Um inquietante retrato de
uma geração egocêntrica
Trilhando um caminho aberto por Jennifer Lawrence, Emma
Stone, Brie Larson e Margot Robbie, Hailee Steinfeld (Mesmo se Nada der Certo)
desponta como um dos mais promissores nomes da sua geração. Lançada pelos
cultuados Irmãos Coen no magnífico Bravura Indômita (2010), a jovem atriz tem
buscado desde então um "espaço" no concorrido gênero blockbuster, mas
o seu talento seguiu sendo bem melhor explorado nas mãos de realizadores reconhecidos por sua autoralidade.
Como podemos perceber no seu mais recente trabalho, o adorável Quase 18. Uma
mistura moderna de Clube dos Cinco (1985) com A Garota de Rosa Shocking, o
longa dirigido por Kelly Freemon Craig (Recém-Formada) homenageia o saudoso
John Hughes ao utilizar o universo 'high-school' para investigar as agruras de
uma adolescente em crise. Sob um ponto de vista deliciosamente irônico, a
realizadora enche a tela de energia ao traduzir a inquietude, a imaturidade e o
egocentrismo de uma geração que parece viver num mundo de aparências, uma realidade
"ensolarada" e vazia frequentemente exposta nas inúmeras páginas do
Instagram. Assim como Hughes se acostumou a fazer, entretanto, Craig não parece
interessada em julgar\criticar um grupo específico de jovens, tal qual uma mãe
ruidosa e autoritária faria. Na verdade, a diretora se encanta pela incoerência
da sua protagonista, pela sua faceta mais humana, o que faz de Quase 18 um
relato cativante e extremamente universal.
Sem nunca subestimar a inteligência dos personagens, e por consequência
do espectador, o roteiro assinado pela própria Kelly Freemon Craig é impecável
ao estabelecer os conflitos dos carismáticos protagonistas. Fazendo um inspirado
uso do recurso da narração, utilizado com perspicácia e moderação dentro do
excelente primeiro ato, o longa acompanha os obstáculos na vida de Nadine
(Steinfeld), uma jovem arredia e temperamental que cresceu se achando a garota
mais deslocada do seu colégio. Apesar do esforço do seu compreensivo pai (Eric
Keenleyside), ela simplesmente não tolerava a implicância das suas colegas de
classe, a convivência com o seu popular irmão (Blake Jenner) e a presença da
sua previsível mãe (Kyra Sedgwick). A sua rotina ganha um novo sentido, no
entanto, quando ela conhece a afetuosa Krista (Haley Lu Richardson), uma menina
igualmente solitária que logo se afeiçoa por Nadine. Juntas desde então, as
duas construíram uma inabalável amizade, uma relação sincera que as ajudou a
superar os dilemas do universo 'high-school'. Quando tudo parecia perfeitamente
no seu lugar, Nadine é pega de surpresa ao ver que Krista havia começado a namorar o seu odiado irmão. À beira de um colapso histérico, ela resolve
"chutar o balde" e seguir o seu próprio caminho, sem saber que a sua
conduta impulsiva iria colocá-la numa série de situações constrangedoras e\ou desconfortáveis.
Através de diálogos positivamente imaturos e sequências naturalmente
engraçadas, Quase 18 esbanja sinceridade ao traduzir os conflitos da sua
fantástica protagonista. Ainda que a comparação com o clássico Clube dos Cinco
possa soar exagerada num primeiro momento, já que o longa em nenhum momento tem
a pretensão de propor um relato geracional do porte do clássico oitentista,
Kelly Freemon Craig não foge da raia ao discorrer sobre as novas gerações.
Embora o foco esteja basicamente na errática figura de Nadine, a realizadora é
habilidosa a utiliza-la como uma espécie de fio condutor, uma jovem inquieta
que não só expõe o vazio dos personagens que a cercam, como também se vê
seduzida pelo universo que parece a incomodar. Incoerente e imatura, ela
consegue, ao mesmo tempo, condenar a popularidade do seu irmão e se encantar
pelo charme do garoto descolado do colégio (Alexander Calvert).
