sábado, 12 de maio de 2018

Cinco Filmes (Sally Field)


Ao longo de seis décadas de carreira, Sally Field se tornou uma das atrizes mais respeitadas da sua geração. Vencedora de dois Oscars, a versátil californiana se acostumou a dar vida aos mais variados tipos de mulher, transitando entre os gêneros com carisma e intensidade. É indiscutível, porém, que, graças a sua afetuosa presença, Field ficou conhecida por viver grandes matriarca. Embora seja injusto tipifica-la, é fato que algumas das suas principais personagens foram inesquecíveis figuras maternas, um histórico que, verdade seja dita, a colocou num dos papeis maternais mais populares da cultura pop, a bondosa Tia May na “esquecida” franquia O Espetacular Homem-Aranha. No final de semana em que celebramos o Dia das Mães, portanto, nada mais justo do que homenagear esta simpática artista numa lista com Cinco Filmes em que Sally Field viveu uma memorável figura materna.

- Um Lugar no Coração (1984)


Vencedora do Oscar de Melhor Atriz por sua intensa performance como a resiliente Edna Spalding, Sally Field se colocou entre as grandes de Hollywood no drama familiar Um Lugar no Coração. Num épico com coração, o diretor Robert Benton nos leva aos anos 1940, numa América retrograda e racista, para narrar a história de uma destemida viúva que, contra tudo e contra todos, resolveu tocar sozinha a fazenda de algodão da sua família. Uma personagem a frente do seu tempo, Edna surge como um modelo exemplar da mulher independente, uma figura inteligente e corajosa que se tornou um dos grandes papéis da laureada carreira de Field. Num delicado estudo de personagem, vemos uma mulher pacata obrigada a romper barreiras, a encarar o machismo, a desigualdade, enquanto tenta mostrar para os seus filhos a importância do trabalho duro e do senso de justiça. Responsável pelos roteiros de títulos do quilate de Kramer vs Kramer, Superman e Bonnie e Clyde, Benton enche a tela de sentimentos ao ampliar o escopo da trama. Embora o foco esteja na incrível jornada da família Spalding, vide a fantástica sequência do furacão, o realizador é cuidadoso ao questionar a segregação racial da época, um arco emocionante que deu a Danny Glover um dos primeiros grandes papéis da sua carreira. Na pele do “faz tudo” Moze, o talentoso ator se tornar o inesperado ombro amigo de Edna, um personagem forte que se torna a alma da poderosa e comovente sequência final. No embalo do fantástico elenco, John Malkovic e Ed Harris completam este timaço, Um Lugar no Coração é um drama subestimado que faz jus aos grandes épicos do gênero. Esqueça, porém, os romances impossíveis, as clássicas histórias de amor. Sally Field encanta ao viver uma mãe determinada, uma mulher obrigada a enfrentar o ‘status quo’ para sustentar a sua família com as suas próprias mãos.

- O Romance de Murphy (1985)


