sexta-feira, 18 de maio de 2018

Com pequenos grandes filmes, A24 atesta a força do cinema ‘indie’ e conquista a atenção dos gigantes de Hollywood


O que Ex-Machina: InstintoArtificial, O Quarto de Jack, Moonlight: Sob a Luz do Luar e Lady Bird têm em comum? Não, não estou me referindo ao fato dos quatro terem colecionado indicações ao Oscar. Nem tão pouco de serem ótimos exemplos da renovada força do cinema ‘indie’. Na verdade, o que os une é o fato do quarteto ter ganho uma “janela para o mundo” graças ao relevante trabalho da A24 Productions, uma distribuidora que, em cinco anos, já se colocou entre as gigantes da Sétima Arte. Mesmo defendendo a inglória bandeira do cinema independente, a companhia nova-iorquina seguiu os passos de empresas do porte como a “finada” Miramax, a IFC, a Fox Searchlight e a (já analisada aqui) Blumhouse Productions, conquistando a atenção do grande público com produções originais, instigantes e geralmente esnobadas pelo radar dos poderosos estúdios de Hollywood. Fundada em 2012 pelo trio Daniel Katz, David Fenkel e John Hodges, três realizadores com experiência dentro da indústria do entretenimento, a A24 surgiu como um gesto de coragem. Numa época em que a lucratividade segue ditando as regras do que é ou não produzido\distribuído, os três decidiram usar o seu ‘know who’ numa “caça ao tesouro” no circuito autoral, revigorando a forma de se fazer o negócio cinema ao apostar no talento em detrimento do lucro fácil. Ao acreditar no potencial de novos realizadores em detrimento da experiência milionária dos medalhões. O resultado foi praticamente instantâneo. Com 24 indicações ao Oscar neste minúsculo prazo de tempo, a audaciosa empresa se tornou referência ao conseguir promover uma seleção de indiscutíveis sucessos de público e crítica, dando voz a pequenos grandes filmes que têm ajudado contornar o marasmo que tomou conta do engessado circuito comercial. 

Consciente dos riscos financeiros de se investir em cinema independente, Katz, Fenkel e Hodges decidiram seguir um caminho próprio. Ao contrário da grande maioria das produtoras, localizadas no fervor de Los Angeles, o trio resolveu estabelecer a A24 na cosmopolita Nova Iorque, se distanciando da “bolha” de Hollywood na busca por projetos mais autorais. Em entrevista à revista GQ, David Fenkel falou sobre o particular ‘modus operandi’ da sua companhia e admitiu que não estava interessado em replicar o trabalho da concorrência. “Encontramos filmes pela nossa perspectiva, nosso sistema, nosso pessoal, para torná-los algo especial. Se vai ser lançado da mesma forma por outra empresa, nós geralmente não vamos atrás. ”, sintetizou o executivo tecendo um interessante comentário sobre o processo de triagem de uma distribuidora. Logo de cara, aliás, a A24 pensou grande e chegou no Festival de Toronto em 2012 mirando os futuros sucessos Frances Ha, adquirido posteriormente pela IFC, e O Lugar Onde Tudo Termina, adquirido posteriormente pela Focus Features. O desdém dos produtores das respectivas obras, porém, mostrou que o trio teria muito trabalho a fazer para construir o prestígio da empresa. Na ânsia de conquistar a atenção do público e o seu espaço dentro da indústria, a A24 decidiu apostar as suas fichas no problemático Charlie Sheen e na comédia Dentro da Cabeça de Charlie Swan II (2012). O resultado foi um fiasco. Apesar do renomado elenco, com Bill Murray, Jason Schwartzman e Patricia Arquette, o longa dirigido por Roman Coppola foi um fracasso de crítica e não “sobreviveu” sequer ao lançamento limitado.