Com um arco realmente bem escrito, Nadine é a contradição em pessoa, uma
adolescente que parece ver o mundo girar em torno de si. Por mais que a beleza
de Hailee Stanfield nos coloque em dúvidas sobre o status impopular da
protagonista, Craig é sagaz ao realçar o lado mais difícil da jovem, o cinismo,
o egoísmo e os seus mais problemáticos traços comportamentais. Com um afiado
tempo de comédia, Stanfield nos brinda com uma
performance singular, um trabalho vibrante que se torna o símbolo desta
simpática película. É incrível como ela consegue dizer as coisas mais absurdas sem nunca perder a sua cativante inocência. A atriz, aliás, brilha ao criar uma figura naturalmente
deslocada, uma jovem antissocial e irritável capaz de “rivalizar” com a agressiva Alisson (Ally Sheedy) de O Clube dos Cinco. Um desempenho, diga-se de
passagem, valorizado pela fluída direção de Craig, inventiva ao colocá-la no
centro dos planos e capturar os seus caras e bocas sem abdicar da
espontaneidade.
Na ânsia de criar uma estreita conexão com a adolescente, entretanto,
Kelly Freemon Craig peca ao subaproveitar alguns dos ótimos personagens de
apoio. Brilhantemente introduzida, a relação entre Nadine e Kristy, por
exemplo, se esvai ao longo da trama, sendo resolvida com certo desdém dento do
protocolar último ato. Por mais que a imaturidade de Nadine torne os seus dilemas
propositalmente momentâneos, daqueles que podem ser resolvidos com apenas uma
boa conversa, o arco das duas merecia um desfecho mais profundo. O mesmo,
aliás, acontece com a relação entre os irmãos. Embora o talentoso Blake Janner mostre
intensidade ao introduzir as nuances emocionais do seu personagem em poucas
cenas, a conflituosa interação entre Nadine e Darian poderia ter sido mais bem explorada, o que fica bem claro quando nos deparamos com as ótimas cenas
protagonizadas pelos dois.
Por outro lado, o argumento é inventivo ao construir a amizade entre
Nadine e o seu professor, o sarcástico Mr. Bruner (Woody Harrelson, excelente
como de costume). Indo de encontro aos clichês da figura paterna, ele surge
como um improvável ombro amigo, o único capaz de enxergar a personalidade
confusa da jovem e tentar - à sua maneira - ajudá-la. Desta divertida relação,
aliás, nascem os diálogos mais francos e reflexivos da película, já que ele é
um dos poucos a tentar rebater a verborrágica protagonista. Além disso, o longa
é perspicaz ao tentar se aproximar de outro sucesso de John Hughes, o popular A
Garota de Rosa Shocking. Dando vida ao arquétipo do cara legal outrora
interpretado por Jon Cryer (Two and a Half Men), o simpático Ewin (Hayden
Szeto, olho nele!) surge como o hilário interesse romântico de Nadine. Na luta
para sair da 'friendzone', o desastrado colega de classe não só protagoniza algumas
das sequências mais engraçadas da trama (a da roda gigante é sensacional), como
também ajuda a expor a faceta mais contraditória de Nadine, realçando os perigos
por trás da idealização sentimental.
Leve, colorido e revigorante, Quase 18 é uma comédia descompromissada
capaz de transitar por temas genuinamente femininos sem nunca perder a sua
universalidade. Por mais que o apressado último ano amarre as pontas com
certa previsibilidade, Kelly Freemon Craig é habilidosa ao se debruçar sobre os
dilemas da sua marcante protagonista, encontrando na magnética Hailee Steinfeld
a energia necessária para mostrar o turbilhão de emoções por trás da rotina de
um(a) adolescente em crise. E isso, apesar das óbvias referências ao cinema de
John Hughes, sob um prisma original, irônico e totalmente coerente com a
realidade das novas gerações.
2 comentários:
Eu concordo com os pontos que você comentou. Este filme tem um roteiro engenhoso, combine a comédia com um pouco de drama. Quase 18 superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. Adoro esse tipo de histórias para adolescentes, tem uma mensagem para qualquer idade! Eu ri muito com o filme! ❤️
Um ótimo filme Natalia. Superou as minhas expectativas também. Longe de ser um filme somente para adolescentes, como você bem disse. Valeu pela visita e pelo comentário.
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