Ao longo de seis décadas de
carreira, Sally Field se tornou uma das atrizes mais respeitadas da sua
geração. Vencedora de dois Oscars, a versátil californiana se acostumou a dar
vida aos mais variados tipos de mulher, transitando entre os gêneros com
carisma e intensidade. É indiscutível, porém, que, graças a sua afetuosa
presença, Field ficou conhecida por viver grandes matriarca. Embora seja
injusto tipifica-la, é fato que algumas das suas principais personagens foram
inesquecíveis figuras maternas, um histórico que, verdade seja dita, a colocou
num dos papeis maternais mais populares da cultura pop, a bondosa Tia May na “esquecida”
franquia O Espetacular Homem-Aranha. No final de semana em que celebramos o Dia
das Mães, portanto, nada mais justo do que homenagear esta simpática artista numa
lista com Cinco Filmes em que Sally Field viveu uma memorável figura materna.
- Um Lugar no Coração (1984)
Vencedora do Oscar de Melhor
Atriz por sua intensa performance como a resiliente Edna Spalding, Sally Field
se colocou entre as grandes de Hollywood no drama familiar Um Lugar no Coração.
Num épico com coração, o diretor Robert Benton nos leva aos anos 1940, numa
América retrograda e racista, para narrar a história de uma destemida viúva
que, contra tudo e contra todos, resolveu tocar sozinha a fazenda de algodão da
sua família. Uma personagem a frente do seu tempo, Edna surge como um modelo
exemplar da mulher independente, uma figura inteligente e corajosa que se
tornou um dos grandes papéis da laureada carreira de Field. Num delicado estudo
de personagem, vemos uma mulher pacata obrigada a romper barreiras, a encarar o
machismo, a desigualdade, enquanto tenta mostrar para os seus filhos a
importância do trabalho duro e do senso de justiça. Responsável pelos roteiros
de títulos do quilate de Kramer vs Kramer, Superman e Bonnie e Clyde, Benton
enche a tela de sentimentos ao ampliar o escopo da trama. Embora o foco esteja
na incrível jornada da família Spalding, vide a fantástica sequência do
furacão, o realizador é cuidadoso ao questionar a segregação racial da época,
um arco emocionante que deu a Danny Glover um dos primeiros grandes papéis da
sua carreira. Na pele do “faz tudo” Moze, o talentoso ator se tornar o
inesperado ombro amigo de Edna, um personagem forte que se torna a alma da
poderosa e comovente sequência final. No embalo do fantástico elenco, John
Malkovic e Ed Harris completam este timaço, Um Lugar no Coração é um drama
subestimado que faz jus aos grandes épicos do gênero. Esqueça, porém, os
romances impossíveis, as clássicas histórias de amor. Sally Field encanta ao
viver uma mãe determinada, uma mulher obrigada a enfrentar o ‘status quo’ para sustentar
a sua família com as suas próprias mãos.
- O Romance de Murphy (1985)
Está cada vez mais difícil assistir
a um filme como O Romance de Murphy na atualidade. Com uma forte mensagem
feminina, o longa dirigido pelo talentoso Martin Ritt (O Indomado) cativa ao
narrar as desventuras de uma mulher moderna sob um prisma íntimo, delicado e
extremamente moderno. Na pele de uma mãe recém-divorciada que, ao lado do seu
solicito filho, vivido pelo então futuro astro ‘teen’ Corey Haim, decide
reiniciar a sua vida numa pacata cidade do interior, Sally Field nos brinda com
uma protagonista ao mesmo tempo falha e determinada. Numa ode a independência
feminina, o filme coloca a obstinada Emma no centro dos holofotes ao mostrar
este duro processo de reconstrução após um casamento infeliz. Obrigada a ser o
pai e a mãe do seu lar, Field cria uma figura vibrante, uma mulher capaz de