Está cada vez mais difícil assistir a um filme como O Romance de Murphy na atualidade. Com uma forte mensagem feminina, o longa dirigido pelo talentoso Martin Ritt (O Indomado) cativa ao narrar as desventuras de uma mulher moderna sob um prisma íntimo, delicado e extremamente moderno. Na pele de uma mãe recém-divorciada que, ao lado do seu solicito filho, vivido pelo então futuro astro ‘teen’ Corey Haim, decide reiniciar a sua vida numa pacata cidade do interior, Sally Field nos brinda com uma protagonista ao mesmo tempo falha e determinada. Numa ode a independência feminina, o filme coloca a obstinada Emma no centro dos holofotes ao mostrar este duro processo de reconstrução após um casamento infeliz. Obrigada a ser o pai e a mãe do seu lar, Field cria uma figura vibrante, uma mulher capaz de correr atrás do seu sustento, pegar literalmente no pesado, sem abdicar da sua feminilidade. Com o seu usual carisma, ela explora as inúmeras facetas da sua Emma com enorme naturalidade, se distanciando do clichê do sexo frágil ao encarar um tipo com voz própria. Um predicado, verdade seja dita, valorizado pelo argumento e pela direção de Ritt. Ao levar o longa para uma retrógrada cidade do interior, logo nas primeiras cenas o realizador estabelece os obstáculos que Emma precisará enfrentar. Contrariando as expectativas mais pessimistas, entretanto, o roteiro explora os dilemas da protagonista dentro de um contexto humano e nada maniqueísta. Embora dê título à película, o polido Murphy interpretado pelo saudoso James Garner não surge em cena como um simples interesse romântico. Comovido pela situação da nova moradora, o seu personagem cresce em cena à medida que passa a se envolver com Emma, a se tornar um inesperado ombro amigo, uma relação singela e gradativa atinge o seu ápice do cativante clímax. Sem pressa, é legal ver como o roteiro constrói o crescente elo entre os dois, a troca de apoio, o florescer da paixão, o preconceito por parte de Emma quanto a diferença de idade entre os dois. Além disso, Ritt é cuidadoso ao trazer para o centro da trama a figura do ex-marido, o preguiçoso e imaturo Bobby Jack (Brian Kerwin), se distanciando do teor unidimensional ao tirar do papel um divertido triângulo amoroso. Doce e revigorante, ponto para a ensolarada fotografia interiorana de William A. Fraker e para a clássica trilha sonora oitentista de Carole King, O Romance de Murphy se revela uma obra acolhedora que, apesar da sua inegável despretensão, esconde uma mensagem poderosa sobre a independência feminina. Um filme que não merece cair no esquecimento.

- Flores de Aço (1989)


Os cabelos podem soar bregas. Os figurinos idem. A representação feminina, indiscutivelmente, já soa bem defasada. Nada disso, entretanto, impede que Flores de Aço (1989) siga sendo um dos mais belos comoventes relatos sobre a amizade e o fardo da maternidade. Rodado todo sob a perspectiva feminina, o longa dirigido por Herbert Ross reuniu um fantástico elenco para narrar a jornada de uma zelosa mãe durante quatro fases da vida da sua querida filha. Capitaneado por Sally Field e Julia Roberts, a película cativa ao mostrar os conflitos de mulheres comuns sob uma perspectiva densa, comovente e levemente irônica. Apesar da adocicada\datada atmosfera oitentista, Ross é cuidadoso ao transitar pelas questões mais densas, refletindo sobre os problemas das suas múltiplas personagens com seriedade e uma forte veia feminina. Na pele do típico arquétipo da mãe norte-americana, Field eleva o nível do texto ao interiorizar os dilemas da sua M’Lynn com um misto de ternura e intensidade. Sem querer revelar muito, a reação da sua personagem, dentro do clímax, à uma trágica situação justifica a sua indicação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz. O mesmo, aliás, acontece com o renomado “elenco de apoio”. Se é que podemos trata-los desta forma, já que, ao se concentrar na amizade entre as amigas, e não propriamente no drama entre mãe e filha, Ross permite que cada uma das suas cativantes personagens ganhe o seu merecido lugar ao sol. É assim com a tímida jovem vivida por Daryl Hannah, a expansiva cabeleireira interpretada por Dolly Patton, a ranzinza vizinha vivida pela fantástica Shirley MacLaine e a sarcástica ricaça interpretada por Olympia Dukakis. Figuras simpáticas e divertidas que, quando necessário, emprestam o seu talento e ajudam a reforçar a carga dramática desta emocionante película. E isso sem um pingo de pieguice.

- Uma Babá Quase Perfeita (1993)