O susto inicial, entretanto, não reduziu o fôlego da A24. Sem tempo a perder, a produtora decidiu se aproximar do público jovem com os filmes Ginger e Rosa (2013), um interessante drama geracional estrelado pela então promissora Elle Fanning, O Espetacular Agora (2013), um maduro romance ‘teen’ protagonizado pelos talentosos Miles Teller e Shailene Woodley, Bling Ring (2013), um drama biográfico estrelado pela estrela Emma Watson, e Spring Breakers (2013), um incorreto thriller sobre um grupo de jovens infratoras (e de biquínis) estrelado pelas populares Vanessa Hudgens e Selena Gomez. Enquanto os dois primeiros foram bem recebidos pela crítica, mas esnobados pelo grande público, os longas dirigidos pela respeitada Sofia Coppola (foto acima) e pelo então desconhecido Harmony Korine cumpriram a sua missão ao causarem um inegável frisson nos bastidores da indústria. Com Watson num papel bem mais sensual, uma jovem dissimulada envolvida num caso de roubo em Beverly Hills, Bling Ring nem deu um retorno financeiro tão grande, mas ajudou a popularizar este recém lançado selo. Já Spring Breakers mostrou a ambição dos executivos da A24. Em meio ao ‘hype’ envolvendo o lançamento do longa, que gerou grande expectativa durante a 79ª edição do respeitado Festival de Veneza e causou impacto no descolado South by Southwest, a empresa decidiu investir numa improvável campanha para o Oscar. Embora este ousado projeto não tenha dado certo, o fato é que o longa se tornou o primeiro sucesso de público da A24, rendendo US# 31 milhões para um orçamento de US$ 5 milhões. Em entrevista a GQ, James Franco, uma das estrelas da película, defendeu a coragem da companhia em investir numa obra pouco ortodoxa. “Todos os distribuidores sabiam que (o filme) era ótimo. E a A24 foi a empresa que assumiu o risco. Acho que Spring Breakers realmente os colocou no mapa, pelo menos essa é a minha visão.”, sentenciou Franco que, cinco anos mais tarde, entraria no radar das grandes premiações com outra produção com o selo A24, a inusitada cinebiografia O Artista do Desastre (2017).


Com um sucesso considerável no seu primeiro ano de vida, a A24 resolveu diversificar e investir em grandes realizadores em projetos considerados ousados demais para o cinema ‘mainstream’. Antes de tirar do papel a invejável trinca Sicario (2015), A Chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017), Denis Villeneuve, por exemplo, emplacou o seu primeiro trabalho mais autoral em Hollywood graças a companhia no complexo O Homem Duplicado (2013). “Se a minha memória é boa, eu estava entre os seus, não os seus primeiros filmes, mas eles eram uma empresa jovem na época. Eles não eram a empresa que são hoje. Mas eu me lembro vividamente que eles escolheram alguns filmes específicos, um dos quais era Sob a Pele. E Sob a Pele, de Jonathan Glazer, é um dos meus filmes favoritos nos últimos 15 ou 20 anos, sabe? Então, quando eu vi isso, eu fiquei tipo: "Ok, esses caras sabem o que estão fazendo.", confidenciou Villeneuve, à revista GQ, explicando os motivos que levaram ele e o seu filme a A24. Com a liberdade do cinema ‘indie’, o realizador canadense conquistou elogios da crítica ao adaptar a obra do escritor português José Saramago, solidificando a sua carreira numa película provocante e com um desfecho inquietante. Seguindo esta linha autoral, a empresa então decidiu trabalhar com astros em filmes pouco atraentes para as grandes distribuidoras. Foi assim como Scarlett Johansson no sensorial Sci-Fi Sob a Pele (2014), com o então galã ‘teen’ Robert Pattinson no instigante suspense pós-apocalíptico The Rover: A Caçada (2014), com o requisitado Tom Hardy no imersivo thriller Locke (2014), com a jovem estrela Chloe Grace Moretz no curioso romance dramático Encalhados (2014) e com a talentosa Jessica Chastain (foto acima) no excelente O Ano Mais Violento (2014). Uma estratégia que ajudou a A24 a se firmar como uma promissora produtora, a estabelecer o seu eclético portfólio, mas não trouxe retorno financeiro.

