Numa das melhores performances femininas da história do gênero, Charlize Theron mostrou no estiloso Atômica (leia a nossa crítica aqui) que chegou no cinema de ação para causar. Com uma impressionante entrega física, a versátil atriz sul-africana se insurgiu contra o rótulo do "sexo frágil" ao criar uma espiã letal e agressiva, empolgando ao protagonizar algumas das mais impactantes sequências deste concorrido segmento em 2017. No início da sua carreira, porém, Theron trilhou um caminho bem mais convencional em Hollywood. Dona de uma beleza radiante, ela se viu presa ao rótulo da esposa devotada, do par perfeito, sendo eclipsada por personagens masculinos em títulos como O Advogado do Diabo (1997), Poderoso Joe (1998), Enigma do Espaço (1999), Homens de Honra (2000) e Doce Novembro (2001). Com mais baixos do que altos, Theron conquistou popularidade, roubou a cena em muitos dos títulos acima, mas o status que a "libertaria" destes arquétipos só veio realmente quando um "monstro" cruzou o seu caminho.
Sim, elas são a mesma pessoa. |
Disposta a se reinventar enquanto atriz, Charlize Theron começou a trilhar um novo rumo com o subestimado Encurralado (2002), um thriller dramático sobre uma mãe obrigada a entrar no mundo do crime para livrar a sua filha da mão de sequestradores. Na pele de uma protagonista forte, a sul-africana assumiu as rédeas deste pequeno longas sem titubear, mostrando uma faceta que ainda não havia sido bem explorada no cinema 'mainstream'. Foi no ano seguinte, entretanto, que Theron viu a sua carreira alcançar um patamar realmente inesperado. De volta ao universo blockbuster, ela deu vida a uma mocinha inteligente e vingativa no excelente Uma Saída de Mestre (2003), a sua primeira grande incursão no mundo do cinema de ação. Remake do clássico Um Golpe à Italiana (1969), a película dirigida por F. Gary Gray deu a Theron a possibilidade de construir uma protagonista independente, uma mulher inteligente determinada a encontrar o paradeiro do assassino do seu pai. Um grande filme! O divisor de águas na sua carreira, porém, veio com o aclamado Monster: Desejo Assassino (2003). Na pele de uma monstruosa criminosa (foto acima), a atriz passou por uma verdadeira metamorfose em prol da arte, abrindo mão da sua beleza ao encarnar uma figura bruta e masculinizada. Além de engordar 13 kg para o papel (leia a nossa artigo sobre o efeito sanfona em Hollywood), Theron passou por um pesado processo de maquiagem, criando uma figura genuinamente assustadora, uma personagem feminina cruel que foi merecidamente aclamada pela crítica. Indicada às principais premiações, Charlize Theron levou o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Atriz para casa, comprovando que por trás do "rostinho bonito" existia uma atriz versátil capaz de encarar qualquer desafio.
O que ficou bem claro nos seus três trabalhos seguintes. Interpretando a atriz sueca Britt Ekland, Charlize Theron decidiu colocar primeiro um pé na comédia no biográfico A Vida e Morte de Petter Sellers (2004). No ano seguinte, a sul-africana voltou a ser elogiada pela crítica ao encarnar uma mineradora em busca de direitos iguais no drama Terra Fria (2005). Sob a batuta de Nick Caro, ela voltou a interpretar uma mulher forte e corajosa, um tipo que se tornaria recorrente na sua elogiada carreira. Na sua primeira incursão dentro do cinema de ação, no entanto, Theron derrapou. Em Aeon Flux (2005), a atriz se entregou de corpo e alma, mostrou uma nítida aptidão física ao interpretar uma assassina rebelde (foto acima), mas o longa dirigido por Karyn Kusama em nenhum momento conseguiu tirar proveito do seu invejável magnetismo. Com um argumento genérico, uma visão de futuro requentada e inexpressivos coadjuvantes, o filme foi detonado pela crítica e esnobado pelo público, caindo no esquecimento nos anos seguintes. Em entrevista recente à revista Variety, Theron admitiu o fracasso do filme e entendeu a maior parte das críticas. “Eu simplesmente não acho que realmente soubemos como executá-lo. E é decepcionante, mas acontece. Estive neste negócio por tempo suficiente para saber que você não consegue fazê-lo sempre.”, revelou a compreensiva atriz. O insucesso de Aeon Flux, entretanto, ecoou por pouco tempo na sua carreira. Transitando entre os gêneros com enorme desenvoltura, Theron voltou a brilhar no thriller dramático No Vale das Sombras (2007). Ao lado do veterano Tommy Lee Jones, ela esbanjou talento ao viver uma policial linha dura que resolve entrar num espinhoso caso envolvendo o desaparecimento de um militar. No auge da Guerra do Iraque, o longa dirigido por Paul Haggis soube criar uma instigante trama a partir deste tema, colocando o dedo na ferida ao criticar a presença americana no conflito.
