sylvester Stallone se tornou um dos “gigantes” do
gênero com títulos como Rambo: Programado para Matar (1982), Rambo II (1984),
Stallone: Cobra (1986) e Rambo III (1988). No quesito tamanho, no entanto,
ninguém superou o carismático Arnold Schwarzenegger. Após brilhar como o
bárbaro Conan (1982 e 1984) e o robótico Exterminador, o austríaco “rivalizou”
com Stallone em Comando para Matar (1985), Jogo Bruto (1986) e O Predador (1987).
Por fim, após dividir a tela com o legendário Bruce Lee em O Voo do Dragão
(1972) e Jogo da Morte (1978), Chuck Norris também figurou na primeira
prateleira do gênero, conquistando a atenção dos fãs com as franquias Bradock
(1984) e Comando Delta (1986).
Diante deste bem-sucedido
cenário, os produtores Lawrence Gordon e Joel Silver decidiram agitar o ‘status
quo’ do cinema de ação ao adaptar a sequência de The Detective, um thriller
neo-noir escrito por Roderick Thorp e estrelado na época por Frank Sinatra. Na
época, inclusive, a Fox se viu obrigada contratualmente a contatar o veterano
ator e cantor para protagonizar a continuação, mas, diante da (óbvia) recusa do
legendário músico, viu o seu caminho ficar livre para tirar do papel uma
produção completamente distante do material original. Após cobiçar as
principais estrelas do gênero para o papel do policial John McLane, entre eles
Stallone, Schwarzenegger e Harrison Ford, o diretor John McTiernam resolveu,
convencido por dados demográficos do CinemaScore, escalar o então jovem e
inexperiente Bruce Willis. Trazendo no currículo o sucesso na série de TV A
Gata e o Rato, o ator, nascido na Alemanha, surgiu como uma opção improvável, principalmente
diante do seu passado ligado a comédia e do seu salário “estratosférico”, cerca
de US$ 5 milhões. Um valor impensável para uma promessa da época. “Nós não
colocamos uma arma na cabeça de ninguém. Em uma cidade e uma indústria onde
tudo isso pode acabar no ano que vem, você pega o que consegue. Você consegue o
que pode. Eu realmente sinto que a Fox está satisfeita com o resultado. Eles me
pagaram pelo que acharam que valeu o filme e por eles.”, sintetizou Willis, a
Closer Weekly, justificando as opções do estúdio na época do lançamento. Curiosamente,
porém, a Fox não abriu os cofres para o restante da produção. Consciente dos
perigos em torno do projeto, os executivos liberaram um orçamento modesto de
US$ 28 milhões para McTiernam, o que, obviamente, trouxe alguns empecilhos para
o diretor. Para economizar, inclusive, os produtores conseguiram que o filme
tivesse a maior parte das suas cenas internas rodadas no então novo prédio da
própria 20th Century Fox. O que era para ser uma solução, entretanto, se tornou
um baita problema quando McTiernan se deu conta que alguns andares ainda
estavam em construção. Do improviso, entretanto, nasceram algumas das melhores
cenas do filme, já que o diretor não pensou duas vezes em usar o “desconstruído”
set em prol das realísticas sequências de ação.
O grande diferencial de Duro de
Matar, no entanto, está no esmero de John McTiernan e dos roteiristas Steven E.
de Souza e Jeb Stuart na valorização do elemento humano. A começar pela figura
do antagonista, o icônico antagonista Hans Gruber. Ao contrário da maioria dos
títulos do gênero na época, Duro de Matar rompeu com os clichês do vilão terrorista\estrangeiro\psicopata.
Os oponentes, encabeçados pelo elegante personagem interpretado com maestria
pelo saudoso Alan Rickman, eram tipos inteligentes, frios, com um propósito bem
estabelecido. Um grupo de ladrões que, durante uma festa na véspera de Natal,
só não contavam com a interferência de um pacato policial de Nova Iorque. Na
pele do errático John McLane, Bruce Willis ajudou a criar um novo e popular
arquétipo para o gênero. Um herói com senso de humor autodepreciativo.
