A construção de um
Império
Redescoberto por Alejandro G. Iñarritu em Birdman, Michael Keaton é um
daqueles atores que não deveriam cair no esquecimento. Longe de ser um símbolo
de beleza, o astro de Os Fantasmas se Divertem (1985) e Batman (1989) construiu
a sua carreira na base do talento, transitando entre os gêneros com enorme
categoria graças ao seu carisma e versatilidade. Seja como um paladino da
justiça, ou uma estrela de cinema decadente, Keaton é o tipo de ator que
consegue absorver a multidimensionalidade dos seus personagens, imprimir
sentimentos que vão além dos dualismos mais genéricos, uma característica rara
que finalmente voltou a ser valorizada em Hollywood. Como podemos perceber num
dos seus mais novos trabalhos, o envolvente Fome de Poder. Na pele do homem que
transformou uma pequena loja de hambúrgueres na maior rede de 'fast-food' do
mundo, Keaton brilha ao expor o melhor e o pior deste riquíssimo personagem.
Sob a ritmada direção de John Lee Hancock (Um Sonho Possível), o longa é
perspicaz ao mostrar em quais termos se deu a ascensão deste império, indo de
encontro ao costumeiro teor reverencial ao revelar não só as artimanhas de um persistente vendedor em
busca do sucesso, como também a reconhecida voracidade do mundo dos grandes
negócios.
Com uma narrativa ágil e um inesperado senso de plenitude, o argumento
assinado por Robert D. Siegel, do excelente O Lutador (2008), é habilidoso ao
narrar a trajetória dos homens por trás da ascensão da rede McDonald's. Apesar
da atmosfera ensolarada proposta por John Lee Hancock sugerir uma abordagem
mais simplificada sobre o tema, o roteiro não subestima a inteligência do
espectador ao apontar a sua mira para o pano de fundo empresarial, para a tênue
relação entre os donos da marca e aquele que se dispôs a torna-la popular ao
redor dos EUA, preenchendo a trama com personagens humanos e conflitos
naturalmente densos. Embora algumas situações sejam introduzidas\desenvolvidas
com certa dose de conveniência, o longa instiga ao acompanhar os passos de Ray
Crock (Keaton), um vendedor frustrado com um inegável faro para negócios revolucionários.
Convivendo com a descrença daqueles que o cercavam, inclusive da sua simples
esposa, a compreensiva Ethel (Laura Dern, subaproveitada), ele se depara com
uma oportunidade única no momento em que cruza o caminho dos irmãos Dick (Nick
Offerman) e Mac McDonald (John Carroll Lynch). Encantado pelo negócio da dupla,
uma lanchonete organizada, familiar e extremamente lucrativa, Ray decide
convencê-los a expandir a sua marca. Inicialmente relutantes, os dois logo se
entusiasmam com as ideias do persuasivo vendedor e dão carta branca para que
ele pudesse seguir os seus planos. Não demora muito, porém, para esta amistosa
relação se tornar um problema, principalmente quando Ray se vê preso a intransigência
e ao limitado tino comercial dos verdadeiros fundadores da empresa.
Mais do que reparar uma injustiça histórica, Fome de Poder coloca os
pingos nos is ao revelar o papel de cada um dos envolvidos na construção da
marca McDonald's. Por mais que o título "o fundador" seja associado à
figura de Ray, o argumento é cuidadoso ao expor as verdades escondidas nos
bastidores, dando ao longa um instigante viés intimista. Sem nunca se render ao
teor unidimensional, John Lee Hancock faz questão de mostrar o mundo dos
negócios como ele, expondo não só a persistência, a inquietude e o tino
comercial do ex-vendedor, como também a voracidade, a ambição e o seu ardiloso
'modus operandi'. Impulsionado pela magnética performance de Michael Keaton,
magnífico ao torna-lo uma figura astuta e tridimensional, um homem ambíguo que não
reluta em tomar as rédeas de um negócio que originalmente não é seu, Hancock
esbanja categoria ao justificar as motivações dos seus respectivos personagens. Nenhuma atitude soa puramente escusa ou maldosa. Um viés humano que fica
evidenciado na complexa relação entre Ray e os zelosos irmãos McDonalds.
Enquanto o primeiro parece disposto a tudo para alcançar os seus objetivos,
Dick e Mac relutam em abrir mão das suas convicções, em rasgar a história da sua
tão querida lanchonete, um contraste que logo se torna um empecilho e explica
as crescentes desavenças na interação entre os três. Em contrapartida, Hancock
não mostra a mesma inspiração ao desenvolver a maior parte dos personagens de
apoio, reduzindo o peso de alguns arcos inicialmente promissores, entre eles a
fria relação matrimonial de Ray e o seu repentino caso de amor com uma
inteligente colaboradora (Linda Cardelline).
O que não chega a ser um problema, até porque John Lee Hancock se
concentra naquilo que realmente interessa: os feitos empresariais de Ray Crock.
Como se não bastasse os inegáveis predicados narrativos, o realizador reforça o
mito em torno do ex-vendedor ao investir em enquadramentos singulares,
realçando a sua imponência\visionarismo ao coloca-lo geralmente no centro dos
planos. Por diversas vezes, inclusive, ele se preocupa em filmar a silhueta de
Ray, em mostra-lo de costas para o público, evidenciando a sua superioridade perante
os demais personagens ao fazer um inteligente uso dos pontuais contra plongées
e da câmera subjetiva. Além disso, Hancock é igualmente criativo ao permitir
que o protagonista busque um "diálogo" mais direto com o público,
como se Ray quisesse frequentemente mostrar o quão bom era naquilo que fazia,
permitindo que o espectador tenha a oportunidade de compreender as suas
atitudes. Quando necessário, porém, o diretor é sagaz ao traduzir os conflitos
mais íntimos do executivo, ao expor a amarga consequência dos seus atos, nos
brindando com uma inspirada sequência final que parece duvidar do seu
próprio personagem. Um desfecho agridoce e totalmente coerente com as atitudes
de Ray.
Com a coragem necessária para expor, até mesmo, os motivos que fizeram
da rede McDonalds um dos mais populares sinônimos do 'junkie food', Fome de
Poder (que bela tradução) envolve ao revelar a (des)construção de um conceito.
Embora mostre um inegável encantamento pela figura de Ray Crock, John Lee
Hancock acerta ao não se render ao teor reverencial, encontrando na imagética
presença de Michael Keaton a tridimensionalidade necessária para dar vida a uma
persona tão complexa e impetuosa. Um verdadeiro homem de negócios.
Um comentário:
A utilização das cores, por sua vez, é um ponto fraco que afeta diretamente no tom empregado a produção, sendo esta sempre leve e divertida, mesmo sem poder ser em determinados momentos e justamente se contradizendo a uma trilha sonora deveras melancólica. Em 2016 houve estréias cinematográficas excelentes, mas o meu preferido foi o filme The Founder por que além de ter uma produção excelente, a história é linda. Inclusive, achei que é um filme ideal para se divertir e descansar do louco ritmo da semana. Eu gosto da forma em que ela esta contada, faz a historia muito mais interessante e boa.
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