De volta ao cinema de ação, Charlize Theron emplacou um dos grandes sucessos da sua carreira no inusitado Hancock. Numa proposta audaciosa, o diretor Peter Berg resolveu tirar do papel um filme de super-herói diferente, uma obra sacana sobre um herói beberrão disposto a melhorar a sua imagem junto à mídia. Com Will Smith impagável na pele do personagem título, o longa deu a Theron a possibilidade de interpretar Mary, uma espécie de nêmeses que rouba a cena ao protagonizar algumas das empolgantes sequências de ação. Embora recebido de maneira morna pela crítica, Hancock se tornou um estrondoso fenômeno de público ao faturar US$ 624 milhões ao redor do mundo. Curiosamente, entretanto, o êxito comercial do longa não "subiu a cabeça" da atriz sul-africana. Sem nunca seguir o caminho mais fácil, ela resolveu trilhar um caminho bem mais autoral nos três próximos filmes, o intenso Vidas que Se Cruzam (2008), do questionador Guillermo Arriaga, o excelente drama pós-apocalíptico A Estrada (2009), do refinado John Hillcoat, e a elogiada comédia dramática Jovens Adultos (2011), do cultuado Jason Reitman. Neste último, inclusive, Theron arrancou suspiros da mídia especializada ao viver uma adulta imatura e irresponsável, uma mulher confusa e recém-divorciada que decide voltar a sua cidade natal em busca de uma reaproximação com o seu ex-namorado. Embora não esteja entre os meus filmes favoritos dela, Jovens Adultos mostrou uma nova face de uma atriz que insistia em se reinventar, a colocando novamente no caminho das grandes premiações.
Depois deste "tour" pelo cinema autoral hollywoodiano, Charlize Theron voltou aos holofotes no incompreendido Prometheus (2012). Numa proposta intrigante, o veterano Ridley Scott resolveu retornar às origens da franquia Alien num projeto que dividiu público e crítica. Na pele de uma enigmática líder, a sul-africana roubou a cena ao encarar uma das personagens mais instigantes da película, uma mulher fria capaz de esconder os verdadeiros interesses por trás de uma missão a um remoto planeta. Após ver o seu talento ser desperdiçado no genérico Branca de Neve e o Caçador (2012) e mostrar que sabia rir de si mesma no incorreto Um Milhão de Maneiras de Pegar numa Pistola (2014), Theron realmente escreveu o seu nome na história do cinema de ação com o fantástico Mad Max: Estrada da Fúria (2015). Num projeto audacioso, o veterano George Miller resolveu mudar o 'status quo' da sua mais popular franquia ao nos brindar com uma aventura épica, caótica e essencialmente feminina. Com a coragem necessária para ousar, o realizador australiano revigorou o segmento, surpreendendo a todos ao transformar a indomável Imperatriz Furiosa na grande protagonista desta sequência. Responsável por interpretar uma mulher destemida e implacável, um tipo capaz de se insurgir contra a tirania, Theron esbanjou intensidade e presença física ao absorver os sentimentos desta complexa personagem. Impulsionada pela primorosa condução de Miller, que, do alto dos seus 70 anos, tirou do papel algumas das mais imponentes e estilosas sequências de perseguição da história do gênero, ela criou uma figura feminina forte e exemplar, se tornando um símbolo dentro do popular cinema de ação. Sem medo de errar, a melhor protagonista feminina no segmento desde a 'badass' Sarah Connor em O Exterminador do Futuro 2 (1991).
Uma voz ativa na luta pela igualdade salarial em Hollywood, Charlize Theron, na época do lançamento, se mostrou feliz pelo tamanho da sua Furiosa e questionou o sexismo envolvendo a presença feminina no cinema de ação. "As mulheres são sempre mal representadas nesses filmes. Por que será que nós temos que ver os filmes desse gênero (ação) sempre com uma mulher no fundo do enquadramento usando lingerie? Por que não há uma menina que está de pé no mesmo campo de jogo com os caras? (...) Há algo muito, muito legal em interpretar esta mulher que é uma mulher acima de tudo, mas é uma guerreira impiedosa que nem Max, que consegue lutar tão bem quanto o Max usando um braço apenas", revelou a atriz em entrevista ao programa "Live! With Kelly and Michael". Um viés igualitário que viria a ser explorado em sua máxima potência no estiloso Atômica (2017). De volta ao gênero após estrelar o caça-níquel O Caçador e a Rainha de Gelo (2016), Theron mostrou a sua faceta mais fo%@na ao interpretar a letal Lorraine, uma espiã implacável obrigada a correr contra o tempo para impedir que uma reveladora lista caísse em mãos erradas. Sob a estilizada batuta de David Leitch, um ex-dublê com faro apurado para as sequências de luta, ela ganhou a liberdade necessária para expor os seus movimentos e a sua contundência em cena, impressionando ao protagonizar takes ágeis, agressivos e absolutamente críveis. Após um duro processo de treinamento, que, reza a lenda, lhe custou dois dentes, Theron exibiu uma magnífica entrega física ao "sair na mão" com os inimigos, ao validar o dinamismo visual defendido pelo diretor, se afirmando enquanto estrela de ação ao criar uma anti-heroína magnética e humana. Uma figura vulnerável, mas nunca frágil.
Num dos projetos mais pessoais da sua carreira, Charlize Theron se dedicou de corpo e alma ao seu novo trabalho. O que fica evidente no featurette acima. Também responsável pela produção do longa, a atriz sul-africana gastou cerca de cinco anos para tirar o filme do papel e mais alguns meses para se preparar para dar vida a esta agressiva agente. Em entrevista à Variety, Theron confirmou que passou por um duro processo de treinamentos por dois meses e meio, admitindo que o seu passado como dançarina a ajudou na preparação. "Eu sou coordenada porque fui uma dançarina, e definitivamente tenho memória de movimento, mas nunca fui uma lutadora. (...) Eu também sou muito alta e uma garota, isso tende a fazer você parecer um "grande pássaro", revelou a atriz ressaltando a plasticidade dos seus movimentos. Apesar do êxito de títulos como Mad Max: Estrada da Fúria, Mulher-Maravilha e o recente Atômica, porém, a atriz sul-africana se mostrou preocupada com a manutenção da presença feminina dentro do segmento e lembrou que no passado outras grandes atrizes trilharam um caminho semelhante ao seu. "Eu acho que seria negligente não reconhecer Sigourney Weaver (Alien) e Linda Hamilton (Exterminador do Futuro). Tivemos momentos como este, onde as mulheres realmente se mostraram e superaram os limites. E então não o sustentamos. Basta um (longa) não se sair bem e de repente ninguém quer fazer um filme dirigido\estrelado por mulheres.”, frisou a atriz.
Incomodada com a disparidade entre os gêneros em Hollywood, Charlize Theron subiu o tom ao criticar as limitações comerciais em torno das produções comandadas por mulheres. "Estou com vergonha de ser parte de uma indústria que nunca permitiu que uma mulher trabalhasse com o orçamento maior que o de Mulher-Maravilha (US$ 149 mi). Isso é um pensamento tão homem das cavernas. Eu sigo esperando que esse seja o filme que irá mudar as coisas e nos manter (no cinema de ação)." concluiu a atriz que tirou do papel um filmaço com modestos US$ 30 milhões. E se depender dela as mulheres seguirão tendo uma imponente voz dentro do gênero. Nascida na África do Sul em pleno Apartheid, Theron aprendeu desde cedo a ser "resiliente" e a superar as dificuldades. Com o sonho de se tornar bailarina, ela desembarcou nos EUA com 18 anos, alguns pertences pessoais e apenas US$ 300 no bolso. Após anos de muito trabalho e dedicação, a dança ficou para trás, mas ela seguiu bailando com leveza entre os gêneros e também nos sets de filmagens. Na verdade, ao aliar a fluidez graciosa de uma dançarina à ferocidade de um lutadora, Charlize Theron mostrou em Atômica que já pode ser considerada uma estrela do cinema de ação, exibindo talento de sobra para quebrar tabus, chutar traseiros das mais convincentes formas e brilhar onde bem entender.
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