terça-feira, 30 de maio de 2017

War Machine

Brad Pitt é a alma de uma sátira de guerra que nasceu datada

Ainda não foi desta vez que a Netflix conseguiu emplacar um filme original à altura do seu primeiro grande lançamento, o aclamado Beasts of No Nation (2015). De longe a produção mais ousada do estúdio desde então, o satírico War Machine se revela uma produção cara e bem intencionada que esbarra na sua própria relutância. Embora tecnicamente irretocável, o que explica o orçamento de US$ 60 milhões, o longa dirigido pelo talentoso David Michôd, dos excelentes Reino Animal (2010) e The Rover (2014), subaproveita os valores individuais presentes da película numa comédia que nasceu datada. Como se não bastasse a ampla presença do tema em Hollywood, a nova aposta do serviço de streaming não se sustenta nem como uma sátira sobre os bastidores da Guerra do Afeganistão, nem como um relato crítico sobre o conflito. O resultado é uma obra frouxa e ingênua que, apesar dos lampejos de inspiração, se sustenta basicamente na enérgica presença do astro Brad Pitt, impecável ao traduzir o misto de pureza, confiança e ignorância do seu inusitado personagem.



Inspirado nos relatos reais presentes no livro The Operators, do escritor Michael Hastings, o roteiro assinado pelo próprio David Michôd falha ao pintar uma sátira inexplicavelmente ingênua sobre esta desastrosa incursão bélica. Indo de encontro à clássicos do quilate de O Grande Ditador, Dr. Fantástico e Nascido para Matar, War Machine peca ao não conseguir equilibrar a crítica e o humor ao longo dos cansativos 120 minutos, evidenciando a sua disfuncionalidade ao se encantar exageradamente pela figura do protagonista, o idealista general Glen McMahon. Indeciso quanto ao tom da película, Michôd abraça inicialmente uma abordagem mais estereotipada, exaltando a caricata equipe do novo comandante das tropas americanas em solo afegão e os seus improváveis planos dentro de um contexto mais pop e irreverente. Além de não ser suficientemente engraçado, a maioria das piadas nascem da incrível performance física de Pitt, o primeiro ato se prende exclusivamente a apresentação deste inusitado grupo de oficiais, esvaziando o viés questionador ao se distanciar inadvertidamente do pano de fundo bélico. Na verdade, o longa é até cuidadoso ao estabelecer o militar como uma espécie de "salvador da pátria", o homem capaz de limpar a imagem americana e colocar um ponto final no confronto. McMahon confia no seu potencial, na sua estratégia. E nós acreditamos nisso. A singela relação de cumplicidade entre ele e os seus parceiros de missão também é estabelecida com sucesso, revelando as ótimas intenções por trás das atitudes do protagonista.


Na ânsia de tornar esta devoção crível aos olhos do público, porém, David Michôd joga para as entrelinhas os temas que deveriam estar na superfície da película. Embora pontue a trama em um ou dois momentos, a rixa entre Democratas e Republicanos, por exemplo, é traduzida com inegável descuido. Inserido num contexto bem específico, os últimos meses da presença americana no Afeganistão, o argumento até consegue mostrar o desleixo da gestão Obama para com o conflito, a sensação velada de tempo perdido, mas o tema só ganha uma abordagem realmente original quando coloca em contraste o entusiasmo de McMahon com a apatia dos executivos do governo. O mesmo, aliás, acontece quando a trama se volta para a perspectiva dos inertes soldados. Por mais que o arco renda uma das melhores sequências do filme, quando o relutante marine vivido pelo promissor Lakeith Stanfield (Corra!) coloca em dúvida o discurso "pacificador" defendido pelo general, o tema só volta a reverberar dentro do intenso clímax, comprovando a falta de acidez do argumento. Até porque, como escrevi acima, Michôd mostra uma enorme dificuldade em extrair a ironia por trás destes segmentos mais densos, o que fica evidente à medida que a trama avança e as mudanças de tom se tornam mais perceptíveis. No momento em que decide transitar da comédia para o drama, inclusive, o realizador perde a mão em diversos momentos, reduzindo o impacto de um longa que com um pouco mais de coragem, originalidade e uns vinte minutos a menos se revelaria bem mais atraente.


Em meio aos inegáveis problemas, entretanto, David Michôd consegue também valorizar os predicados de War Machine. Recheado de marcantes participações especiais, o roteiro mostra lampejos de inspiração ao propor a reflexão a partir de cenas pontuais, realçando a ambição, a humanidade, o desinteresse e a ignorância por trás dos personagens deste conflito. Embora sintetize os anseios de McMahan através de diálogos expositivos, a inquisidora cena protagonizada por Tilda Swinton (leia a nosso artigo sobre ela) diz muito sobre o protagonista e escancara a sua ingenuidade diante de um cenário bem mais complexo. O mesmo, aliás, acontece quando o assunto é a presença de Ben Kinglsey, magnífico ao dar vida a uma versão exótica do presidente Hamid Karzai. Em poucas cenas, o "líder" do governo afegão rende os momentos mais satíricos do longa, uma figura estereotipada que no momento certo coloca o dedo na ferida e revela a verdade que os americanos pareciam não enxergar. Outro ponto que agrada é o desempenho do talentoso elenco. Após arrancar genuínas risadas em filmes como o superestimado Queime Depois de Ler e o impactante Bastardos Inglórios, Brad Pitt volta a rir de si mesmo ao interpretar este excêntrico personagem. Com trejeitos hilários e uma expressão sisuda, o ator cativa ao capturar tanto a confiança e o orgulho do general, quanto a sua inocência\estupidez, nos brindando com um protagonista recheado de nuances. Mais lineares do que o seu "comandante", os coadjuvantes preenchem a trama com energia e carisma, vide o raivoso general interpretado pelo ex-astro 'teen' Anthony Michael Hall, o explosivo oficial vivido por Anthony Hayes e o nervoso assistente vivido por John Magaro. 


O investimento pesado da Netflix, aliás, pode ser percebido também no aspecto técnico do longa. Impulsionado pela refinada fotografia desértica de Dariusz Wolski (Perdido em Marte), David Michôd é estiloso ao traduzir não só a fisicalidade de Brad Pitt em cena, como também ao construir cenas realmente impactantes, culminando num plano sequência tenso e realmente imersivo. Em suma, com um desfecho redundante, uma premissa datada e um roteiro recheado de altos e baixos, War Machine é uma sátira bem intencional que, tal qual o general Glen McMahon, peca pela sua ingenuidade. No final das contas, porém, o longa representa mais um passo adiante da Netflix e mostra que o apetite da empresa de streaming está cada vez maior. Aproveitando o tema, leia a nossa opinião sobre a desnecessária rixa levantada no Festival de Cannes envolvendo o Cinema e a Netflix.

Um comentário:

Camila Navarro disse...

War Machine, no entanto, surge se tornando seu filme mais irregular, nos fazendo compreender o motivo pelo qual o colosso Netflix o preteriu para a viagem a Cannes. Amei ver a Josh Stewart no filme, lembro dos seus papeis iniciais, em comparação com os seus filmes atuais, e vejo muita evolução, mostra personagens com maior seguridade e que enchem de emoções ao expectador. Desfrutei muito sua atuação neste filme Sobrenatural: A Última Chave cuida todos os detalhes e como resultado é uma grande produção e muito bom elenco.