segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Voando Alto

O poder de um sonho

Inspirado numa história real, Voando Alto cativa ao dar contornos familiares a incrível jornada do saltador de esqui Eddie "The Eagle" Edwards. Mesmo diante de algumas evidentes soluções fáceis, o longa dirigido por Dexter Fletcher cumpre a sua missão ao capturar através dos passos deste obstinado atleta britânico a essência do espírito olímpico, a capacidade de uma pessoa entregar o seu máximo a uma competição independente dos resultados ou do tamanho dos recordes batidos. Fazendo um sincero uso de temas como a superação e a força de um sonho, a cinebiografia trafega por um terreno seguro ao traduzir os obstáculos enfrentados pelo desastrado jovem, dando uma abordagem exageradamente leve a questões aparentemente mais substanciais. Ainda assim, Voando Alto se revela um 'feel good movie' de primeira, principalmente por nos dar os ingredientes necessários para que possamos enxergar a tenacidade, o carisma e a força de vontade por trás dos feitos deste valoroso atleta olímpico. 



Com argumento assinado por Sean Macaulay e Simon Kelton, o longa não se faz de rogado ao  tornar a jornada de Eddie "The Eagle" (Taron Egerton) o mais cinematográfica possível. Para isso, na tentativa de enfatizar o quão deslocado era o protagonista, os roteiristas se rendem a uma série de soluções cartunescas, alterando os fatos por trás da origem esportiva do saltador. O processo de exclusão da equipe britânica de esqui, por exemplo, beira o infantil, assim como a sua repentina mudança para a Alemanha e a sua quase "suicida" tentativa de se tornar um atleta do salto. Ainda que não repita os excessos de outro clássico do gênero, o adorável Jamaica Abaixo de Zero (1993), um sucesso da Disney que optou por reinterpretar a trajetória real da equipe jamaicana de Bobslead, Voando Alto toma gigantesca "liberdade criativa" ao reproduzir tanto os primeiros passos de Eddie nesta nova modalidade, quanto a sua relação com os técnicos Chuck Berghorn and John Viscome. Na verdade, assim como no recente Trumbo (2016), os roteiristas decidiram ficcionalizar alguns personagens, entre eles a figura do mentor, aqui interpretado por Hugh Jackman. Surge então Bronson Peary, um ex-atleta problemático que traz consigo traços da personalidade dos dois técnicos da "Águia". Uma figura de aparência 'bad-ass', mas que revela uma dose de humanidade capaz de impedir que o seu personagem se torne uma mera caricatura.


Dito isso, Voando Alto é inicialmente impecável ao traduzir a vocação olímpica do protagonista. Logo na lúdica sequência de abertura, Dexter Fletcher estabelece com sensibilidade a personalidade obstinada do pequeno Eddie, um jovem atrapalhado e determinado que sonhava em se tornar um atleta olímpico. Melhor ainda, aliás, é a doçura do realizador ao construir a afetuosa relação do jovem com os seus cativantes pais, a compreensiva Janette (Jo Hartley) e o intransigente Terry (Keith Allen). Fazendo um magnífico uso da atmosfera leve que guia a trama, Fletcher mostra categoria ao desenvolver os dilemas familiares de Eddie, incluindo a descrença paterna, o medo da decepção e a falta de apoio financeiro. Quando o assunto é a transição do atleta para o salto, porém, o longa oscila. Num primeiro momento, a aproximação entre Eddie e Bronson acontece de maneira conveniente, motivada pela unidimensionalidade dos personagens secundários, culminando num processo de treinamento superficial e numa cena quase constrangedora envolvendo a musa oitentista Bo Derek (Mulher Nota 10). À medida que o filme avança, no entanto, o elo entre técnico e atleta se torna mais estreito, a prática ganha mais tempo de tela, dando ao espectador a possibilidade de enxergar a evolução de Eddie durante a classificação para os Jogos Olímpicos de Inverno.


É no momento em que se volta para as competições, aliás, que Voando Alto se torna uma experiência empolgante. Como se não bastasse o zelo do argumento ao absorver a força de vontade, a superação e o espírito olímpico de Eddie, Dexter Fletcher esbanja virtuosismo ao reproduzir os incríveis saltos dos atletas. Mesmo com um orçamento limitado em mãos, cerca de US$ 23 milhões, o diretor britânico equilibra CGI e cenas reais com extrema habilidade, nos brindando com takes genuinamente divertidos. O salto noturno em câmera lenta de Bronson Peatty, por exemplo, é magnífico, assim como as sequências em torno da realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1988. Através de expressivos enquadramentos, verossímeis efeitos visuais e uma montagem que valoriza a emoção por trás dos feitos do protagonista, Fletcher cria o vínculo necessário para que o espectador torça por Eddie, se encante com a sua evolução, o que se torna fundamental para a construção do fascinante clímax. Além disso, o longa é igualmente cuidadoso ao desenvolver o estado de espírito do atleta, o misto de euforia, determinação e desilusão acentuado pela cobertura sensacionalista da mídia durante a sua inusitada participação no evento. No filme, inclusive, o tema ganha um contexto interessante na voz do comentarista da BBC interpretado por Jim Broadbent, um personagem bem humorado que se torna importante dentro do último ato.


Por falar no elenco, o promissor Taron Egerton (Kingsman) se esforça para absorver a postura atrapalhada do saltador Eddie Edwards. Mesmo flertando com o tom caricatural ao tentar reproduzir os maneirismos físicos do atleta, o jovem ator esbanja categoria ao abraçar a aura indomável do seu personagem, nos fazendo crer na inocência, na aura 'loser' e nos mais impossíveis sonhos do saltador. Assim como Egerton, aliás, Hugh Jackman esbanja o seu reconhecido carisma ao dar vida ao rebelde Bronson Peary. Apesar da aura deslocada do treinador, o astro de X-Men convence criar um tipo derrotado, um bebum incorrigível que encontra na persistência de Eddie a possibilidade de se redimir. Ainda sobre o elenco, enquanto o experiente Christopher Walken faz uma interessante participação especial como o ex-técnico de Peary, o jovem Edvin Endre (Vikings) surpreende ao encarnar o genial saltador Matti Nykänen. Sem querer revelar muito, o igualitário diálogo final entre Eddie e Matti se revela um dos pontos altos do longa, principalmente por traduzir a essência do espírito olímpico sob um ponto de vista bem franco.


Impulsionado pela magnética trilha sonora de Mathew Margenson (Kingsman), impecável ao embalar o clima otimista da trama com os seus acordes sintetizados e a sua vibe oitentista, Voando Alto é uma cinebiografia vigorosa sobre um jovem dedicado aos seus sonhos. Apesar dos evidentes problemas narrativos, a maioria deles envolvendo a superficialidade de alguns conflitos e o constante flerte com as soluções fáceis, Dexter Fletcher nos brinda com uma espécie de Jamaica Abaixo de Zero versão 2.0, um longa familiar e empolgante que brilha ao realçar a pureza dos ideais defendidos pelo "pai" dos Jogos Olímpicos Modernos, o tão celebrado Barão Pierre de Coubertin. Curiosamente, a Olimpíada de Inverno de Calgary de 1988 ficou marcada, justamente, por estes momentos mais singulares, já que além da presença da "águia" Eddie Edwards, o evento trouxe também a então inusitada participação da equipe de Bobslead da Jamaica. 

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