Uma verdadeira pérola das sessões vespertinas na década de 1990, Dutch: De Volta para Casa (1991) é uma das mais subestimadas produções do cultuado John Hughes. Pai de algumas das melhores comédias oitentistas, entre elas Gatinhas e Gatões (1984), Clube dos Cinco (1985), A Garota de Rosa Shocking (1986), Curtindo a Vida Adoidado (1986) e Antes Só do que Mal Acompanhado (1987), o saudoso realizador norte-americano se tornou uma das mais influentes vozes de um gênero, justamente por conseguir realçar a questão humana por trás das suas descompromissadas produções. Mestre na arte de fazer rir, Hughes se preocupava em ir além, equilibrando humor e realidade ao preencher as suas singulares obras com temas mais densos, a maioria deles envolvendo conflitos familiares, dilemas geracionais e os obstáculos em torno do amadurecimento. Inserido neste contexto, Dutch cativa ao revelar as desventuras de um garoto esnobe obrigado a sair da sua nobre "bolha" pela primeira vez na sua vida. Sob a batuta do australiano Peter Faiman (Crocodilo Dundee), o longa é criativo ao traduzir os altos e baixos em torno da jornada de descobertas do guri, encontrando na entrosada dupla Ed O'Neil (Modern Family) e o Ethan Embry (The Wonders) a versatilidade necessária para dar contornos humanos a este hilário 'road movie'.
Com humor afiado e uma sucessão de impagáveis situações, o roteiro
assinado por John Hughes é sagaz ao mostrar a realidade do seu país sob o
mimado ponto de vista de um herdeiro da geração 'yuppie'. Embora num primeiro
momento o realizador mostre o choque de realidade do menino de maneira mais
cômica e caricata, à medida que o longa avança o cenário se torna mais urbano e
desigual, tornando a jornada de amadurecimento do garoto realmente crível aos
olhos do público. Sem querer revelar muito, a sequência dentro de um galpão
para desabrigados, por exemplo, sintetiza o cinema de Hughes e a sua capacidade
em transitar por temas espinhosos com bom humor e comoção. Na trama, criado num
ambiente de luxo e soberba, o insuportável Doyle (Embry) tratava a todos com
superioridade e indolência. Após a separação dos pais, ele resolveu viver sob a
tutela paterna do milionário Reed Standish (Christopher McDonald), um homem fútil
e esnobe que não parecia dedicar os cuidados que o filho merecia. Isolado num
requintado internato, o garoto é pego de surpresa ao descobrir que o seu pai
não iria passar o feriado de Ação de Graças ao seu lado. Incomodada com a
situação, a sua preocupada mãe (JoBeth Williams) decide mandar o namorado, o
turrão Dutch (O'Neill), a sua busca, sem saber que a incompatibilidade entre os
dois iria fazer a viagem de volta se tornar uma experiência conflitante e
reveladora.
No vácuo do sucesso de Esqueceram de Mim (1990), outra produção com o
selo John Hughes de qualidade, De Volta para Casa investe no humor físico ao
expor as diferenças sociais entre o pacato Dutch e o esnobe Doyle. Embora num
primeiro momento este irreverente duelo de classes possa soar ingênuo, o
roteirista faz a sua mágica ao nos brindar com dois personagens humanos e
orgulhosos, tornando a tão esperada aproximação mais demorada do que parecia
ser. Entre o cômico e o realístico, Peter Faiman é cuidadoso ao realçar tanto a
faceta mais odiosa do jovem, como também os seus dilemas mais íntimos, mostrando
maturidade ao revelar o impacto do divórcio diante deste imaturo ponto de
vista. Sem pesar a mão quando o assunto são as questões morais, o realizador
esbanja sutileza ao fazer de Dutch uma crescente referência paterna aos olhos
do garoto, ao estreitar o elo entre os dois, se esquivando dos clichês ao
defender uma poderosa lição de humildade e respeito ao próximo. E isso, diga-se
de passagem, de maneira harmoniosa aos olhos do público. Indo de encontro à
maioria dos filmes do gênero, a jornada de amadurecimento de Doyle não acontece
de maneira repentina. Com um extraordinário senso de humor e um vasto
repertório de expressões impagáveis, o talentoso Ethan Embry consegue se manter
fiel a essência do seu personagem mesmo nos momentos mais amistosos, vide a hilária
cena do jantar, arrancando sinceras risadas ao traduzir o processo
"desintoxicação" do seu Doyle. Assim como o jovem ator, aliás, Ed
O'Neil enche a tela de carisma ao interpretar determinado Dutch, criando um
protagonista honesto e positivamente atrapalhado.
Engraçado e comovente, Dutch: De Volta para Casa fez parte da minha
infância e sobreviveu ao teste do tempo ao se revelar, ainda hoje, uma comédia
atual e relevante. Com um afiado tempo de comédia, Peter Faiman entrega uma
obra singela e revigorante, um longa capaz de propor uma edificante mensagem de
igualdade sem parecer piegas ou sentimentalista. Na verdade, numa sacada de
mestre, John Hughes apronta das suas ao arquitetar um discreto 'plot twist',
mostrando que as aparências as vezes podem enganar. ALERTA DE SPOILER! Já no
clímax, durante a cena em que os dois estão na estrada de carona num carro
sucateado, a câmera se volta para uma construção em andamento e a placa diz,
pasmem vocês, CONSTRUTORA DUTCH DOOLEY. Ou seja, Dutch também era rico, mas
nunca se viu obrigado a negar as suas raízes ou a perder a sua humildade. Que
detalhe genial e totalmente coerente com a postura do personagem ao longo da
película.
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