correr atrás do seu sustento, pegar literalmente no pesado, sem abdicar da sua
feminilidade. Com o seu usual carisma, ela explora as inúmeras facetas da sua
Emma com enorme naturalidade, se distanciando do clichê do sexo frágil ao
encarar um tipo com voz própria. Um predicado, verdade seja dita, valorizado
pelo argumento e pela direção de Ritt. Ao levar o longa para uma retrógrada
cidade do interior, logo nas primeiras cenas o realizador estabelece os
obstáculos que Emma precisará enfrentar. Contrariando as expectativas mais
pessimistas, entretanto, o roteiro explora os dilemas da protagonista dentro de
um contexto humano e nada maniqueísta. Embora dê título à película, o polido
Murphy interpretado pelo saudoso James Garner não surge em cena como um simples
interesse romântico. Comovido pela situação da nova moradora, o seu personagem
cresce em cena à medida que passa a se envolver com Emma, a se tornar um
inesperado ombro amigo, uma relação singela e gradativa atinge o seu ápice do
cativante clímax. Sem pressa, é legal ver como o roteiro constrói o crescente
elo entre os dois, a troca de apoio, o florescer da paixão, o preconceito por
parte de Emma quanto a diferença de idade entre os dois. Além disso, Ritt é
cuidadoso ao trazer para o centro da trama a figura do ex-marido, o preguiçoso
e imaturo Bobby Jack (Brian Kerwin), se distanciando do teor unidimensional ao
tirar do papel um divertido triângulo amoroso. Doce e revigorante, ponto para a
ensolarada fotografia interiorana de William A. Fraker e para a clássica trilha
sonora oitentista de Carole King, O Romance de Murphy se revela uma obra
acolhedora que, apesar da sua inegável despretensão, esconde uma mensagem poderosa
sobre a independência feminina. Um filme que não merece cair no esquecimento.
- Flores de Aço (1989)
Os cabelos podem soar bregas. Os
figurinos idem. A representação feminina, indiscutivelmente, já soa bem
defasada. Nada disso, entretanto, impede que Flores de Aço (1989) siga sendo um
dos mais belos comoventes relatos sobre a amizade e o fardo da maternidade.
Rodado todo sob a perspectiva feminina, o longa dirigido por Herbert Ross
reuniu um fantástico elenco para narrar a jornada de uma zelosa mãe durante
quatro fases da vida da sua querida filha. Capitaneado por Sally Field e Julia
Roberts, a película cativa ao mostrar os conflitos de mulheres comuns sob uma
perspectiva densa, comovente e levemente irônica. Apesar da adocicada\datada
atmosfera oitentista, Ross é cuidadoso ao transitar pelas questões mais densas,
refletindo sobre os problemas das suas múltiplas personagens com seriedade e
uma forte veia feminina. Na pele do típico arquétipo da mãe norte-americana,
Field eleva o nível do texto ao interiorizar os dilemas da sua M’Lynn com um
misto de ternura e intensidade. Sem querer revelar muito, a reação da sua
personagem, dentro do clímax, à uma trágica situação justifica a sua indicação
ao Globo de Ouro de Melhor Atriz. O mesmo, aliás, acontece com o renomado “elenco
de apoio”. Se é que podemos trata-los desta forma, já que, ao se concentrar na
amizade entre as amigas, e não propriamente no drama entre mãe e filha, Ross
permite que cada uma das suas cativantes personagens ganhe o seu merecido lugar
ao sol. É assim com a tímida jovem vivida por Daryl Hannah, a expansiva
cabeleireira interpretada por Dolly Patton, a ranzinza vizinha vivida pela
fantástica Shirley MacLaine e a sarcástica ricaça interpretada por Olympia
Dukakis. Figuras simpáticas e divertidas que, quando necessário, emprestam o
seu talento e ajudam a reforçar a carga dramática desta emocionante película. E
isso sem um pingo de pieguice.