Consciente das suas falhas enquanto marido. Da sua vulnerabilidade diante de
oponentes tão bem armados. Em entrevista a Closer Weekly, Bruce Willis admitiu que
colocou muito da sua personalidade no protagonista e que a intenção era estar o
mais longe possível dos “velhos” heróis do cinema de ação. “É provavelmente o
mais perto que eu cheguei de mostrar o que está no meu coração na tela. Em Duro
de Matar, mesmo que eu esteja atuando, muito do que está em mim veio. Eu
realmente queria interpretar um sujeito vulnerável. Eu não queria ser um
super-herói maior do que um cara normal, daqueles que ninguém realmente conhece.
Eu não conheço nenhum super-herói. Eu conheço caras que estão com medo e têm
ansiedade. Você também conhece pessoas assim, é isso que eu queria interpretar,
eu realmente queria ser honesto sobre o momento em que você percebe, pensa que
sua vida está prestes a acabar.”, revelou Willis, valorizando a fragilidade de
McLane diante do perigo. E poucas vezes vimos uma estrela do cinema de ação
apanhar tanto. Com requintes de crueldade, McTiernan mostrou para o público o
quão dura era a “rotina” de um herói de ação. Ele apanha como poucos, cai num
poço de ventilação, caminha sobre cacos de vidro. Um esforço que, para a
felicidade dos envolvidos no projeto, se tornou um estrondoso sucesso. Apesar
da relutância de parte da crítica, uma reação compreensível devido ao fator
novidade, Duro de Matar se tornou um inesperado sucesso de público, rendendo
excelentes US$ 140 milhões ao redor do mundo. Além disso, John McLane revigorou
o gênero ao mostrar que homens falíveis também podiam salvar o dia. Para
celebrar os 30 anos de lançamento deste verdadeiro clássico moderno, no
Cinemaniac preparamos uma lista com os “herdeiros” de Duro de Matar, uma
seleção com dez filmes influenciados pela obra de John McTiernan.
- A Força em Alerta (1992)
E um dos primeiros a surfar na
onda Duro de Matar foi o gigante Steven Seagal em A Força em Alerta (1992).
Mestre em aikido, o ator alcançou a sua fase áurea em Hollywood ao interpretar
um cozinheiro carismático que se torna a última esperança de uma embarcação da
marinha americana quando a tripulação é sequestrada por um grupo de terroristas
paramilitares. Seguindo a fórmula estabelecida por John McTiernan, o diretor
Andrew Davis é astuto ao tratar o herói, tal qual McLane, como um elemento
surpresa, um personagem com habilidades inexploradas que se tornar a grande “pedra
no sapato dos vilões”. Por falar neles, os antagonistas vividos por Gary Busey
e Tommy Lee Jones injetam uma indispensável dose de personalidade ao longa, se
tornando o contraponto perfeito para a heroica, porém inexpressiva performance
de Seagal. Com competentes sequências de ação, um argumento simples\eficaz e um
cenário imersivo (o prédio agora é uma claustrofóbica embarcação) A Força em
Alerta comprovou o sucesso desta fórmula ao render US$ 156 milhões
mundialmente, dando a Steven Seagal o rótulo de potencial astro do cinema de
ação. Um status que, verdade seja dita, nunca se comprovou, já que o ator nos
anos seguintes decidiu seguir o caminho mais genérico possível dentro do
gênero.
- Risco Total (1993)
Ao contrário de Arnold
Schwarzenegger, que, devido a sua estrutura física, não convenceria como um “herói
improvável”, Sylvester Stallone não demorou muito para ganha um John McLane
para chamar de seu. Foi assim no tenso Risco Total. Na pele de um alpinista
que, por acaso do destino, cai numa armadilha bolada por um grupo de terroristas,
Stallone entrega um dos seus poucos personagens falíveis dentro do gênero, vide
a inesquecível sequência de abertura. Dirigido pelo talentoso Renny Harlin, o
longa leva a trama para uma montanha coberta de gelo, explorando o potencial do
inóspito cenário ao tornar tudo extremamente perigoso aos olhos do público.
Como se não bastasse o frio antagonista, um tipo cruel interpretado pelo
eclético John Lightow, o realizador é astuto ao levar a ação para um outro
patamar, indo além das trocas de tiro ao explorar o elemento vertical da vertiginosa
premissa. Com um protagonista vulnerável, angustiantes sequências de ação e um
argumento envolvente, Risco Total deu a Stallone a oportunidade de viver um
herói mais real, o que, por si só, já se tornou um grande atrativo para o
longa. Indicado a três estatuetas do Oscar, o longa se tornou um sucesso de público
instantâneo, faturando US$ 255 milhões ao redor do mundo. Indiscutivelmente, o
tempo dos “exércitos de um homem só” estava perto do fim. Stallone, aliás,
voltaria a flertar com a fórmula Die Hard no filme de ação catástrofe Daylight
(1996).
- Velocidade Máxima (1994)
Um dos poucos filmes da lista a
realmente fazer jus ao status de Duro de Matar, Velocidade Máxima conquistou o
público ao redor do mundo ao injetar uma pitada de suspense à fórmula Die Hard.
Sob a batuta de Jan de Bont, diretor de fotografia do primeiro Duro de Matar, o
longa conseguiu resgatar alguns dos principais elementos do ‘hit’ oitentista ao
narrar as desventuras de um policial e uma destemida passageira em um “ônibus
bomba”. Com o então promissor Keanu Reeves na pele de um agente anti-bombas na
caçada de um anárquico terrorista, de Bont foi astuto ao se distanciar do
elemento surpresa. A dinâmica, aqui, é outra. Ao estabelecer o elo entre herói
e vilão logo nas primeiras cenas, o realizador holandês é astuto ao mostrar não
só a face mais falha do protagonista, como também a face mais perigosa do
antagonista, um tipo instável vivido com maestria pelo saudoso Dennis Hopper.
Trazendo a carismática Sandra Bullock como um inventivo ‘side kick’, uma bem-humorada
parceira que, indiscutivelmente, remete ao despreparado policial vivido por Reginald
VelJohnson em Duro de Matar, Velocidade Máxima colocou o espectador na ponta da
cadeira ao criar um ‘mise en scene’ enérgico e nervoso. Transformando um
imparável ônibus no novo prédio, Jan de Bont soube criar um plot reconhecível
aos olhos do público, realçar a vulnerabilidade dos passageiros diante da
ameaça, o mortal senso de perigo, entregando assim um dos melhores filmes de
ação da década de 1990. Com orçamento de US$ 30 milhões, Speed (no original)
faturou expressivos US$ 350 milhões ao redor do mundo. Além disso, o longa
conquistou duas estatuetas do Oscar nas categorias Melhor Efeitos Sonoros e
Melhor Efeitos Visuais, um fato raríssimo dentro do cinema de ação.
- Morte Súbita (1995)
Um “herdeiro” quase literal de
Duro de Matar, Morte Súbita não fez qualquer tipo de esforço para se distanciar
do clássico oitentista. E qual o problema nisso? Um dos últimos astros de ação
a brilhar em Hollywood, Jean Claude Van-Damme correu atrás do prejuízo no final
da década de 1980 e início dos anos 1990 com títulos como Kickboxer (1988), Duplo
Impacto (1991), O Soldado Universal (1992), O Alvo (1993) e Timecop (1994). Em
Morte Súbita, ele entrega um dos personagens mais humanos da sua filmografia,
um bombeiro aposentado que vê a sua família em risco quando uma célula
terrorista decide atacar um ginásio de hockey na final da Stanley Cup. Troque o
prédio pela arena e temos um Duro de Matar versão 2.0. Sob a competente batuta
de Peter Hyams, o longa é eficiente ao cumprir a maior parte dos pré-requisitos
do gênero, entregando um plot instigante, um herói pés no chão, um antagonista
positivamente mau, vivido pelo intenso Powers Booth, além de boas sequências de
ação. Um filme que, apesar do viés genérico, garante a diversão ao defender a
força do homem comum no escapista cinema de ação.
- A Rocha (1996)
É fato dizer que filmes como Duro
de Matar ajudaram a “democratizar” o cinema de ação. Afinal de contas, Bruce
Willis mostrou que o gênero não dependeria necessariamente de atores musculosos
e\ou peritos em artes marciais para sobreviver. Ao longo das décadas seguintes,
o que se viu foram atores reconhecidamente dramáticos buscando os holofotes
deste popular segmento. E um dos primeiros a trilhar este caminho foi Nicolas
Cage. Hoje tratado com deboche por muitos, um erro, a meu ver, mas que reflete
as péssimas escolhas recentes de um ator com sérios problemas de administração
de carreira, o versátil astro se consagrou em Hollywood com papéis densos em
filmes do porte de Peggy Sue (1986), Arizona Nunca Mais (1987), Feitiço da Lua
(1987) e Despedida em Las Vegas (1995). Numa bem-vinda mudança de rumo,
entretanto, Cage invadiu o cinema de ação com o ótimo A Rocha (1996). Dirigido
por um então jovem Michael Bay, o longa coestrelado por Sean Conney e Ed Harris
colocou Cage na pele de um especialista em bombas que, ao lado de um
ex-fugitivo de Alcatraz, se torna a última esperança dos EUA quando um ex-general
invade o abandonado presídio com mísseis químicos apontados para o continente. Impecável
ao valorizar a tensão e o clima furtivo, Bay transforma Cage num herói
improvável, um especialista em armas químicas despreparado para o confronto que
se vê obrigado a lutar para sobreviver. Fazendo um empolgante uso dos efeitos
práticos, vide o explorável cenário, o realizador enche a tela de adrenalina ao
criar um ‘mise en scene’ ágil e nervoso, uma corrida contra o tempo marcada por
personagens cativantes, um vilão com motivações fortes e (óbvio!) explosivas sequências de ação. Com orçamento
de US$ 75 milhões, A Rocha turbinou a fórmula Duro de Matar num thriller de
ação com pedigree, reunindo um elenco do primeiro escalão de Hollywood num
entretenimento de altíssima qualidade. Um inquestionável sucesso de público que,
ao render estrondosos US$ 335 milhões ao redor do mundo, deu a Nicolas Cage a
chance de brilhar em outros títulos do gênero.
- Con Air: Rota de Fuga (1997)
Entre eles o divertidíssimo Con
Air. Dando vida a um presidiário comum que, prestes a ser solto, é obrigado a “pegar
carona” no avião que transferia alguns dos mais perigosos e insanos criminosos
dos EUA, Nicolas Cage esbanja carisma ao criar um herói em situação delicada.
Ao contrário do furtivo John McLane, o pacífico Cameron Poe surge exposto aos
olhos dos presidiários liderados por um insano John Malkovic, precisando manter
a sua cara de mau enquanto bola um plano para evitar que eles concretizem o seu
plano de fuga. Com um superelenco em mãos, Danny Trejo, Steve Buscemi, John
Cusack e Ving Rhames completam o time de coadjuvantes, o diretor Simon West extrai
o máximo de tensão da trama ao realçar a vulnerabilidade do protagonista, ao
explorar o cativante pano de fundo familiar e ao alimentar o suspense em torno da
pacata identidade de Cameron, presenteando o público com um thriller de ação
envolvente, tenso e com um empolgante clímax. Con Air, entretanto, não foi o
único que levou a fórmula Die Hard para o ar. Com menos brilho, títulos como o
esquecível Passageiro 57 (1992), o detonado Turbulência (1997) e o irreverente
Serpentes a Bordo (2006) conquistaram a atenção dos fãs do gênero ao colocar
policiais comuns no lugar errado, na hora errada.
- Força Aérea Um (1997)
Quando o assunto é filmes de ação em uma aeronave, entretanto, poucos, bem poucos, superam o excelente Força Aérea Um. Sob a batuta do ótimo Wolfgang Petersen, o mesmo de O Barco e Mar em Fúria, o longa estrelado por Harrison Ford colocou o presidente dos EUA como a improvável última linha de defesa entre um perigoso grupo de terroristas e a sua família. Trazendo o talentoso Gary Oldman na pele do cruel antagonista, o realizador alemão resgata a velha rixa entre americanos e soviéticos num thriller de ação nervoso e empolgante. Com um personagem despreparado para lidar com tal situação em mãos, Petersen é astuto ao valorizar o fator improviso e a furtividade do herói, igualando o jogo de gato e rato ao colocá-lo num ambiente reconhecível. No caso a própria aeronave da presidência. Além disso, como se não bastasse o ‘background’ familiar, o argumento é competente ao ampliar também o escopo da trama, se distanciando por vezes da aeronave ao flertar com o suspense político e mostrar os interesses escusos por trás dos interessados na morte do presidente. Com tensas sequências de ação, um argumento mais complexo que o gênero costuma exigir e um protagonista extremamente carismático, Força Aérea Um cumpriu com categoria a fórmula Die Hard. O resultado foi um sucesso de público, um (baita) filme de US$ 85 milhões que faturou US$ 315 milhões ao redor do mundo.
Duro de Matar no espaço? Quase uma década depois, já como estrela do cinema de ação, Bruce Willis embarcou numa viagem extravagante no irreverente O Quinto Elemento. Numa obra produzida, dirigida e roteirizada pelo visionário diretor Luc Besson, o eterno John McLane voltou a interpretar um herói improvável ao dar vida ao taxista Korben Dallas, um homem descompromissado que por um acaso do destino cruza o caminho de uma poderosa e inocente arma cósmica. Sem medo de arriscar, o realizador francês é astuto ao misturar o escapismo do cinema de ação com a exuberância estética das ‘space operas’, entregando um filme irônico, com personagens cativantes, uma premissa positivamente absurda e um vilão adoravelmente afetado. Um predicado, diga-se de passagem, valorizado pela cartunesca performance de Gary Oldman. Com memoráveis sequências de ação, a maioria delas protagonizadas por uma jovem e acrobática Milla Jovovich, O Quinto Elemento turbinou a fórmula Die Hard ao colocar novas peças no escapista tabuleiro do cinema de ação. Nos anos seguintes, porém, o que se viu foi a desgaste desta fórmula com sucessos cada vez mais esporádicos. Títulos do nível de A Outra Face (1997), U.S Marshals: Os Federais (1998) e Código para o Inferno (1998) se tornaram cada vez mais esporádicos. Com a virada do milênio se aproximando, Hollywood decidiu investir em obras mais complexas e sombrias. Os exércitos de um homem só envelheceram. Os heróis com motivações simples pareciam idealista demais. Nos anos seguintes, títulos como o estilizado Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998), o elegante Ronin (1998), o visionário Matrix (1999), o realístico A Identidade Bourne (2002) e o frenético Carga Explosiva (2002) ajudaram a redefinir o segmento. Isso para não falar, obviamente, do ‘boom’ em torno dos filmes de super-heróis que, indiscutivelmente, reduziram o apetite dos produtores e o vigor da fórmula Die Hard.
- Operação Invasão (2011)
Prova disso é que um dos melhores
filmes do gênero nos últimos anos precisou vir do cinema indonésio. E com a
influência clara de Duro de Matar. Embora fiel à escola asiática de ação, com
direito a insanos combates corporais e sequências de luta brilhantemente
coreografadas, Operação Invasão conquistou plateias ao redor do mundo ao se
revelar uma obra empolgante e visceral. Com uma premissa aparentemente simples,
mas com desdobramentos dignos de nota, o diretor Gareth Evans reciclou a
fórmula Die Hard ao narrar as desventuras de um policial local numa incursão
num edifício dominado pelo tráfico. O que era para ser uma operação rotineira,
entretanto, ganha contornos dramáticos quando um traidor expõe todo o grupo.
