O poder de um sonho
Inspirado numa história real, Voando Alto cativa ao dar contornos
familiares a incrível jornada do saltador de esqui Eddie "The Eagle"
Edwards. Mesmo diante de algumas evidentes soluções fáceis, o longa dirigido
por Dexter Fletcher cumpre a sua missão ao capturar através dos passos deste
obstinado atleta britânico a essência do espírito olímpico, a capacidade de uma
pessoa entregar o seu máximo a uma competição independente dos resultados ou do
tamanho dos recordes batidos. Fazendo um sincero uso de temas como a superação
e a força de um sonho, a cinebiografia trafega por um terreno seguro ao traduzir os obstáculos enfrentados pelo desastrado jovem, dando uma
abordagem exageradamente leve a questões aparentemente mais substanciais. Ainda
assim, Voando Alto se revela um 'feel good movie' de primeira, principalmente por nos
dar os ingredientes necessários para que possamos enxergar a tenacidade, o
carisma e a força de vontade por trás dos feitos deste valoroso atleta
olímpico.
Com argumento assinado por Sean Macaulay e Simon Kelton, o longa não se
faz de rogado ao tornar a jornada de
Eddie "The Eagle" (Taron Egerton) o mais cinematográfica possível.
Para isso, na tentativa de enfatizar o quão deslocado era o protagonista, os
roteiristas se rendem a uma série de soluções cartunescas, alterando os fatos
por trás da origem esportiva do saltador. O processo de exclusão da equipe
britânica de esqui, por exemplo, beira o infantil, assim como a sua repentina
mudança para a Alemanha e a sua quase "suicida" tentativa de se tornar um
atleta do salto. Ainda que não repita os excessos de outro clássico do gênero,
o adorável Jamaica Abaixo de Zero (1993), um sucesso da Disney que optou por
reinterpretar a trajetória real da equipe jamaicana de Bobslead, Voando Alto
toma gigantesca "liberdade criativa" ao reproduzir tanto os primeiros
passos de Eddie nesta nova modalidade, quanto a sua relação com os técnicos
Chuck Berghorn and John Viscome. Na verdade, assim como no recente Trumbo
(2016), os roteiristas decidiram ficcionalizar alguns personagens, entre eles a
figura do mentor, aqui interpretado por Hugh Jackman. Surge então Bronson
Peary, um ex-atleta problemático que traz consigo traços da personalidade dos
dois técnicos da "Águia". Uma figura de aparência 'bad-ass', mas que
revela uma dose de humanidade capaz de impedir que o seu personagem se torne
uma mera caricatura.
Dito isso, Voando Alto é inicialmente impecável ao traduzir a vocação
olímpica do protagonista. Logo na lúdica sequência de abertura, Dexter Fletcher
estabelece com sensibilidade a personalidade obstinada do pequeno Eddie, um
jovem atrapalhado e determinado que sonhava em se tornar um atleta olímpico.
Melhor ainda, aliás, é a doçura do realizador ao construir a afetuosa relação
do jovem com os seus cativantes pais, a compreensiva Janette (Jo Hartley) e o
intransigente Terry (Keith Allen). Fazendo um magnífico uso da atmosfera leve
que guia a trama, Fletcher mostra categoria ao desenvolver os dilemas
familiares de Eddie, incluindo a descrença paterna, o medo da decepção e a
falta de apoio financeiro. Quando o assunto é a transição do atleta para o
salto, porém, o longa oscila. Num primeiro momento, a aproximação entre Eddie e
Bronson acontece de maneira conveniente, motivada pela unidimensionalidade dos
personagens secundários, culminando num processo de treinamento superficial e
numa cena quase constrangedora envolvendo a musa oitentista Bo Derek (Mulher
Nota 10). À medida que o filme avança, no entanto, o elo entre técnico e atleta
se torna mais estreito, a prática ganha mais tempo de tela, dando ao espectador
a possibilidade de enxergar a evolução de Eddie durante a classificação para os
Jogos Olímpicos de Inverno.
É no momento em que se volta para as competições, aliás, que Voando Alto
se torna uma experiência empolgante. Como se não bastasse o zelo do argumento
ao absorver a força de vontade, a superação e o espírito olímpico de Eddie,
Dexter Fletcher esbanja virtuosismo ao reproduzir os incríveis saltos
dos atletas. Mesmo com um orçamento limitado em mãos, cerca de US$ 23 milhões,
o diretor britânico equilibra CGI e cenas reais com extrema habilidade, nos
brindando com takes genuinamente divertidos. O salto noturno em câmera lenta de
Bronson Peatty, por exemplo, é magnífico, assim como as sequências em torno da
realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1988. Através de expressivos enquadramentos, verossímeis efeitos visuais e uma montagem que valoriza a emoção
por trás dos feitos do protagonista, Fletcher cria o vínculo necessário para
que o espectador torça por Eddie, se encante com a sua evolução, o que se torna fundamental para a construção do fascinante
clímax. Além disso, o longa é igualmente cuidadoso ao desenvolver o
estado de espírito do atleta, o misto de euforia, determinação e desilusão acentuado pela cobertura sensacionalista da
mídia durante a sua inusitada participação no evento. No filme, inclusive, o
tema ganha um contexto interessante na voz do comentarista da BBC interpretado por
Jim Broadbent, um personagem bem humorado que se torna importante dentro do
último ato.
Por falar no elenco, o promissor Taron Egerton (Kingsman) se esforça
para absorver a postura atrapalhada do saltador Eddie Edwards. Mesmo flertando
com o tom caricatural ao tentar reproduzir os maneirismos físicos do atleta, o
jovem ator esbanja categoria ao abraçar a aura indomável do seu personagem, nos
fazendo crer na inocência, na aura 'loser' e nos mais impossíveis sonhos do
saltador. Assim como Egerton, aliás, Hugh Jackman esbanja o seu reconhecido
carisma ao dar vida ao rebelde Bronson Peary. Apesar da aura deslocada do
treinador, o astro de X-Men convence criar um tipo derrotado, um bebum
incorrigível que encontra na persistência de Eddie a possibilidade de se
redimir. Ainda sobre o elenco, enquanto o experiente Christopher Walken faz uma
interessante participação especial como o ex-técnico de Peary, o jovem Edvin
Endre (Vikings) surpreende ao encarnar o genial saltador Matti
Nykänen. Sem querer revelar muito, o igualitário diálogo final entre Eddie e Matti se revela um dos
pontos altos do longa, principalmente por traduzir a essência do espírito
olímpico sob um ponto de vista bem franco.
Impulsionado pela magnética trilha sonora de Mathew Margenson
(Kingsman), impecável ao embalar o clima otimista da trama com os seus acordes
sintetizados e a sua vibe oitentista, Voando Alto é uma cinebiografia vigorosa
sobre um jovem dedicado aos seus sonhos. Apesar dos evidentes problemas
narrativos, a maioria deles envolvendo a superficialidade de alguns conflitos e
o constante flerte com as soluções fáceis, Dexter Fletcher nos brinda com uma
espécie de Jamaica Abaixo de Zero versão 2.0, um longa familiar e empolgante
que brilha ao realçar a pureza dos ideais defendidos pelo "pai" dos Jogos
Olímpicos Modernos, o tão celebrado Barão Pierre de Coubertin. Curiosamente, a Olimpíada
de Inverno de Calgary de 1988 ficou marcada, justamente, por estes momentos
mais singulares, já que além da presença da "águia" Eddie Edwards, o
evento trouxe também a então inusitada participação da equipe de Bobslead da
Jamaica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário