De volta ao universo que o lançou em Hollywood, o inglês Ridley Scott
soube explorar o dispositivo cinema em sua máxima potência. Dono de uma
versatilidade ímpar, que será justificada na lista abaixo, o diretor estreou no
Sci-Fi, mas não demorou muito para experimentar novos gêneros, entre eles a
fantasia, a ação, o drama, o épico e até mesmo o romance. Hoje com 79 anos,
Scott segue arriscando, vide o surpreendente Perdido em Marte (2015), e após o
subestimado Prometheus (2012) volta à franquia Alien (leia a nossa crítica aqui) com a missão de resgata-la
junto ao grande público. De volta às origens, o experiente realizador resolveu
apostar novamente no clima de suspense, na atmosfera imersiva do clássico de
1979, mostrando fôlego de jovem ao construir um filme que se garante no seu apuro estético. Uma obra
que, entre erros e acertos, mostra a assinatura desta legenda chamada Ridley
Scott. Neste Top 10, portanto, vamos celebrar a carreira deste
grande diretor e reunir dez dos melhores filmes da sua aclamada filmografia.
Dito isso, começamos com...
10º Um Bom Ano (2006)
E para abrir esta lista um romance com uma pitada de comédia. Um
excelente 'feel good movie', Um Bom Ano é uma filme apaixonante. Como se não
bastasse o bucólico e ensolarado cenário francês, valorizado pela radiante
fotografia de Philippe Le Sourd (Sete Vidas), o longa estrelado por Russel
Crowe e Marion Cotillard cativa ao narrar a trajetória de um 'workaholic' que
reencontra o amor ao voltar para a velha fazenda do seu querido tio. Indo além
do romance propriamente dito, Ridley Scott é habilidoso ao explorar as questões
afetivas do protagonista, a sua relação com o tio (Albert Finney) e com o
passado, preenchendo a trama com reflexões sobre o modo de vida urbano. Além
disso, Crowe e Cottilard mostram uma excelente química em cena, tornando o
romance entre os dois naturalmente atraente aos olhos do público. Em suma, Um
Bom Ano é um filme charmoso que, embora não seja propriamente inovador, ganha
um inegável frescor graças à condução refinada de Ridley Scott.
9º A Lenda (1985)
Fazendo um primoroso uso dos recursos práticos, A Lenda é uma Fantasia à
moda antiga. Após escrever o seu nome no cinema Sci-Fi com os memoráveis Alien:
O Oitavo Passageiro (1978) e Blade Runner (1982), Ridley Scott resolveu mostrar
o seu reconhecido repertório ao encarar este verdadeiro clássico da década de
1980. No rastro de filmes como Krull (1983) e História sem Fim (1984), o
realizador inglês tirou do papel uma obra ainda hoje impactante, um conto de
fadas lúdico, visualmente expressivo e inesperadamente assustador.
Narrativamente simples, o longa é sagaz ao transitar sobre temas mais adultos,
preenchendo esta mágica aventura com questões envolvendo a infidelidade, a
perda da inocência e a ganância. Por mais que o primeiro ato custe a engrenar,
Scott enche a tela de energia no momento em que a trama abraça o universo
fantástico, introduzindo cativantes personagens de apoio, um imponente vilão e
um magnífico trabalho da equipe de maquiagem.
Limitado pela precariedade dos efeitos digitais da época, Scott investe
pesado na construção de mundo, na exuberância da direção de arte, embalando a
trama com cenários ricos, sombrios e naturalmente aventurescos. Além disso,
Scott tira o máximo do seu talentoso elenco, dando ao inexperiente Tom Cruise a
possibilidade de se destacar na pele do selvagem Jack e ao magnético Tim Curry
à chance de exibir a sua faceta mais afetada como o antagonista Senhor das
Trevas. Contando ainda com a colorida fotografia de Alex Thompson, impecável ao
realçar a aura mais sombria da trama, A Lenda é um romance aventuresco e
levemente 'creep' que envelheceu muitíssimo bem. Numa época em que O Senhor dos
Anéis, Harry Potter e as Crônicas de Nárnia ainda nem sonhavam em chegar as
telas grandes, A Lenda preencheu o imaginário dos fãs do gênero e abriu as
portas para clássicos do porte de Labirinto (1986), A Princesa Prometida (1987)
e Willow: Na Terra da Magia (1988).
8º Falcão Negro em Perigo (2001)
Impecável ao reproduzir o aspecto mais caótico dos grandes conflitos
bélicos, Falcão Negro em Perigo mostra a guerra segundo Ridley Scott. Com uma
câmera sempre nervosa, uma fotografia desconfortavelmente saturada e
extraordinários efeitos visuais, o veterano realizador coloca o espectador no
centro da ação ao acompanhar os desesperados passos de um grupo de militares
americanos em solo somali. Sem a preocupação de estabelecer uma trama
propriamente dita, Scott impacta ao reproduzir as desventuras dos soldados em
solo inimigo, dividindo a película em pequenos arcos ao revelar a batalha sob
diversos pontos de vistas. O resultado são duas e vinte de pura adrenalina, uma
obra tensa potencializada pelas realísticas sequências de ação, pelo talentoso
elenco, pelos imersivos efeitos sonoros e pela expansiva fotografia desértica
de Slawomir Idziak (Gattaca). Um filme que poderia figurar facilmente na lista
de melhores do gênero se não fosse o desleixo do roteiro quanto ao contexto do
conflito e teor por vezes patriótico. Ainda assim, um excelente longa.
7º Cruzada - Versão do Diretor (2005)
Talvez o último representante da velha Hollywood, vide a sua
grandiosidade e o uso pontual do CGI, Cruzada é um épico com pedigree. Um dos
poucos realizadores a retratar os históricos conflitos em torno da Palestina,
Ridley Scott ampliou o escopo da película ao reproduzir a gigantesca batalha
entre as cruzadas do sábio Rei Balian (Edward Norton) e as tropas do respeitado
Saladino (Ghassan Massoud). Embora sob um prisma romantizado, o realizador
inglês é cuidadoso ao revelar o aspecto mais complexo em torno do conflito,
preenchendo a trama com personagens marcantes e diálogos expressivos. O frágil
rei Balien, por exemplo, é uma figura incrível, um tipo doente que, quando
necessário, se impõe em cena com rara contundência. Além disso, Scott preza
pelos detalhes, pela excepcional direção de arte, traduzindo a realidade da
época ao investir em personagens sujos e esteticamente deteriorados. Isso,
obviamente, sem esquecer da magnífica fotografia de John Mathieson, irretocável
ao capturar a imponência do conflito e as paisagens desérticas. Vale frisar,
entretanto, que muito da qualidade narrativa da película se perdeu na versão
lançada no cinema, um fato que, diga-se de passagem, não é novo na carreira de
Ridley Scott. Portanto a melhor versão do filme é a do diretor.
6º Thelma e Louise (1991)
Daqui para frente só clássicos. Numa época em que a questão da igualdade
feminina em Hollywood ainda era pouco discutida, Thelma e Louise surge como um
dos relatos mais feministas da história do cinema. Estrelado pelas excelentes
Susan Sarandon e Geena Davis, a libertadora película narra a trajetória de duas
amigas donas de casa que, cansadas da rotina doméstica, decidem colocar o pé na
estrada e mudar a sua rotina. No meio do caminho, entretanto, uma delas mata um
caminhoneiro que havia tentado a violentar. Perseguidas pela policia, elas
resolve iniciar uma fuga pelo interior dos EUA, expondo as incoerências por
trás das suas respectivas situações. Com uma premissa audaciosa e um forte teor
crítico, Ridley Scott nos brinda com duas personagens femininas impactantes,
uma história envolvente e um contexto completamente atemporal, um belo relato
sobre alguns dos inúmeros problemas enfrentados pelas mulheres na nossa
sociedade. Além disso, como se não bastasse o sincero entrosamento entre
Sarandon e Davis, Scott nos brinda com um desfecho corajoso, uma sequência
final poderosa e realmente marcante.
5º O Gangster (2007)
Um dos últimos grandes filmes de máfia produzidos em Hollywood, O
Gangster se revela um relato humano sobre a trajetória do criminoso Frank
Lucas. Indo de encontro a maioria dos filmes do gênero, Ridley Scott se
distancia do contexto ítalo-americano ao narrar a ascensão e a queda de um
traficante negro. Sem precisar apelar para clichês e estereótipos raciais, o
realizador é cuidadoso ao entender o passado do protagonista, a sua formação
intelectual e o contexto em que estava inserido. Impulsionado pela estrondosa
atuação de Denzel Washington, Scott realça a elegância do protagonista, a sua
astúcia dentro de um ambiente naturalmente predatório, nos fazendo criar uma
inusitada conexão com o personagem. Além disso, é interessante ver o cuidado do
diretor ao explorar os contrastes envolvendo a relação entre o mafioso e o
desleixado policial interpretado por Russel Crowe, um personagem com um forte
senso de justiça e extremamente resiliente. O aspecto familiar, aliás, também é
bem explorado em o Gangster, vide a marcante figura materna interpretada por
Ruby Dee, o que só estreita a conexão com alguns dos maiores filmes do gênero.
4º Perdido em Marte (2015)
Esbanjando uma energia invejável e o seu reconhecido rigor técnico,
Ridley Scott retorna em grande estilo à ficção científica no espirituoso
Perdido em Marte. Um dos grandes idealizadores por trás dos sombrios Alien - O
Oitavo Passageiro (1979) e Blade Runner - O Caçador de Androides (1982), o
realizador se reinventa ao universalizar o gênero que o consagrou, entregando
um divertido Sci-Fi pop que em nenhum momento subestima a inteligência do
espectador. Embalado por hits da Disco Music e pela soberba atuação de Matt
Damon, Scott consegue valorizar o entretenimento sem abrir mão do pano de fundo
científico, nos brindando com um longa intenso, realístico, inteligente e
inesperadamente bem humorado. Uma aventura espacial autoral e visualmente
magnífica, que aproveita com rara inspiração o vácuo aberto pelos recentes
sucessos de Gravidade (2013) e Interestelar (2014). Na verdade, Ridley Scott
mostra em Perdido em Marte que um velho mágico ainda pode guardar novos
truques.
3º Alien: O Oitavo Passageiro (1979)
O primeiro grande sucesso da carreira de Ridley Scott, Alien: O Oitavo
Passageiro é uma verdadeira pérola do Suspense\Terror\Sci-Fi. Fazendo um
primoroso uso do expressivo cenário, da fotografia sombria de Derek Vanlint, o
realizador nos brindou com uma obra naturalmente tensa, um filme esteticamente
a frente do seu tempo que ainda hoje é referência para a maioria das produções
do gênero. Recentemente, inclusive, tive a oportunidade de rever o filme num formato
mais atual e o detalhismo da produção me impressionou. Impecável ao construir
uma atmosfera completamente imersiva, Scott mostrou o seu reconhecido
virtuosismo ao idealizar o design da produção, a concepção da nave Nostromo e
das tecnologias "futuristas", criando um produto que parece teimar em
não envelhecer. Somado a isso, Alien: O Oitavo Passageiro traz consigo uma
premissa simples e instigante, um argumento recheado de suspense potencializado
pela sua incrível protagonista, a indomável Ripley (Sigourney Weaver). Na
verdade, a personagem se tornou um marco dentro do cinema de Ação\Horror, uma
heroína 'bad-ass' que viria a estrelar uma das mais rentáveis e aclamadas
franquias do gênero. Em suma, com efeitos visuais marcantes, um antagonista
exemplar e um envolvente pano de fundo científico, Alien: O Oitavo Passageiro é
uma obra completa, um longa tecnicamente requintado que ainda hoje é capaz de
causar alguns bons arrepios.
2º Blade Runner (1982)
E o nosso segundo lugar é desta pérola da ficção-científica. Após nos
presentear com o já citado Alien: O Oitavo Passageiro, Ridley Scott abraçou de
vez a estética cyberpunk no instigante Blade Runner, um suspense distópico com
elementos do cinema 'noir' sobre um detetive experiente que se vê obrigado a colocar
fim na existência de um grupo de replicantes. Com um visual ainda hoje
singular, uma estética 'over' e suja coerente com a proposta crítica do longa,
Scott nos coloca numa Los Angeles futurista decadente, um ambiente moralmente
corrompido marcado pela violência, pelo consumismo e pela poluição. Neste
contexto, diante do iminente colapso, parte da população mundial foi buscar um
novo padrão de vida em outros planetas, um processo de colonização que abriu
espaço para o desenvolvimento dos ciborgues. Com um cenário instigante em mãos,
Ridley Scott levanta não só uma série de questões sócio-políticas, entre elas a
desigualdade imposta aos replicantes, a degradação ambiental e os interesses
escusos das grandes corporações, como também se volta para os dilemas mais
humanos, a maioria deles envolvendo a complexa relação entre o turrão Deckert
(Harrison Ford) e os replicantes Rachel (Sean Young) e Roy Batty (Rutger
Hauer). Sem querer revelar muito, o clímax de Blade Runner é uma das coisas
mais belas que eu já assisti, uma sequência poética, profunda e comovente sobre
os rumos da nossa existência. Inegavelmente, uma obra à frente do seu tempo,
tanto que na época do lançamento o filme foi considerado um fracasso comercial.
Hoje, porém, Blade Runner se tornou um clássico cult, uma película com um
visual estupendo, diálogos primorosos, temas atuais e sequências excepcionais.
1º Gladiador (2000)
"Meu nome é Maximus Decimus Meridius, comandante dos exércitos do
North, General das Legiões de Felix, um servo leal do verdadeiro imperador,
Marcus Aurelius. Pai de um filho assassinado, marido de uma esposa assassinada.
E eu terei a minha vingança, nesta vida ou na próxima." Que frase, que
cena! O Spartacus do novo milênio, Gladiador é um espetáculo que de tempos em
brotam em Hollywood. Vencedor do Oscar na categoria de Melhor Filme, o longa
estrelado por Russell Crowe reúne o melhor da filmografia de Ridley Scott.
Fazendo um primoroso uso dos recursos digitais, o realizador elevou o nível da
brincadeira ao recriar alguns dos mais icônicos monumentos históricos, entre
eles o Coliseu, dando ao longa um cenário grandioso e extremamente realístico.
Indo além das magníficas sequências de ação, Scott investe também numa história
robusta, uma jornada de redenção envolvendo um ex-comandante obrigado a se
tornar escravo após perder toda a sua família. Impulsionado pelas excelentes
atuações do trio Russell Crowe, Joaquin Phoenix e Djimon Hounsou, Gladiador
reinaugurou o gênero épico dentro do formato digital, se tornando o primeiro numa
safra que teve O Senhor dos Anéis, Troia, Cruzada e o popular 300.
Menções Honrosas
- Os Vigaristas (2003)
Nicolas Cage e Sam Rockwell se unem nesta inteligente comédia sobre dois
picaretas.
- Até o Limite da Honra (1997)
Demi Moore se despe do rótulo de 'sex-symbol' numa corajosa produção
sobre uma mulher em busca de igualdade.
- Prometheus (2012)
Prometheus é um trabalho incompreendido. Embora a falta de acabamento do argumento seja nítida, vide as soluções estúpidas, o maniqueísmo de alguns dos personagens e o frouxo senso de conclusão, Ridley Scott arriscou ao se voltar para a origem da sua principal franquia. Além de ampliar a mitologia em torno da criação dos xenomorfos e a função dos engenheiros, o diretor conseguiu abrir espaço para alguns interessantes novos elementos, entre eles o dúbio androide David (Michael Fassbender) e a linha dura Meredith (Charlize Theron), trazendo para o centro da trama questões científicas e de cunho existencialista. Na verdade, ainda que o clima de tensão seja evidente, Scott substitui o terror espacial pelo Sci-Fi, investindo numa obra pretensiosa, mas que ousa na tentativa de oferecer algo novo. E isso sem esquecer repetir os maiores acertos da franquia, entre eles a imersiva atmosfera espacial, os espetaculares efeitos visuais e uma resiliente protagonista feminina (Noomi Rapace). Óbvio que, a critério de comparação, Prometheus fica distante das obras primas Alien: O Oitavo Passageiro e Aliens: O Resgate. Num todo, porém, eu ainda acho que a prequel tem mais a oferecer do que títulos como Alien 3 e Alien: A Ressurreição.
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