O fenômeno Ex-Machina e o Oscar


Foi no seu terceiro ano de vida, porém, que a A24 se colocou numa posição de destaque entre as mais proeminentes distribuidoras. E isso, obviamente, se deveu ao inesperado sucesso do genial Ex-Machina. Com três dos atores mais talentosos da nova geração, Domhnall Gleeson, Oscar Isaac e Alicia Vikander, o Sci-Fi de Alex Garland se tornou um alvo natural da companhia. E, para promover o longa durante o seu lançamento nos EUA no SXSW, os executivos da companhia decidiram apostar numa estratégia nada ortodoxa. Numa opção inusitada, David Fankel criou um ‘chat boot’* no Tinder com a foto da bela protagonista marcando encontros para o local do evento. Independente do êxito desta amoral estratégia, o filme foi recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica, conquistando um ‘hype’ que só cresceu até a cerimônia do Oscar. Com inesperadas duas indicações ao prêmio mais cobiçado da indústria do cinema, o longa surpreendeu ao levar o Oscar de Melhor Efeitos Visuais, um fato raro para um filme de baixo orçamento (cerca de US$ 15 milhões). Uma das vozes mais autorais na atualidade, vide o recente Aniquilação (2017), Garland elogiou o particular ‘modus operandi’ e o faro apurado da A24. “Eles fazem as coisas funcionar, coisas que, de acordo com os procedimentos padrão, não deveriam funcionar. E eu não estou dizendo que eles são mágicos. Acho que o que eles entenderam é que há um número suficiente de pessoas por aí que querem material mais desafiador ou diferente. E eles estão mirando neles. Eu diria que se Ex-Machina tivesse sido distribuído por um grande estúdio - isso não é realmente uma crítica aos estúdios; na verdade, é apenas uma declaração de fato - o filme não teria sido remotamente bem recebido ou bem-sucedido como foi.”, revelou o britânico à GQ. O longa, porém, não foi o único a render uma estatueta dourada para a A24 em 2016. Neste mesmo ano, a companhia emplacou os fantásticos Amy (2015) e O Quarto de Jack (2015), duas pequenas pérolas que, merecidamente, foram reconhecidas pela Academia. Impecável ao revelar a predatória relação da saudosa cantora Amy Winehouse com o mundo da fama, o primeiro conquistou a crítica e o Oscar de Melhor Documentário. Já o segundo, um thriller dramático sobre uma mãe que fez do cativeiro um lugar mágico para o seu filho, deu a promissora Brie Larson o Oscar de Melhor Atriz e garantiu outras três indicações para o filme. Além disso, o astro mirim Jacob Tremblay roubou a cena durante a cerimônia, reforçando a capacidade da A24 na escolha de projetos com novos talentos.


Colhendo os frutos de uma temporada marcada por recorrentes sucessos de crítica, os executivos da A24 decidiram ousar ainda mais na escolha dos seus projetos futuros. Dando voz a grandes realizadores, a empresa resolveu apostar num cardápio eclético em 2016, conquistando novos elogios (e a confiança de Hollywood) através de títulos como o denso thriller de guerra Memórias Secretas (2016), o agressivo Green Room (2016), os esquisitos The Lobster (2016) e Swiss Army Man (2016), o excelente drama geracional Mulheres do Século 20 (2016) e o soturno\lucrativo A Bruxa (2016). Eis que, quando a A24 parecia ter encontrado o seu nicho, estabelecido o seu elevado patamar, os executivos da então distribuidora resolveram investir também na produção. E o resultado foi – nada mais, nada menos – do que Moonlight (2016). Após anos investindo nos direitos de filmes já concluídos, Katz, Fenkel e Hodges decidiram tirar do papel o roteiro original do promissor diretor Barry Jenkins, transitando por um terreno novo ao produzir este íntimo drama sobre um jovem negro e homossexual agredido por àqueles que o cercavam. Com um orçamento minúsculo, cerca de US$ 1,5 milhão, o longa surgia como um confortável primeiro passo dentro deste novo ramo. Em entrevista à revista GQ, o próprio Jenkins admitiu não ter grandes expectativas quanto ao alcance da sua obra, mas fez questão de elogiar o esforço da A24 para que o filme tivesse uma chance. “Eles ficaram tipo: “Olha. Nós vamos colocá-lo nos cinemas, e nós vamos encontrar uma maneira de mantê-lo lá. Agora, naquele momento, nenhum de nós estava pensando: "Ei, vamos ganhar (o Oscar de) Melhor Filme!" Nós queríamos dar ao filme a chance dele ter o máximo de vida possível. E com o fim de semana de abertura, com os números que fizemos, ficou muito claro que, sim, esta é uma estratégia viável, para manter esse filme muito pequeno, gay e artístico - tipo, sim, estamos só vou mantê-lo nos cinemas. Eles tinham fé que as pessoas continuariam a aparecer. E eles fizeram.”, frisou o diretor. Para a surpresa geral, acompanhando o processo de transformação dentro da Academia, Moonlight se revelou o filme certo, na hora certa. Sucesso ao redor do mundo, com rendimentos que superaram a barreira dos US$ 65 milhões nas bilheterias, o longa colocou a companhia entre as gigantes ao levar o Oscar de Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante, para Mahershala Ali (foto acima) e Melhor Roteiro Original. Nada mal para uma novata no ramo.