- Uma Babá Quase Perfeita (1993)
Definir uma década com filmes,
geralmente, é uma missão praticamente impossível. São tantos acontecimentos, tantos
longas lançados. Mas algumas películas, indiscutivelmente, ajudam a tentar entender
o contexto da época. E se um título pode definir um pouco da primeira metade da
década de 1990, este é Uma Babá Quase Perfeita. Um dos filmes mais lucrativos
da época, o longa estrelado por Robin Williams ajudou a redefinir a comédia
norte-americana nos anos 90, mostrando a ascensão do humor familiar que se
tornou recorrente em títulos do porte de Um Tira no Jardim de Infância, Esqueceram
de Mim, Jamaica Abaixo de Zero, Matilda, O Mentiroso, Jumanji e muitos outros sucessos
do gênero. Com o saudoso astro na pele de um relapso pai que, após o divórcio,
resolve se travestir de babá para se reaproximar dos seus queridos filhos, o
longa dirigido por Chris Columbus encantou plateias ao redor do mundo numa obra
cativante, sensível e indiscutivelmente engraçada. Longe de ser uma mera
coadjuvante, Sally Field surge em cena como uma mãe zelosa e disciplinadora, uma
figura que, felizmente, graças a sagacidade do roteiro e a sua natural
simpatia, nunca é tratada como uma megera incompreensível. Tal qual o
protagonista, a sua Miranda tem motivações justas, um arco próprio que rende
uma série de irresistíveis gags. Como não citar, por exemplo, a fantástica
sequência do restaurante, um ‘mise em scene’ impagável que se tornou um dos
grandes momentos desta inesquecível obra. Numa época em que as comédias eram capazes
de rivalizar com os gigantescos blockbusters, Uma Babá Quase Perfeita se tornou
um dos mais bem-sucedidos exemplos do gênero, um filme criativo e radiante que,
em 1993, só faturou menos nas bilheterias que o estrondoso Jurassic Park.
- Forrest Gump (1994)
Escrever sobre Forrest Gump é
algo muito difícil. Um dos filmes mais memoráveis da década de 1990, o clássico
de Robert Zemeckis encantou o público e a crítica ao propor um recorte precioso
sobre a história recente norte-americana. Seguindo os passos do ingênuo
Forrest, numa das muitas espetaculares performances de Tom Hanks, o talentoso
realizador norte-americano passeou delicadamente entre a ficção e a realidade
ao narrar a espetacular jornada de um homem comum durante quase três décadas de
sua vida. Indo além dos memoráveis efeitos visuais, Zemeckis nos brindou com
um drama genuinamente humano, um filme que, por trás do viés
sócio\cultural\político, se encanta pelo seu protagonista, um tipo que desde
cedo aprendeu a conviver com ignorância humana. E por trás de Forrest,
obviamente, existe uma marcante figura materna, a dócil Ms. Gump de Sally
Field. Considerada uma das mães mais populares da Sétima Arte, a cativante
personagem é a mola mestre da trama, o exemplo de moral que guia as atitudes de
Forrest do primeiro ao último minuto de película. Embora não esteja no centro
da trama em si, a Senhora Gump é o tipo de personagem que permanece viva mesmo
quando não está na tela, se tornando um dos papéis mais marcantes na
filmografia desta laureada atriz. Além disso, o arco amoroso envolvendo a
personagem vivida por Robin Wright se revela um dos grandes trunfos do roteiro,
uma relação marcada por idas e vindas que cresce em relevância dentro emotivo
terço final. Em suma, Forrest Gump é um filme raro, uma obra que, apesar do seu
peso dramático, parece flutuar como uma pena numa brisa de verão.
Menções Honrosas
- Nunca sem Minha Filha (1991)
Embora não seja uma obra
irretocável, longe disso, Nunca sem Minha Filha enche a tela de tensão ao
narrar as desventuras de uma mãe em solo estrangeiro. Por mais que o longa
peque pela a unidimensionalidade ao tratar um tema muito sério, a posição da
mulher numa sociedade muçulmana, é fato que o thriller dirigido por Brian
Gilbert cumpre a sua missão ao reforçar a vulnerabilidade da protagonista nesta
história inspirada em fatos. Na trama, Sally Field vive uma mãe cosmopolita
que, após pedidos do seu respeitoso marido (Alfred Molina), decide viajar para
passar uma temporada em solo iraniano. Chegando na terra natal do seu esposo,
porém, ela se depara com um homem abusivo e possessivo. Temendo pelo futuro de
sua filha, ela decide fugir do local no momento em descobre que o instável pai
não parece interessado em deixar a garota voltar para os EUA. Por mais que o
roteiro falhe grosseiramente ao tentar entender a cultura muçulmana, Field e
Molina elevam o nível do texto ao se concentrar no elemento humano, ao traduzir
os sentimentos dos seus respectivos personagens com intensidade e emoção. O
que, de fato, impede que Nunca sem Minha Filha seja uma daquelas obras
generalizadoras tipicamente americanas sobre a (pretensa) hostilidade da
cultura muçulmana.
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