Definir uma década com filmes, geralmente, é uma missão praticamente impossível. São tantos acontecimentos, tantos longas lançados. Mas algumas películas, indiscutivelmente, ajudam a tentar entender o contexto da época. E se um título pode definir um pouco da primeira metade da década de 1990, este é Uma Babá Quase Perfeita. Um dos filmes mais lucrativos da época, o longa estrelado por Robin Williams ajudou a redefinir a comédia norte-americana nos anos 90, mostrando a ascensão do humor familiar que se tornou recorrente em títulos do porte de Um Tira no Jardim de Infância, Esqueceram de Mim, Jamaica Abaixo de Zero, Matilda, O Mentiroso, Jumanji e muitos outros sucessos do gênero. Com o saudoso astro na pele de um relapso pai que, após o divórcio, resolve se travestir de babá para se reaproximar dos seus queridos filhos, o longa dirigido por Chris Columbus encantou plateias ao redor do mundo numa obra cativante, sensível e indiscutivelmente engraçada. Longe de ser uma mera coadjuvante, Sally Field surge em cena como uma mãe zelosa e disciplinadora, uma figura que, felizmente, graças a sagacidade do roteiro e a sua natural simpatia, nunca é tratada como uma megera incompreensível. Tal qual o protagonista, a sua Miranda tem motivações justas, um arco próprio que rende uma série de irresistíveis gags. Como não citar, por exemplo, a fantástica sequência do restaurante, um ‘mise em scene’ impagável que se tornou um dos grandes momentos desta inesquecível obra. Numa época em que as comédias eram capazes de rivalizar com os gigantescos blockbusters, Uma Babá Quase Perfeita se tornou um dos mais bem-sucedidos exemplos do gênero, um filme criativo e radiante que, em 1993, só faturou menos nas bilheterias que o estrondoso Jurassic Park.

- Forrest Gump (1994)


Escrever sobre Forrest Gump é algo muito difícil. Um dos filmes mais memoráveis da década de 1990, o clássico de Robert Zemeckis encantou o público e a crítica ao propor um recorte precioso sobre a história recente norte-americana. Seguindo os passos do ingênuo Forrest, numa das muitas espetaculares performances de Tom Hanks, o talentoso realizador norte-americano passeou delicadamente entre a ficção e a realidade ao narrar a espetacular jornada de um homem comum durante quase três décadas de sua vida. Indo além dos memoráveis efeitos visuais, Zemeckis nos brindou com um drama genuinamente humano, um filme que, por trás do viés sócio\cultural\político, se encanta pelo seu protagonista, um tipo que desde cedo aprendeu a conviver com ignorância humana. E por trás de Forrest, obviamente, existe uma marcante figura materna, a dócil Ms. Gump de Sally Field. Considerada uma das mães mais populares da Sétima Arte, a cativante personagem é a mola mestre da trama, o exemplo de moral que guia as atitudes de Forrest do primeiro ao último minuto de película. Embora não esteja no centro da trama em si, a Senhora Gump é o tipo de personagem que permanece viva mesmo quando não está na tela, se tornando um dos papéis mais marcantes na filmografia desta laureada atriz. Além disso, o arco amoroso envolvendo a personagem vivida por Robin Wright se revela um dos grandes trunfos do roteiro, uma relação marcada por idas e vindas que cresce em relevância dentro emotivo terço final. Em suma, Forrest Gump é um filme raro, uma obra que, apesar do seu peso dramático, parece flutuar como uma pena numa brisa de verão.

Menções Honrosas

- Nunca sem Minha Filha (1991)


Embora não seja uma obra irretocável, longe disso, Nunca sem Minha Filha enche a tela de tensão ao narrar as desventuras de uma mãe em solo estrangeiro. Por mais que o longa peque pela a unidimensionalidade ao tratar um tema muito sério, a posição da mulher numa sociedade muçulmana, é fato que o thriller dirigido por Brian Gilbert cumpre a sua missão ao reforçar a vulnerabilidade da protagonista nesta história inspirada em fatos. Na trama, Sally Field vive uma mãe cosmopolita que, após pedidos do seu respeitoso marido (Alfred Molina), decide viajar para passar uma temporada em solo iraniano. Chegando na terra natal do seu esposo, porém, ela se depara com um homem abusivo e possessivo. Temendo pelo futuro de sua filha, ela decide fugir do local no momento em descobre que o instável pai não parece interessado em deixar a garota voltar para os EUA. Por mais que o roteiro falhe grosseiramente ao tentar entender a cultura muçulmana, Field e Molina elevam o nível do texto ao se concentrar no elemento humano, ao traduzir os sentimentos dos seus respectivos personagens com intensidade e emoção. O que, de fato, impede que Nunca sem Minha Filha seja uma daquelas obras generalizadoras tipicamente americanas sobre a (pretensa) hostilidade da cultura muçulmana.

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