Nas mãos de qualquer diretor
menos qualificado, Operação Fronteira tinha tudo para ser mais um genérico
filme de assalto envolvendo carteis sul-americanos. J.C Chandor, entretanto,
não é apenas mais um em Hollywood. Com uma filmografia enxuta, mas de muita
personalidade, o realizador sabe como conferir peso e tensão as suas obras.
Seja num thriller sobre o crash na bolsa de valores (Margin Call: O Dia Antes
do Fim), seja num drama de sobrevivência marítimo (Até o Fim), seja num humano
filme de máfia (O Ano Mais Violento). Embora fique alguns degraus abaixo dos três
títulos citados acima, Triple Frontier (no original) contorna os seus problemas
de tom ao não reduzir tudo a ação escapista. Com roteiro assinado por Mark
Boal, dos excelentes Guerra ao Terror (2009) e A Hora Mais Escura (2012), o
enervante longa é astuto ao discutir o (caro) preço da ambição sobre a
perspectiva de cinco ex-soldados e do seu errático senso de moral. O que só
fica melhor quando nos deparamos com o super elenco reunido nesta envolvente
produção original Netflix.
Com pulso narrativo e um
argumento por si só instigante, J.C Chandor surpreende ao num primeiro momento
trazer elementos dos ‘heist movies’ para o centro da trama. Indo de encontro ao
viés mais contido das suas obras anteriores, o realizador não titubeia em
tornar tudo o mais pop possível, fazendo um impactante uso da trilha sonora (que
traz Metallica, Pantera, Fletwood Mac) e da afiada montagem na introdução
dos seus humanos personagens. E isso, de fato, sem sacrificar o senso de
realismo da produção, que fica bem claro na marcante sequência de abertura.
Nela conhecemos o “consultor” Pope (Oscar Isaac), um ex-militar americano que
foi contratado por forças policiais colombianas para lutar contra os violentos
cartéis dos país. Após quase três anos por lá, ele descobre através de uma
fonte, a bela contadora Yovanna (Adria Arjona), o esconderijo do mais temido
chefão do crime organizado sul-americano, o recluso Lorea (Reynaldo Gallegos). Ciente
que com ele estavam guardados centenas de milhões de dólares, Pope decide
voltar para os EUA com um plano extremamente arriscado: matar o traficante e confiscar
extraoficialmente parte do dinheiro. Seduzido pela tardia chance de prosperar,
o persuasivo mercenário resolve reunir um grupo de velhos parceiros de farda,
entre eles o agora frustrado corretor de imóveis Redfly (Ben Affleck), o
lutador de MMA Ben (Garrett Hedlund), o palestrante motivacional Ironhead (Charlie
Hunnam) e o piloto Catfish (Pedro Pascal). O que era para ser uma missão “limpa”
e rápida, porém, ganha contornos mais complexos quando o quinteto se vê diante
de uma incalculável pilha de dinheiro e da complicada missão de transportá-lo
em solo estrangeiro.
Por mais que as cenas de ação
sejam impactantes e o clima de suspense muito bem explorado no imersivo ‘mise
en scene’, vide toda a nervosa cena na mansão de Lorea, J.C Chandor eleva o
nível da obra ao focar na dinâmica entre os militares. Eles são fortes,
preparados, letais. Tudo soa muito verossímil no campo de batalha. Ainda assim,
estamos diante de homens. E é na humanidade deles que reside o melhor de
Operação Fronteira. Transitando habilmente entre a ação e o drama, Chandor é
cuidadoso ao investir nas nuances dos protagonistas, ao delineá-los desde as
primeiras cenas e ao capturar as suas respectivas mudanças diante da tensão e
do efeito sedutor causado por uma pequena fortuna. Por mais que todos os
personagens ganhem características bem próprias, é interessante ver como o
roteiro se concentra na polarizada relação entre Pope e Redfly. Embora os dois
compartilhem traços de comportamento bem semelhantes, entre eles o senso de
liderança e a habilidade de agir rápido sob pressão, Chandor é categórico ao
diluir as linhas morais que o separavam à medida que a trama avança. Sem nunca
descaracterizá-los, enquanto um, que surgia como o elemento mais ardiloso do grupo,
expõe o seu lado racional\justo ao longo da trama, o outro, que parecia ser o
mais equilibrado dos cinco, não pestaneja em se deixar levar pela euforia dos
milhões de dólares. Deste choque de mentalidades nascem os melhores conflitos da
película, que, mesmo resolvidos sem tanta profundidade, impedem que o longa perca
ritmo na sua metade final. Na verdade, embora explore também a face mais frágil
e emotiva dos até então brutalizados personagens, Chandor é particularmente
cuidadoso ao centrar na questão moral proposta pelo roteiro de Mark Boal.
O dinheiro, aqui, é muito mais problema do que solução, ditando o rumo do longa
ao debater até onde eles estavam dispostos a ir para enriquecer. Os conflitos
entre eles são compreensíveis. Os seus medos são reais, os seus descuidos
justificáveis. É fácil se colocar na situação deles e repetir os seus erros.
Chandor esbanja perspicácia ao nos colocar na situação do quinteto. Sem querer
revelar muito, o diretor parece brincar com as expectativas do público ao
traduzir literalmente o alto custo da ganância, mostrando uma dose de desapego
naturalmente incômodo.
O grande senão de Operação Fronteira,
na verdade, fica pelo seu nítido problema de tom. A proposta musical\enérgica
do primeiro ato, por exemplo, não combina tanto com o restante da obra quando
comparada com o peso dramático do segundo ato. Num momento o filme é realista
ao pintar a condição de vida dos marginalizados habitantes locais e contundente ao escancarar a
consequência dos atos dos personagens. Em outro nos faz acreditar que os
protagonistas são inesgotáveis e que um deles parece se regenerar em cena.
Falta ao longa um senso de unidade. O que, verdade seja dita, não deve se
tornar um grande problema para os fãs de uma competente obra de ação, muito em
função do timaço comandado por J.C Chandor. De longe um dos atores mais
versáteis e talentosos da sua geração, Oscar Isaac assume o protagonismo com
enorme naturalidade, entregando um mercenário ambíguo, ora inconsequente e
ambicioso, ora justo e humano. Uma performance cativante que contrasta com a sisudez
racional impressa por Ben Affleck. Na pele de um pai de família com sérios
problemas para sustentar os seus, o agora ex-Batman cresce em cena com muita
propriedade, roubando os holofotes ao revelar gradativamente os sentimentos
adormecidos num velho “homem de ação”. Os dois são seguidos de perto pelo trio
Charlie Hunnam, Pedro Pascal e Garret Hedlund, que, mesmo em tipos mais retilíneos,
conferem ao longa (respectivamente) serenidade, sensibilidade e impulsividade.
Juntos, aliás, o quinteto mostra uma ótima equipe em cena, dando a Chandor a
possibilidade de extrair o máximo do texto de Boal e da dinâmica proposta pelo
roteiro.
Uma mistura de Sicario (2015), com
Três Reis (1999) e 11 Homens e Um Segredo (2001), Operação Fronteira contorna
os seus inegáveis desníveis ao se sustentar a nos complexos dilemas morais
enfrentados pelos personagens. Com um visual digno dos grandes blockbusters,
adrenalizadas sequências de ação e a reconhecida liberdade oferecida pela
Netflix, J.C Chandor consegue tirar do papel um thriller de assalto acessível
para todos os públicos sem sacrificar a sua visão de cinema, conferindo uma
assinatura original a uma premissa que, confesso, não parecia tão atraente
assim. Não era o caminho mais fácil, mas o resultado final me surpreendeu
bastante.
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