Referência nos que diz respeito às produções autorais\independentes, a A24 seguiu preenchendo o seu “catálogo” com produções diversificadas estrelada por grandes nomes do cinema atual. Foi assim com Brie Larson no subestimado Free Fire (2017), Casey Affleck no fantástico A Ghost Story (2017), Robert Pattinson no intenso Bom Comportamento (2017), Joel Edgerton no imersivo Ao Cair da Noite (2017) e Colin Farrel no nervoso O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017). Os grandes destaques desta safra, entretanto, foram a irônica cinebiografia O Artista do Desastre (2017), o pequeno Projeto Flórida (2017) e o extraordinário ‘coming age movie’ Lady Bird (2017). Juntos, os três filmes conquistaram sete indicações ao Oscar, com Lady Bird (foto acima) se tornando o maior sucesso de público da companhia. Estrelado pela talentosa Saoirse Ronan, o longa dirigido por Greta Gerwig faturou expressivos US$ 73 milhões ao redor do mundo, um valor bem abaixo dos (estimados) US$ 10 milhões de orçamento. Recheada de títulos expressivos, a safra 2017 comprovou o status conquistado pela A24, uma companhia que, em menos de cinco anos, se tornou peça chave na retomada do cinema independente em Hollywood ao dar alcance a títulos frequentemente esnobados pelo sedento (por lucro) circuito blockbuster. “Eles são definitivamente o lugar para se estar agora. Quer dizer, eu não tenho ideia do que eles estão fazendo, de verdade. Eles estão apenas nisso. Eles têm uma compreensão muito boa do Zeitgeist. Você começa um filme com eles e representa alguma coisa. Todo mundo falava há alguns anos como o cinema havia morrido. E eu acho que a A24 e empresas como essas fazem - você sabe, as pessoas quererem ir ao cinema. As pessoas querem ver filmes. E eu acho que eles estão criando uma espécie de renascimento no cinema. As pessoas pensavam que toda uma parte da indústria estava próxima de morrer. E você pode ver nos últimos anos que, realmente, realmente não tem nada disso. E acho que é para empresas como a A24.”, enfatizou Robert Pattinson, à GQ, frisando a importância de empresas como a A24.

E consciente da sua importância para o renovado circuito ‘indie’, a A24 promete seguir impressionando em 2018. Entre os seus próximos lançamentos, títulos como o nervoso suspense religioso First Reformed (protagonizado por Ethan Hawke), o descolado romance surreal How to Talk to Girls at Parties (estrelado por Elle Fanning), o instigante e potencialmente pavoroso terror Hereditary (com Tony Collete no elenco), o misterioso thriller romântico Under the Silver Lake (estrelado por Andrew Garfield), o promissor drama de época Woman Walks Ahead (protagonizado pela magnífica Jessica Chastain) e o potencialmente insinuante Hot Summer Nights (o primeiro filme do queridinho Timothée Chalamet pós Me Chame pelo seu Nome) parecem fazer jus ao legado eclético e moderno construído pela empresa nos últimos cinco anos. Um perfil que, segundo o próprio Daniel Katz, tem associado à sua empresa ao sucesso de filmes de outras companhias. “Há um público A24 e, às vezes, um filme conecta-se ao público A24. Nós recebemos crédito por isso mesmo quando não temos nada a ver com isso. Como (os recentes) Corra! ou Baby Driver: Em Ritmo de Fuga.”, frisou um dos criadores da A24, nitidamente orgulhoso do êxito desta relevante distribuidora. Uma reação, diga-se de passagem, completamente justificada, principalmente para os fãs da Sétima Arte.

(*) Um perfil fake com respostas próprias.

(*) Fontes das Entrevistas: Revista GQ.

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