Preso no prédio, o oficial precisa encontrar uma maneira para fugir do local,
sem sequer desconfiar do tamanho do problema que havia se metido. Com um
inesperado ‘background’ familiar em torno do protagonista, Evans entregou uma
produção difícil de ser igualada por Hollywood. Agressiva, frenética e
surpreendentemente envolvente, o filme explora como poucos o elemento da imprevisibilidade,
realçando a sensação de perigo enquanto estabelece o pano de fundo dramático.
Com o habilidoso Iko Uwais na pele do feroz e vulnerável protagonista, Evans
explora o melhor do cinema de ação em cenas brutais, usando a abusando da
fluidez possibilitada pelos planos longos ao tornar tudo caótico aos olhos do
público. Indo das trocas de tiros aos combates físicos com energia, o longa
conseguiu injetar adrenalina na trama sem esquecer de construir a história, nos
brindando com um clímax denso e surpreendente humano. Um filme impactante que,
claro, não passou despercebido pelo radar dos carentes fãs da face escapista do
gênero, se tornando um sucesso no mercado ‘home-vídeo’ ocidental. E isso numa
época em que o streaming era para poucos.
- O Ataque (2013)
Hollywood, porém, segue um comportamento cíclico. O sucesso de hoje é o fracasso de amanhã e vice-versa. Ora e vez o que vemos é uma tentativa de se resgatar uma fórmula “esquecida”, um gênero combalido, um ator(a) que saiu “de moda”. O que ajuda explicar o lançamento de O Ataque, um blockbuster despretensioso aparentemente “deslocado” do seu tempo. Com Roland Emmerich (Independence Day, 2012) no comando desta bem-intencionada nau, um realizador prestigiado após uma série de lucrativos blockbusters, o longa surgiu como uma releitura\homenagem ao clássico Duro de Matar. O carismático Channing Tatum surge aqui como um pai aspirante a agente da CIA que, após ter uma promoção vetada, se torna a última esperança do presidente dos EUA (Jamie Foxx) quando um grupo de terroristas resolve sequestrar a Casa Branca. No olho do furacão, o versátil ator surge como o John McLane da vez numa premissa que não se envergonha em reciclar a fórmula Die Hard. O prédio de outrora se transforma na residência do presidente norte-americano. O elo familiar é a destemida filha vivida pela promissora Joey King. O vilão interpretado por James Woods é tão frio e cerebral quanto Hans Gruber. Apesar da presença física de Tatum, o herói se revela igualmente vulnerável, apanhando sempre que possível para mostrar que estamos diante de um homem comum. Até a regata branca, um dos símbolos do primeiro filme, surge no terço final, acompanhando a deterioração física do protagonista. Falta aqui, entretanto, o charme da originalidade, o peso da classificação para maiores. Nada que, de fato, afete o senso de entretenimento da película, que, com sequências de ação competentes, personagens interessantes e um ‘plot’ capaz de se sustentar nas suas próprias pernas faz de O Ataque uma versão “para menores” de Duro de Matar. Neste mesmo ano de 2013, aliás, dois outros filmes de ação conseguiram resgatar um pouco da aura oitentista do cinema de ação, o instigante Rota de Fuga e o divertidíssimo O Último Desafio. Uma retomada que, impulsionada principalmente pelo sucesso da jovem franquia Velozes e Furiosos, da revigorada saga Missão: Impossível e de alguns títulos isolados (Busca Implacável, Looper, John Wick, No Limite do Amanhã, O Protetor, o épico Mad Max: Estrada da Fúria), mostrou que os “brucutus” não poderiam ser relegados a uma posição menor dentro da indústria.
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