Nunca subestime um gênio
Inocente e revigorante, O Bom Gigante Amigo é Steven Spielberg em sua
mais pura essência. Adaptação da querida obra do escritor Roald Dahl, o longa
estrelado pela radiante jovem Ruby Barnhill (numa performance positivamente
infantil) encanta ao propor uma fábula moral lúdica e sensível. Embora esbarre
em alguns problemas narrativos, a maioria deles presente no descompassado
primeiro ato, o realizador dá uma verdadeira aula no que diz respeito a
construção dos seus personagens, sacrificando o ritmo em prol da consolidação
da improvável amizade entre uma destemida órfã e um amistoso gigante.
Através de diálogos divertidos e momentos naturalmente engraçados, a
sequência no palácio real, por exemplo, sintetiza a universalidade cômica
proposta por Steven Spielberg, o roteiro assinado por Melissa Mathison (E.T: O
Extraterrestre) envolve ao transitar por temas como o bullying, a solidão e a
opressão do mais forte. Por mais que o subtexto monárquico possa soar um tanto
quanto ultrapassado, a Rainha da Inglaterra surge aqui como a bastia da justiça
e dos bons costumes, o longa o faz dentro de um contexto bem ingênuo, impedindo
qualquer má interpretação acerca do pano de fundo político. Além disso,
Spielberg acerta no momento em que não decide apelar para o frenesi do cinema
pipoca atual, se esquivando dos mais populares clichês do segmento ao seguir
convicto que o foco da película está no micro, na estreita conexão entre os
protagonistas. Sem querer revelar muito,
após um primeiro ato pouco apressado e um segundo ato mais descontraído,
o diretor surpreende ao entregar um clímax bem mais íntimo do que aventureiro,
um fato raro dentro do segmento e totalmente coerente com a proposta defendida
pela adaptação.
A assinatura de Steven Spielberg, porém, é melhor sentida quando o
assunto é o incrível aspecto visual do longa. Impecável ao brincar nas noções
de escala, o diretor enche a tela de energia ao acompanhar esta simpática
amizade, extraindo a faceta mais fantástica da obra de Roald Dahl ao apostar em
cenários riquíssimos, sequências recheadas de movimento e um CGI
impressionante. Por mais que em alguns (poucos) momentos seja possível perceber
a diferença de textura entre a figura (no caso a pequena atriz) e o fundo
digital, Spielberg brilha ao tirar o máximo da captura de movimentos,
principalmente quando o assunto é a expressividade facial, dando ao talentoso
Mark Rylance a possibilidade criar um protagonista dócil, gentil e naturalmente
entristecido. Exibindo um incrível senso de simultaneidade nos momentos mais
aventurescos, a sequência do ataque a caverna do BFG, em especial, me fez
lembrar da velha abertura do Castelo Ra Tim Bum, Spielberg nos brinda também
com enquadramentos belíssimos, fazendo um magnífico uso dos contraluz ao
construir preciosos takes contemplativos. Momentos dignos que moldura que, além
de encantarem esteticamente, reforçam a crescente conexão entre a órfã e o
gigante. Ao longo do filme, aliás, ele mostra fluidez ao traduzir o 'mise en
scene', explorando a criativa relação dos personagens com o espaço cênico ao
preencher a trama com engenhosos planos em primeira pessoa, planos subjetivos e
também alguns expansivos planos conjuntos. Um predicado potencializado pela
reluzente e texturizada fotografia fria de Janusz Kaminski (O Resgate do
Soldado Ryan), impecável ao reforçar o aspecto lúdico da obra original.
Em suma, embora patine quando o assunto é o ritmo, O Bom Gigante Amigo
ganha peso ao marcar o retorno de Steven Spielberg às suas origens.
Impulsionado pela singela e intrigante trilha sonora do seu velho parceiro John
Williams, o aclamado diretor esbanja o seu reconhecido virtuosismo técnico ao
construir um filme imagético e visualmente vibrante. Uma obra pura e colorida
que, tal qual títulos como John Carter, Meu Amigo, O Dragão e o recente
Valerian, foi "engolida" pelo frenesi dos ferozes
"gigantes" do mercado blockbuster. Uma pena, já que Spielberg é o
tipo de nome que não merece ser subestimado\esnobado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário